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Cardiologia21 novembro 2025

Betabloqueadores após IAM com fração de ejeção normal 

Meta-análise avaliou o efeito dos betabloqueadores na morbidade e mortalidade em pacientes com infarto recente e FEVE ≥ 50%
Por Juliana Avelar

A terapia com betabloqueadores consolidou-se como padrão após o infarto do miocárdio (IAM) com base em evidências da década de 1980. Desde então, avanços diagnósticos, estratégias de reperfusão coronariana, técnicas de revascularização e terapias farmacológicas melhoraram significativamente o prognóstico, levantando dúvidas sobre a necessidade contínua de beta-bloqueadores em pacientes sem insuficiência cardíaca ou FEVE < 40%. 

As diretrizes atuais divergem sobre o assunto: 

  • Sociedade Europeia de Cardiologia (ESC) atribui recomendação classe IIa para pacientes sem FEVE reduzida; 
  • As diretrizes da American Heart Association/American College of Cardiology (AHA/ACC) mantêm classe I para todos os pacientes com infarto, independentemente da FEVE. 

Cinco ensaios abertos e randomizados avaliaram o efeito de betabloqueadores em infarto recente com FEVE levemente reduzida ou preservada, mostrando resultados conflitantes.  

Nesse contexto, foi apresentado no congresso da AHA e publicado no NEJM uma metanálise que buscou avaliar o efeito dos betabloqueadores na morbidade e mortalidade em pacientes com infarto recente e FEVE ≥ 50%. Esta metanálise reuniu dados individuais de 5 estudos, todos ensaios abertos, randomizados, de superioridade. Pacientes elegíveis tinham infarto do miocárdio dentro de 14 dias antes da randomização, FEVE ≥ 40%, e foram designados para receber betabloqueador oral ou nenhum betabloqueador. O tipo e a dose do fármaco foram definidos pelo médico assistente em todos os estudos, exceto no CAPITAL-RCT, no qual todos os pacientes receberam carvedilol. 

Os critérios principais de exclusão foram qualquer indicação formal para betabloqueadores ou qualquer contraindicação ao uso. 

O desfecho primário pré-definido foi composto por morte por qualquer causa, infarto do miocárdio ou insuficiência cardíaca. Cada componente individual foi também analisado como desfecho secundário. Todos os desfechos foram analisados segundo o princípio de intenção de tratar. 

Resultados 

Foram incluídos 17.801 pacientes. Desses, 8.831 (49,6%) foram randomizados para receber betabloqueadores e 8.970 (50,4%) para não receber.
As características basais foram bem equilibradas e semelhantes à população geral com infarto e FEVE preservada. A idade mediana foi de 62 anos, 20,7% eram mulheres. No total, 45,7% apresentaram infarto com supradesnivelamento do segmento ST (IAMCST) e 94,4% foram submetidos à intervenção coronária percutânea (ICP). 

Os betabloqueadores mais utilizados foram bisoprolol (47,3%) e metoprolol (45,7%)carvedilol foi empregado em 5 % dos casos. A hipertensão arterial estava presente em ≈ 48% dos participantes e o diabetes em ≈ 17%. 

Durante um seguimento mediano de 3,6 anos, o desfecho primário composto (morte por qualquer causa, infarto do miocárdio ou insuficiência cardíaca) ocorreu em: 

  • 717 (8,1%) dos 8.831 pacientes no grupo betabloqueador 
  • 748 (8,3%) dos 8.970 no grupo controle 

Desfechos individuais 

  • Morte por qualquer causa: 335 (3,8%) vs 326 (3,6%) → HR 1,04 (IC 0,89 – 1,21)
  • Infarto do miocárdio: 360 (4,1%) vs 407 (4,5%) → HR 0,89 (IC 0,77 – 1,03) 
  • Insuficiência cardíaca: 75 (0,8%) vs 87 (1,0%) → HR 0,87 (IC 0,64 – 1,19) 

Nenhum sinal clínico de aumento relevante de eventos adversos graves foi identificado com uso de betabloqueador. 

Os resultados foram uniformes entre os subgrupos de sexo, idade, IAM com ou sem supraST, HAS, DM, FA ou uso prévio de betabloqueador. As análises estratificadas por dose e por tipo de betabloqueador não mostraram diferença significativa de efeito. 

Portanto, nessa metanálise de dados individuais de cinco ensaios clínicos contemporâneos, o tratamento com betabloqueadores não se associou a uma menor incidência do desfecho composto de morte por qualquer causa, infarto do miocárdio ou insuficiência cardíaca, quando comparado à ausência de betabloqueadores, em pacientes com infarto recente e fração de ejeção preservada. 

Os resultados foram consistentes em todos os componentes individuais do desfecho primário, em outros desfechos secundários e de segurança, e entre os subgrupos pré-especificados. 

Uma metanálise recente de pacientes com FEVE levemente reduzida (40–49%) mostrou redução relativa de 25 % no composto de morte, infarto ou insuficiência cardíaca (HR 0,75; IC 0,58–0,97).
Em contraste, nesta análise, entre pacientes com FEVE ≥ 50%, não se observou efeito (HR 0,97; IC 0,87–1,07). 

Vale destacar que uma proporção substancial de pacientes foi excluída dos ensaios. Nos estudos BETAMI e DANBLOCK, cerca de metade dos triados foi considerada inelegível, apesar da FEVE > 40%, principalmente por indicações já estabelecidas de betabloqueador, como fibrilação atrial, hipertensão não controlada ou insuficiência cardíaca. Ou seja, a ausência de benefício global observada não se aplica a todos os pacientes com infarto e FEVE preservada, mas sim àqueles sem outra indicação clínica para a droga. 

Limitações 

  1. Todos os ensaios incluídos foram abertos, com crossover entre 11 % e 18 % dos pacientes em 6 – 12 meses, o que pode ter diluído diferenças entre os grupos. 
  2. As definições de desfecho variaram entre os estudos (por exemplo, insuficiência cardíaca), mas foram parcialmente harmonizadas. 
  3. A população era predominantemente europeia e japonesa, e apenas uma minoria era do sexo feminino. 

Conclusão: betabloqueadores após IAM com fração de ejeção normal  

Nesta metanálise, consolidando a totalidade das evidências de cinco ensaios contemporâneos, a terapia com betabloqueadores não reduziu a incidência de morte, infarto do miocárdio ou insuficiência cardíaca em pacientes com FEVE ≥ 50% após infarto recente e sem outras indicações clínicas para uso da medicação. 

A ausência de benefício em FEVE ≥ 50% reflete uma mudança de paradigma: o benefício clássico dos beta-bloqueadores depende da disfunção ventricular e da modulação neuro-hormonal, o que é menos relevante no contexto atual de reperfusão precoce e terapia clínica otimizada. Sendo assim, não vale mais prescrever “de rotina” betabloqueador para todo paciente pós IAM. 

Autoria

Foto de Juliana Avelar

Juliana Avelar

Médica formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Cardiologista pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

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