Caso clínico: Bloqueio motor prolongado após histerectomia
Paciente feminina, hígida, 47 anos, foi internada para a realização de histerectomia parcial devido a quadro de miomatose uterina com menorragias frequentes. Paciente gesta 2/2, encontrava-se em bom estado geral, lúcida e orientada, jejum de 10 horas em relação a sua última refeição, sem queixas.
O caso
Ao exame físico apresentava-se hipocorada (+/4+), acianótica, anictérica, afebril, enchimento capilar satisfatório, eupneica e eucárdica. FC 89 bpm, PA 145 X 68 mmHg, SpO2 98% em ar ambiente, pulmões limpos e ausculta cardíaca sem alterações. Exames laboratoriais apresentando uma discreta anemia e sem outra alterações significativas.
Negava qualquer comorbidade assim como alergias a medicamentos e alimentos ou complicações anestésicas anteriores. Negava uso de medicações.
Encaminhada ao centro cirúrgico, monitorizada com cardioscópio, oxímetro de pulso e pressão arterial não invasiva. Realizado venóclise em MSE com jelco 18 G e iniciado hidratação venosa com RL 500 ml. Administrado ondansetrona 4 mg e dipirona 2 g como medidas preventivas e midazolan 5 mg como ansiolítico.
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Realizado bloqueio peridural paramediano, L1-L2 na segunda tentativa, com agulha de Tuohy 16G e administrado Ropivacaína 0,5% 20 mL e morfina 0,8 mg. Houve uma certa dificuldade na realização do bloqueio pela anatomia da paciente.
Cirurgia foi realizada em aproximadamente 2 horas e meia, sem intercorrências e sem grandes sangramentos, paciente permaneceu estável todo o procedimento, não apresentando nenhuma alteração hemodinâmica significativa. Encaminhada a RPA e após uma hora foi liberada para o quarto ainda com bloqueio motor completo, Aldrete 08.
Passado mais de seis horas da realização do bloqueio, paciente ainda apresentava bloqueio motor e sensitivo completo em ambos os membros inferiores, com reflexos preservados. Sem outras queixas, mantendo-se hemodinamicamente estável.
Encaminhada a tomografia que evidenciou uma coleção comprimindo o saco dural a nível de L2.
Hipótese diagnóstica
Paciente submetido a bloqueio neuroaxial, principalmente peridural, evoluindo com permanência do bloqueio motor e sensitivo muito além do tempo provável e com imagem de compressão espinhal, devemos pensar em hematoma espinhal.
Apesar de ser uma complicação rara e a anestesia espinhal ser o quarto fator desencadeante, é uma complicação grave, que deve ser diagnosticada e tratada da forma mais precoce possível para evitar sequelas permanentes e até o óbito.
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Bloqueios espinhais, principalmente quando realizados com dificuldade técnica, com múltiplas punções ou em pacientes com quadro de coagulopatias ou em uso de determinadas medicações anticoagulantes ou idosos, podem promover o sangramento no espaço peridural com formação de hematoma no local, ocasionando compressão do fluxo sanguíneo arterial e venoso da medula e das raízes espinhais. Essa compressão leva a isquemia local e ao desenvolvimento de sinais e sintomas neurológicos que podem evoluir para uma paraplegia completa ou óbito.
A paciente do caso relatado, afirmou após, que fazia uso de ácido acetil salicílico diariamente, para “afinar o sangue”, porém não relatou seu uso durante a visita pré-anestésica.
Tratamento
O tratamento padrão-ouro para o hematoma peridural é multidisciplinar, com a descompressão cirúrgica realizada de forma precoce. Pode-se também administrar corticosteroides como metilpredinisolona, porém o tratamento conservador medicamentoso único deve ser realizado apenas em situações em que não há progressão e sim, estabilização dos sinais e sintomas neurológicos e regressão dos sintomas nas primeiras horas de tratamento. Lembrando sempre que o tratamento cirúrgico deve ser iniciado em até 36 horas após o diagnóstico.
No caso em questão, foi realizado corticoterapia inicial e paciente foi encaminhada a cirurgia para realização de descompressão neurocirúrgica e reabilitação pós-operatória, evoluindo para remissão completa do quadro em aproximadamente 8 meses.
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