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Anestesiologia23 dezembro 2025

Classificação de Mallampati: guia prático de avaliação da via aérea 

Aprenda o que é e como aplicar e interpretar a classificação de Mallampati, usada para avaliar a via aérea antes de procedimentos anestésicos
Por Gabriela Queiroz

A avaliação pré-anestésica da via aérea é um componente crítico do planejamento anestésico e da segurança perioperatória, pois orienta a antecipação de ventilação difícil, laringoscopia difícil e intubação orotraqueal potencialmente complexa.  

A identificação de achados anatômicos e funcionais que sugiram limitação de exposição glótica permite otimizar o preparo (posicionamento, pré-oxigenação, estratégia de indução), selecionar dispositivos adequados (videolaringoscópio, guia/bougie, dispositivos supraglóticos) e estruturar planos alternativos, reduzindo hipoxemia, trauma de via aérea e tentativas repetidas de laringoscopia.  

Nesse cenário, a classificação de Mallampati permanece como ferramenta clínica de triagem, rápida e não invasiva, útil para estimar a relação espaço-língua/orofaringe e a possibilidade de visualização das estruturas orofaríngeas.  

Por que é essencial uma boa avaliação pré-anestésica?

A avaliação sistematizada da via aérea é etapa mandatória na anestesiologia e em cenários de urgência/emergência que demandem acesso invasivo à via aérea (intubação orotraqueal). A estratificação prévia de uma via aérea potencialmente difícil permite planejamento antecipado (posicionamento, pré-oxigenação, escolha de dispositivos e de técnica de indução), mobilização de recursos e definição de planos de resgate, com o objetivo de mitigar complicações relacionadas à falha de ventilação e/ou intubação. Nesse contexto, a classificação de Mallampati constitui um teste clínico rápido, reprodutível e não invasivo, que estima a relação espaço-língua/orofaringe ao inferir a visibilidade de estruturas orofaríngeas, contribuindo para a previsão de laringoscopia e intubação orotraqueal difíceis quando integrada a outros preditores. 

Os “riscos” referem-se principalmente a eventos adversos decorrentes de tentativas repetidas de laringoscopia, atraso no estabelecimento de ventilação efetiva e situações de falha de oxigenação. Exemplos clínicos incluem: hipoxemia e dessaturação rápida (podendo evoluir para bradicardia e parada cardiorrespiratória), aspiração de conteúdo gástrico durante manipulação prolongada da via aérea, trauma de via aérea (lesões dentárias, lacerações de mucosa, sangramento, edema/hematoma de orofaringe, lesão de pregas vocais), laringoespasmo/broncoespasmo, e complicações hemodinâmicas associadas ao estímulo de laringoscopia (p.ex., hipertensão e taquicardia, com risco aumentado de isquemia miocárdica em pacientes susceptíveis). Em cenários extremos, o desfecho a evitar é a progressão para “não ventila e não intuba”, que demanda estratégia de resgate imediata (dispositivo supraglótico e/ou via aérea cirúrgica).  

Origem da Classificação de Mallampati 

A escala foi originalmente descrita por Mallampati et al. na década de 1980, com o objetivo de prever a dificuldade da intubação endotraqueal por meio da simples avaliação visual da orofaringe. Com o tempo, tornou-se um dos métodos mais utilizados no exame pré-anestésico e foi aprimorada por diferentes autores, incluindo atualizações que reforçam sua importância no manejo da via aérea difícil (Guterres, 2024).  

Quando aplicar a Escala de Mallampati? 

A escala de Mallampati deve ser aplicada em diferentes contextos clínicos, especialmente: 

  • Durante a avaliação pré-anestésica 
  • Em pacientes com risco aumentado de via aérea difícil 
  • Em procedimentos eletivos e emergenciais que podem requerer intubação 
  • Antes da realização de uma sedação profunda 
  • Na triagem de via aérea difícil em pacientes em pronto socorro, enfermaria ou UTI

Como aplicar?

O método é simples e rápido. Para realizar o teste, siga este passo a passo: 

  1. Posicione o paciente sentado, de frente para o examinador. 
  2. Peça para o paciente abrir a boca ao máximo. 
  3. Solicite que ele projete a língua para fora, sem vocalizar. 
  4. Avalie visualmente a visibilidade das estruturas da orofaringe: palato mole, úvula, pilares amigdalianos e base da língua. 
  5. Classifique de acordo com os graus de Mallampati (I a IV). 

É importante reforçar que este método prediz dificuldade de intubação, mas não prevê dificuldade de ventilação sob máscara.  

Classificação de Mallampati: guia prático de avaliação da via aérea 

Como funciona a Classificação de Mallampati? 

A classificação de Mallampati é baseada na visibilidade das estruturas da orofaringe. Quanto menos estruturas forem visíveis, maior a probabilidade de uma intubação difícil. 

A seguir, estão descritos os graus tradicionais da escala: 

Classe 0 

Conceptualmente inclui casos em que as cordas vocais são visíveis sem laringoscopia (descrita em revisões posteriores). Rara na prática. 

Inclui, de forma conceitual, situações em que as cordas vocais são visíveis sem a necessidade de laringoscopia. Trata-se de uma descrição relatada em revisões posteriores e considerada rara na prática clínica. 

