Caso clínico: Febre e vômitos após alta hospitalar
Paciente feminina, 37 anos, hígida, sem nenhuma comorbidade, internada em caráter ambulatorial para a realização de cirurgia de varizes bilateral. Durante visita pré-anestésica paciente encontrava-se relativamente calma, sem queixas, lúcida e orientada no tempo e espaço, em bom estado geral, acianótica, anictérica, afebril, com enchimento capilar satisfatório, eupneica e eucárdica. Sinais vitais dentro da normalidade com PA 112 X 78 mmHg, FC 87 bpm, FR 11 irpm, SPO2 em ar ambiente de 98%. Exames laboratoriais dentro dos limites da normalidade. Risco cirúrgico ASA 1. Jejum relatado de 10 horas para alimentos sólidos e 4 horas para água. Negava asma, bronquite, pressão alta, diabetes, alergia medicamentosa e alimentar ou complicações anestésicas. Relatava ser a sua primeira cirurgia e nunca ter realizado nenhum procedimento anestésico.
Administrado midazolan 7,5 mg SL e solicitado encaminhamento ao centro cirúrgico.
Paciente deu entrada na sala de cirurgia sem queixas, levemente sedada, responsiva aos comandos verbais. Monitorizada e realizado venóclise em MSE com jelco 20G e iniciado hidratação venosa com RL 500 mL e profilaxia para náuseas e vômitos pós-operatórios com Zofran 4 mg e Dexametasona 10 mg e analgesia preemptiva com dipirona 2 g.
Equipe anestésica optou por realizar anestesia raquidiana. Paciente colocada em decúbito lateral esquerdo, sendo realizado assepsia e antissepsia com colocação de campos estéreis na região lombar e punção raquidiana em L2-L3 paramediana, na segunda tentativa, com saída de LCR claro, normotenso, em água de rocha. Administrado 15 mg de marcaína hiperbárica.
Paciente foi liberada para o procedimento, o qual ocorreu sem intercorrências, registrando apenas uma ligeira hipotensão inicial que respondeu rapidamente ao aumento da hidratação venosa.
Ao final, paciente foi encaminhada para a sala de recuperação anestésica e permaneceu por 40 minutos, sendo liberada com Aldrete 08 com queixa de discreta cefaleia. Administrado anti-inflamatório não esteroidal e paciente teve alta para casa na manhã seguinte sem queixas.
A paciente procurou o cirurgião 48 horas após o procedimento com queixas de febre de 39 °C, cefaleia, cansaço e vômitos. Foi solicitada que se dirigisse ao serviço de emergência do hospital aonde chegou com queda do estado geral, com desconforto visual, apresentando náuseas e vômitos, porém afebril. Exames laboratoriais com discreta leucocitose. Os sítios operatórios estavam em bom estado sem sinais flogísticos ou de infecção. Paciente apresentava alterações ao exame neurológico. Solicitada punção liquórica que evidenciou leucocitose, com proteínas elevadas e baixo lactato, porém com cultura negativa.
Imagem de freepikHipótese diagnóstica
Paciente submetido a bloqueio de neuroeixo e apresentando quadro febril com vômitos e alteração do nível da consciência até 48 horas após a realização do procedimento, devemos pensar principalmente em meningite pós-bloqueio espinhal.
A meningite pós-punção espinhal é uma complicação rara, porém grave, que deve ser diagnosticada e tratada rapidamente, pois pode evoluir para óbito. Pode ter origem infecciosa, ocorrendo principalmente pela contaminação inadvertida dos materiais usados durante a punção, desde agulhas e seringas até luvas e campos descartáveis, por isso a necessidade de uma assepsia e antissepsia cirúrgica do local da punção e uso de luvas estéreis e máscara pelo anestesista, além de um grande cuidado com a manipulação do material a ser utilizado.
A meningite infecciosa também pode ser causada por via indireta, em casos de pacientes com alguma infecção sistêmica.
Além da meningite bacteriana, também temos como complicação pós-bloqueio de neuroeixo, a meningite asséptica, causada principalmente por contaminação por detergentes do material a ser introduzido no espaço raquidiano, assim como a introdução de qualquer outra substância que não seja o anestésico.
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A meningite asséptica costuma ser mais benigna que a infecciosa.
Além dos sintomas relatados acima, o paciente pode também ter queda do nível de consciência, sinais de meningismo e convulsões em casos mais graves.
A profilaxia com atenção à assepsia do local a ser puncionado junto com cuidados extras na manipulação do material da punção é o fator mais importante de controle dessa complicação, além da realização de antibioticoterapia profilática antes do bloqueio, em pacientes com estado infeccioso generalizado.
O tratamento para a forma bacteriana é o uso de antibióticos específicos administrados o mais precocemente possível. Já para a forma asséptica o tratamento é inespecífico, apenas com medidas de suporte.
No caso em questão, a análise do LCR demonstrou que a meningite apresentada pela paciente era de origem asséptica, uma vez que apresentava cultura negativa e lactato em níveis baixos.
Paciente evoluiu bem e teve alta para casa após 10 dias de internação sem sequelas.
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