O delirium pós-operatório (DPO) é uma complicação neurocognitiva aguda comum em pacientes idosos submetidos a cirurgias longas, de grande porte e com potencial de sangramento. Caracterizado por alterações no estado mental, atenção e consciência, o DPO está associado a desfechos adversos significativos, incluindo aumento da morbimortalidade, prolongamento da hospitalização, declínio funcional e maior necessidade de cuidados institucionais. Estudos indicam que a incidência de DPO em idosos após cirurgia varia entre 20% e 50%, dependendo de fatores como idade, comorbidades e tipo de anestesia utilizada.
A escolha do método anestésico, seja anestesia geral (AG) ou anestesia raquidiana (AR), pode influenciar na ocorrência de DPO. A AG pode estar associada a um maior risco de DPO devido a seus efeitos sistêmicos e maior potencial de comprometimento da função cognitiva. Por outro lado, a AR, por limitar os efeitos anestésicos ao sistema nervoso periférico, pode oferecer vantagens na preservação da função cognitiva pós-operatória.
Além do tipo de anestesia, diversos fatores de risco têm sido associados ao desenvolvimento de DPO, incluindo idade avançada, presença de comorbidades como diabetes mellitus e doenças cardiovasculares, tempo prolongado de cirurgia e níveis reduzidos de albumina sérica. A identificação e compreensão desses fatores são essenciais para o desenvolvimento de estratégias preventivas e de manejo eficazes.
Diante da relevância clínica do DPO e das lacunas existentes na literatura, esse estudo teve como principal objetivo comparar os efeitos da AG e da AR na incidência de DPO em pacientes idosos submetidos à cirurgia de fratura de quadril. Adicionalmente, buscou-se identificar os principais fatores de risco associados ao desenvolvimento dessa complicação.
Métodos
Foi realizado um estudo retrospectivo com 186 pacientes idosos submetidos a cirurgia de quadril no Affiliated Hospital of Gansu University of Chinese Medicine entre janeiro de 20121 e janeiro de 2023. Como critérios de inclusão foram escolhidos pacientes ASA 2 e 3, com idade acima de 65 anos. Foram excluídos pacientes com história pregressa de delirium e déficit cognitivo, alergia medicamentosa, outras fraturas, distúrbios de coagulação e infecções agudas.
Os pacientes submetidos a anestesia geral realizaram 8 horas de jejum e foi administrado 5 a 10 mg de diazepan oral como pré-anestésico. A indução foi realizada com cisatracúrio na dose de 0,1 mg/Kg, midazolan na dose de 0,1 mg/Kg, etomidato e sufentanil. Após a intubação foi administrado remifentanil na dose de 0,1-1 mcg/Kg/min em bomba de infusão e propofol a 0,1 mg/Kg/min também em bomba de infusão para manutenção da anestesia.
No grupo submetido à raquianestesia, ela foi realizada com cateter raquidiano a nível L2-L3 e L3-L4 com 2 mL de levobupivacaína até atingir o nível sensitivo T10.
Como análise primária podemos citar o controle da dor no pós-operatório, alterações de função cognitiva e incidência de DPO. Na análise secundária foram analisados os parâmetros cirúrgicos como tempo de cirurgia, perda sanguínea intraoperatória e tempo de permanência no hospital, assim como complicações pós-operatórias como alterações hemodinâmicas e desenvolvimento de infecções.
Resultados
A incidência de DPO foi significativamente maior no grupo no qual foi realizado anestesia geral do que no grupo que recebeu anestesia raquidiana (27,4% vs. 9,9%, P=0,002).
A análise da dor no pós-operatório realizada pelas pontuações da escala analógica visual em 24 horas e pela necessidade de uso de medicamentos analgésicos foram significativamente maiores no grupo submetidos a anestesia geral (ambos P<0,001) do que nos pacientes do grupo de raquianestesia, uma vez que bloqueios espinhais promovem uma analgesia mais prolongada.
As pontuações da função cognitiva no pós-operatório, utilizando as escalas Mini-Mental State Examination (MMSE) e a Montreal Cognitive Assessment (MoCA) foram significativamente menores no grupo submetidos a anestesia geral (P<0,005).
A análise multivariada dos fatores cirúrgicos, identificou maior tempo de operação (P<0,001, OR: 1,084, IC 95%:1,047-1,123) e maior perda de sangue intraoperatória (P=0,042, OR: 1,018, IC 95%:1,001-1,035) como fatores de risco independentes para o desenvolvimento de delirium pós-operatório. Sendo que a perda sanguínea foi maior no grupo submetido a anestesia geral, muito provavelmente devido a vasodilatação causada pelos agentes anestésicos, enquanto os agentes anestésicos utilizados na anestesia espinhal promovem bloqueio simpático, reduzindo o fluxo sanguíneo na área operada.
Por outro lado, a hemoglobina pré-operatória mais elevada (P=0,002, OR: 0,949, IC 95%: 0,919-0,981) e a realização de anestesia espinhal (P=0,021, OR: 0,174, IC 95%: 0,039-0,767) demonstraram ser fatores de proteção individuais.
Conclusão
Este estudo fornece uma análise comparativa detalhada da realização de anestesia geral e anestesia raquidiana em pacientes idosos submetidos à cirurgia de fratura de quadril, oferecendo novos insights sobre o delírio pós-operatório e os fatores de risco associados.
A incidência de DPO foi de 26% no grupo submetidos a AG e 9% no grupo AR, demonstrando uma diferença estatisticamente significativa. Esses resultados sugerem que a AR pode reduzir significativamente o risco de DPO em pacientes idosos submetidos a cirurgia de fratura de quadril. Uma possível explicação é que a AR mantém a consciência do paciente e reduz a depressão do sistema nervoso central, reduzindo assim o risco de comprometimento cognitivo. Além disso, a AR tem sido associada à redução da perda de sangue intraoperatório e a uma menor resposta ao estresse, ambas as quais podem contribuir para uma diminuição do risco de delírio.
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Um nível mais baixo de hemoglobina pré-operatório pode indicar mau estado nutricional ou doença crônica, o que aumenta o risco de complicações pós-operatórias. Além disso, uma duração mais longa da cirurgia e maior perda de sangue podem levar a uma recuperação pós-operatória prolongada, aumentando o risco de DPO.
Portanto, otimizar a avaliação pré-operatória e o gerenciamento perioperatório pode ajudar a reduzir a incidência de DPO.
O método de anestesia também foi identificado como um fator de risco independente para DPO, refletindo o impacto significativo das técnicas de anestesia na função neurocognitiva em pacientes idosos. A AG pode aumentar o risco de disfunção cognitiva ao deprimir a atividade do sistema nervoso central, enquanto a AR preserva a consciência e minimiza o comprometimento neurológico.
Em conclusão, a AR demonstra efeitos anestésicos favoráveis em pacientes idosos submetidos à cirurgia de fratura de quadril, oferecendo um melhor controle da dor comparável à AG enquanto reduz a incidência de DPO.
Uma avaliação pré-operatória abrangente, incluindo função cognitiva, idade e fatores de risco perioperatórios, é essencial para otimizar as estratégias de anestesia. Adaptar as opções de anestesia a pacientes individuais pode efetivamente reduzir o risco de DPO e melhorar a recuperação pós-operatória.
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