Classe I 

Palato mole, fauce, úvula completa e pilares amigdalianos totalmente visíveis.

Interpretação: via aérea fácil; baixa probabilidade de dificuldade. 

Esse achado sugere bom espaço orofaríngeo e menor interferência da língua na linha de visão durante a laringoscopia direta. Interpretação: alta probabilidade de laringoscopia/intubação sem dificuldade (especialmente quando outros preditores são favoráveis). 

Classe II 

Palato mole, parte da úvula e pilares amigdalianos visíveis.  

Interpretação: intubação relativamente fácil. 

Indica discreta redução do espaço orofaríngeo, com provável necessidade de pequenos ajustes técnicos (p.ex., posicionamento, manipulação externa da laringe), mas geralmente sem grande complexidade.   

Classe III 

Apenas palato mole e base da úvula visíveis.

Interpretação: possibilidade de intubação difícil; requer atenção redobrada. 

Sugere proporção língua/orofaringe desfavorável, maior chance de visão laríngea limitada na laringoscopia direta e maior probabilidade de múltiplas tentativas se não houver estratégia.  

Classe IV 

Apenas o palato duro é visível.

Interpretação: previsão de intubação difícil; preparação para métodos alternativos.  

Esse padrão corresponde a orofaringe obstruída pela língua, associando-se a maior taxa de laringoscopia difícil e necessidade de abordagem alternativa.  

Importância da Classificação de Mallampati na prática médica 

A escala de Mallampati é uma ferramenta essencial na avaliação prévia da via aérea por ser um método rápido, não invasivo e aplicável em praticamente qualquer ambiente clínico. Ela auxilia na estimativa da probabilidade de intubação orotraqueal difícil, favorecendo o planejamento anestésico e a definição de estratégias mais seguras para manutenção de ventilação e oxigenação.  

Além disso, contribui para aumentar a segurança em procedimentos sob sedação e em cenários de emergência, nos quais o tempo para tomada de decisão é limitado, e pode orientar a necessidade de equipamentos e técnicas alternativas, como videolaringoscópio, guias e bougies.  

Conforme enfatizado por Stutz & Rondeau (2023), apesar de sua utilidade, a classificação deve ser interpretada em conjunto com outros métodos de avaliação da via aérea, a fim de aumentar a acurácia preditiva e reduzir o risco de eventos adversos.  

Limitações e cuidados durante o Teste de Mallampati 

Apesar de amplamente utilizada, a classificação de Mallampati apresenta limitações relevantes. Sua aplicação depende de colaboração adequada do paciente, incluindo manutenção da postura correta, abertura máxima da boca e protrusão da língua sem fonação, o que inviabiliza ou reduz a confiabilidade do exame em pacientes inconscientes, não colaborativos e, frequentemente, em pediatria.  

Além disso, o resultado pode ser influenciado por condições que alteram a anatomia orofaríngea, como obesidade, macroglossia, edema de orofaringe, anomalias craniofaciais e redução da abertura oral.  

Trata-se também de um método essencialmente estático, que não contempla a dinâmica da laringoscopia e da manipulação da via aérea, e está sujeito à variabilidade interobservador. Por esses motivos, deve ser interpretado como um componente de uma avaliação integrada da via aérea, e não utilizado de forma isolada para decisão clínica.  

Outros métodos de identificação da via aérea difícil 

A avaliação da via aérea deve ser multidimensional. Outros métodos complementares incluem: 

  • Teste de abertura oral 
  • Avaliação da mobilidade cervical 
  • Avaliação da anatomia de face e pescoço 
  • Avaliação da mobilidade mandibular 
  • Distância tireomentoniana 
  • Distância esterno-mentoniana 
  • Circunferência do pescoço 
  • Classificação de Cormack-Lehane (durante laringoscopia) 
  • Escore LEMON 
  • Avaliação de dentição, tamanho da língua e micrognatia 

A combinação desses fatores aumenta significativamente a precisão da previsão de dificuldade.  

Conclusão 

A classificação de Mallampati permanece como uma das ferramentas mais utilizadas na avaliação pré-anestésica por sua simplicidade, rapidez e capacidade de estimar a visibilidade da via aérea. Quando integrada a outros métodos clínicos, torna-se uma aliada fundamental para reduzir complicações e promover segurança em procedimentos anestésicos e emergenciais.

Autoria

Foto de Gabriela Queiroz

Gabriela Queiroz

Pós-Graduação em Anestesiologia pelo Ministério da Educação (MEC) ⦁ Pós-Graduação em Anestesiologia pelo Centro de Especialização e Treinamento da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (CET/SBA) ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ) ⦁ Membro da Sociedade Brasileira de Anestesiologia (SBA) ⦁ Membro da American Academy of Pain Medicine ⦁ Ênfase em cirurgias de trauma e emergência, obstetrícia, plástica estética reconstrutiva e reparadora e procedimentos endoscópicos ⦁ Experiência em trauma e cirurgias de emergência de grande porte, como ortopedia, vascular e neurocirurgia ⦁ Experiência em treinamento acadêmico e liderança de grupos em ambiente cirúrgico hospitalar ⦁ Orientadora acadêmica junto à classe de residentes em Anestesiologia ⦁ Orientadora e auxiliar em palestras regionais e internacionais na área de Anestesiologia.

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Referências bibliográficas

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