O uso dos canabinoides tem se tornado uma realidade na prática clínica. O aumento expressivo no número de estudos, bem como a crescente descoberta de novas indicações clínicas1, fazem com que o número de usuários de substâncias como o canabidiol cresça a cada ano2.
Assim como qualquer outra modalidade de tratamento, o acompanhamento clínico é fundamental, e conhecer os principais efeitos adversos, toxicidade, bem como contraindicações e possíveis interações medicamentosas se faz de suma importância para o sucesso terapêutico.
Segundo dados da OMS, estima-se que cerca de 5 milhões de mortes/ano estejam relacionadas ao uso abusivo de álcool3, e 70% das mortes causadas pelo uso abusivo de drogas são pelo abuso de opiáceos4. Ao contrário do que se imagina, o número de óbitos causados por abuso de Cannabis (na sua forma recreativa) é muito baixo comparado ao abuso de outras substâncias com reduto risco de abuso, como a cafeína3.
Já em relação ao uso do canabidiol, um dos componentes da Cannabis, esse risco não é considerável, e em decorrência disso, não há relatos de overdose devido ao seu uso. Uma possível explicação para um risco mínimo ocorre principalmente pela falta de receptores canabinoides nos centros respiratórios e cardiovasculares do tronco encefálico5.
Uma vez apresentando receptores por quase todo o organismo, os possíveis efeitos adversos também podem ser variados, bem como a prevalência entre os sexos6. Ademais, em uma revisão sistemática incluindo a avaliação de efeitos colaterais dos canabinoides 7, não houve evidência de maior incidência de efeitos adversos graves após o uso de cannabis medicinal em comparação com o controle (RR 1,04, IC 95% 0,78–1,39)7.
Os efeitos adversos classificados como graves foram categorizados como distúrbios respiratórios (dispneia, pneumonia), gastrointestinais (náusea, vômitos, gastroenterites) ou do sistema nervoso (recaída de esclerose múltipla, crises convulsivas).
Já entre as reações adversas leves, vertigem constituiu o principal7. Também é conhecido que as provas hepáticas podem alterar durante o uso de canabinoides, visto que o metabolismo dos canabinoides ocorrem em grande parte no tecido hepático8. As transaminases também podem se elevar durante o período de uso, principalmente nos primeiros dois meses de tratamento, de modo que 1/3 dos pacientes retornam aos valores normais e 2/3 requerem redução da dose ou suspensão da medicação9.
Quanto as interações medicamentosas, sabe-se que correspondem as alterações no efeito e/ou na duração de duas ou mais substâncias, quando utilizadas em conjunto. Geralmente as alterações acontecem por mecanismos farmacocinéticos, mediante alterações de enzimas, dentre elas o complexo CYP4508,10.
Dessa forma, o uso dos canabinoides pode então aumentar ou reduzir a concentração e tempo de ação de outros medicamentos. Por isso, é importante ao médico conhecer os medicamentos de uso habitual do paciente, além de ajustar (se necessário) a dosagem dos fármacos quando prescritos produtos à base de cannabis.
Interações com medicamentos mais conhecidos:5,10,11
- Varfarina
O THC (substância presente em grandes concentrações na cannabis) pode inibir o citocromo P450, através de uma subunidade específica dessa enzima. Assim, a eliminação de anticoagulantes cumarínicos (como a varfarina) é alterado, podendo aumentar o tempo e ação desses anticoagulantes no organismo. Dessa forma, deve-se acompanhar o coagulograma para ajuste da dose dos anticoagulantes.
- Ácido valpróico
O ácido valpróico é um medicamento anticonvulsivante, frequentemente prescrito em pacientes com crises convulsivas. Em estudos com cannabis, o uso do valproato e cannabis levou a alterações da função hepática, sendo necessário acompanhamento e, a depender da lesão hepática, suspensão dos produtos à base de cannabis.
- Clobazam
O clobazam é um medicamento da família dos benzodiazepínicos, com utilização em pacientes com epilepsia. O uso concomitante ao canabidiol pode aumentar as concentrações de clobazam na corrente sanguínea, podendo gerar sonolência excessiva e outros efeitos adversos.
Por fim, sabe-se que a terapia com canabinoides é segura, com efeitos colaterais na sua maioria leves e autolimitados. O acompanhamento médico rigoroso faz com que esses efeitos sejam ainda menores, e quando presentes, de fácil manejo. Além disso, conhecer e ajustar as doses dos medicamentos quando necessário reduz o risco de interações medicamentosas, com consequente melhor desfecho no planejamento terapêutico das patologias a serem tratadas.
A incidência dos casos de overdose e intoxicação com canabinoides é alta, principalmente por se tratar de uma substância com ação primária no SNC. Isso faz com que sintomas como sonolência, alteração de humor e coma sejam comuns em superdosagens dessas medicações
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