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Gastroenterologia14 fevereiro 2023

O que há de novo no tratamento da pancreatite aguda?

A pancreatite aguda é uma doença heterogênea que pode evoluir de forma grave, com SIRS e com complicações como coleções fluidas ou necróticas.

A pancreatite aguda é uma entidade clínica que cursa com dor abdominal em andar superior, associada a aumento acima de três vezes do limite superior da normalidade de amilase e/ou lipase, além de alterações em exames de imagem, como edema, coleções peripancreáticas e necrose. Para seu diagnóstico, o paciente precisa apresentar 2 dos 3 critérios supracitados.

Trata-se de condição heterogênea, podendo cursar com sintomas leves ou evoluir com gravidade, apresentando critérios da síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS). É importante mencionar que inicialmente, trata-se de um processo inflamatório estéril. Logo, deve-se ter cuidado com o uso indiscriminado de antibioticoterapia.

Apesar da evolução do tratamento das coleções fluidas/necróticas peripancreáticas, ainda existe uma alta mortalidade relacionada à pancreatite aguda grave. No final de janeiro de 2023, o Current opinion in critical care publicou um estudo de revisão, com foco nas atualizações sobre o manejo da pancreatite aguda.

O que há de novo no tratamento da pancreatite aguda

Manejo inicial

  • Hidratação

Os estudos demonstram que o ringer lactato é a solução preferida na expansão volêmica dos pacientes com pancreatite aguda. A estratégia agressiva não deve ser utilizada, pois aumenta a sobrecarga hídrica nesses pacientes.

A hidratação deve ser guiada por metas, sendo sugerida uma etapa inicial de 10 ml/kg em bolus, na presença de sinais de hipovolemia, seguida por 1,5 ml/kg/hora.

Em pacientes monitorizados na unidade de terapia intensiva, deve-se ter atenção especial aos parâmetros volêmicos do paciente.

  • Nutrição

A nutrição precoce é muito importante no prognóstico da pancreatite aguda, visto que o paciente em dieta oral zero tem maiores chances de translocação bacteriana. Deve-se estimular um início de dieta precoce, sob demanda. Em pacientes que mantêm dieta oral zero por 03 dias, deve-se considerar passagem de sonda nasoentérica para adequada nutrição enteral. A alimentação parental deve ser reservada para pacientes persistentemente intolerantes à alimentação enteral, cursando com íleo metabólico ou demais complicações relacionadas.

Leia também: GPOCUS e a avaliação do risco de retardo do esvaziamento gástrico após colectomia

  • Analgesia

O manejo da dor é extremamente importante e deve ser realizado de forma multimodal, incluindo analgésicos simples e opioides. Quando insuficiente, deve-se consultar o serviço de anestesiologia/controle de dor do hospital e considerar analgesia peridural, a fim de minimizar os efeitos colaterais causados por altas dosagens de opiáceos, além de garantir controle álgico adequado.

  • Profilaxia antibiótica e uso de probióticos

O uso de antibióticos não é recomendado na profilaxia de necrose infectada.

Recentemente, foram feitos dois estudos randomizados utilizando simbióticos (Bifilac) na pancreatite aguda moderada/grave e probióticos (Bacillus subtilis e Enterococcus faecium) e que demonstraram redução do tempo da internação, contudo não houve alteração nos demais desfechos clínicos. Dessa forma, são necessários mais estudos para recomendá-los no manejo da pancreatite aguda.

  • Prevenção da pancreatite aguda pós CPRE

As medidas profiláticas pós CPRE incluem uso de AINEs via retal (100 mg de diclofenaco) e colocação de stent no ducto pancreático (DP) em caso de canulação involuntária do mesmo.

Manejo das complicações

  • Necrose pancreática infectada

O uso de procalcitonina pode auxiliar na redução do uso indiscriminado de antibioticoterapia na necrose pancreática, pois se trata de um biomarcador elevado na presença de infecção bacteriana e não se eleva apenas na presença de inflamação.

Um estudo randomizado realizado no Reino Unido utilizou um ponto de corte de procalcitonina de 1 ng/ml, reservando o uso de antibiótico para esses pacientes. Os dados da literatura são escassos no que tange a melhor escolha da antibioticoterapia. Porém os carbapenêmicos, como meropenem e imipenem, são os antibióticos empíricos mais utilizados devido a alguns estudos demonstrando melhor penetração dessa classe antibióticano tecido pancreático.

  • Coleções locais graves

O manejo das coleções pancreáticas infectadas teve grande avanço nas últimas décadas, incluindo procedimentos intervencionistas através de endoscopia e radiologia intervencionista. As evidências demonstram que a abordagem intervencionista da necrose infectada é mais eficaz quando a mesma encontra-se organizada (walled off necrosis –WON), pois dessa forma evita complicações.

O estudo POINTER realizado na Holanda avaliou que a abordagem precoce da necrose infectada (com média de 24 dias) resultou em maior necessidade de intervenções que o grupo que recebeu abordagem tardia (com média de 34 dias). Além disso, 39% do grupo com tratamento mais tardio não foi tratado apenas com antibióticos, sem necessidade de intervenções.

Além disso, dados da literatura demonstram que pacientes submetidos à drenagem endoscópica de coleções necróticas estéreis sintomáticas, apesar de alta taxa de sucesso (87%), apresenta alta taxa de infecções secundárias iatrogênicas (73%).

Dessa forma, atualmente devemos optar por uma abordagem mais conservadora da pancreatite necrosante, com antibioticoterapia adequada e acompanhamento radiológico, reservando as abordagens intervencionistas para um momento mais tardio, após 4 semanas do evento agudo, quando as coleções estiverem organizadas (WON). A modalidade de intervenção deve ser discutida em equipe multidisciplinar. Coleções estéreis só devem ser drenadas se sintomáticas ou se alta suspeição de infecção não diagnosticada, devido ao risco de infecção iatrogênica.

  • Hipertensão intra-abdominal

O tratamento com neostigmina deve ser considerado em pacientes com hipertensão intra-abdominal internados na UTI.

  • Colecistectomia

Deve ser realizada na mesma internação em pacientes com pancreatite aguda biliar leve. Não existe consenso para o melhor momento da colecistectomia em pacientes com pancreatite aguda biliar necrotizante. Dessa forma, esses pacientes devem ser monitorados após a alta e ser submetidos à colecistectomia, assim que as coleções forem resolvidas.

  • Imunomodulação

A pancreatite aguda grave é um estado hiperinflamatório, que cursa com uma tempestade de citocinas. Foram realizados estudos a fim de realizar plasmaférese com retirada de citocinas, apresentando discreta melhora terapêutica, contudo são estudos que necessitam de maior validação. Dessa forma, a plasmaférese terapêutica para remoção extracorpórea de citocinas pode ser considerada como último recurso para falência persistente de órgãos em casos selecionados.

Mensagens práticas

A pancreatite aguda é uma doença heterogênea que pode evoluir de forma grave, com SIRS e com complicações como coleções fluidas ou necróticas. A hidratação guiada por metas, dando preferência por ringer lactato e o cuidado em restabelecer a nutrição sob demanda são medidas iniciais que podem modificar o prognóstico dessa condição.

Além disso, deve-se ter cuidado para reservar a antibioticoterapia apenas para casos com necrose infectada e reservar as medidas de intervenção da necrose para períodos mais tardios, quando a mesma estiver organizada, evitando complicações relacionadas ao procedimento.

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