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Cardiologia23 setembro 2025

SBC 2025: Saúde cardiometabólica da mulher ao longo do ciclo de vida

A diretriz foi publicada no congresso da Sociedade Brasileira de Cardiologia.
Por Juliana Avelar

Na última semana, a Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC 2025) publicou o Posicionamento sobre a Saúde Cardiometabólica ao Longo do Ciclo de Vida da Mulher – 2025. O documento traz uma revisão abrangente e atualizada sobre os fatores de risco, estratégias de prevenção e manejo das doenças cardiometabólicas em mulheres, considerando todas as fases da vida: infância, idade reprodutiva, gestação, puerpério, menopausa e pós-menopausa. 

Síndrome cardiovascular-renal-metabólica: Como manejar?

Os principais pontos

A saúde cardiometabólica é definida por níveis adequados de glicose, lipídios e pressão arterial, associados a um baixo risco cardiovascular. Mulheres apresentam particularidades: hormônios sexuais e mecanismos moleculares específicos influenciam metabolismo e risco, e os escores tradicionais subestimam eventos como infarto, AVC e insuficiência cardíaca. Fatores reprodutivos, como menarca precoce, síndrome dos ovários policísticos, complicações gestacionais e menopausa, podem antecipar disfunção metabólica e doenças cardiovasculares. Estudos mostram que hipertensão e diabetes surgem mais cedo nas mulheres.

A gestação é um momento fisiológico que impõe grande sobrecarga metabólica e cardiovascular. O aumento da resistência à insulina em até 50% pode ser agravado pela obesidade prévia, predispondo ao diabetes gestacional, intolerância à glicose e dislipidemias. Mesmo alterações leves no metabolismo já se associam a desfechos adversos, como hipertensão gestacional, macrossomia fetal, parto prematuro e morbimortalidade perinatal. A hiperlipidemia gestacional relaciona-se à pré-eclâmpsia e ao parto prematuro, além de favorecer aterosclerose precoce na descendência.

As complicações obstétricas, especialmente a pré-eclâmpsia e eclâmpsia, aceleram inflamação e aterosclerose coronariana, promovendo rigidez vascular, disfunção endotelial e isquemia microvascular. Esses eventos são reconhecidos como marcadores de risco cardiovascular futuro. Mulheres com histórico de diabetes gestacional têm maior probabilidade de evoluir para diabetes tipo 2, enquanto a retenção de peso no pós-parto contribui para resistência insulínica, dislipidemia e síndrome metabólica. Recomenda-se o monitoramento dos marcadores de função renal durante a gestação e nos anos subsequentes, já que a gravidez é uma das principais causas de lesão renal aguda em idade fértil, podendo evoluir para doença renal crônica (DRC). A presença de DRC, mesmo em estágios iniciais, aumenta os riscos maternos e fetais, e a progressão é acelerada quando associada a diabetes tipo 2.

Mulheres com síndrome dos ovários policísticos (SOP) apresentam resistência à insulina, dislipidemia e obesidade visceral, que aumentam risco de diabetes e doença cardiovascular. Nessas pacientes, recomenda-se avaliação inicial de perfil lipídico completo e estado glicêmico já no diagnóstico. O tratamento deve incluir mudanças de estilo de vida, uso de metformina ou mioinositol como sensibilizadores de insulina, e contraceptivos orais combinados em casos de ciclos irregulares ou hirsutismo. Medicamentos antiobesidade, como agonistas de GLP-1 (liraglutida, semaglutida) ou orlistate, também podem ser empregados no controle de peso.

A endometriose é outro fator associado a inflamação crônica, estresse oxidativo e maior risco de hipertensão, dislipidemia, doença coronariana, insuficiência cardíaca e AVC. O tratamento hormonal e a hiperestimulação ovariana para fertilização in vitro aumentam o risco de tromboembolismo, reforçando a necessidade de acompanhamento cardiometabólico.

Na menopausa, a queda estrogênica desencadeia aumento da adiposidade central, resistência insulínica, dislipidemia (com elevação de colesterol total, LDL-c, triglicerídeos e lipoproteína(a)) e perda parcial da ação protetora do HDL-c. Esses mecanismos, aliados à ativação simpática, maior sensibilidade ao sódio, disfunção endotelial e inflamação

crônica, favorecem rigidez arterial, fibrose miocárdica e inflamação da microcirculação, explicando a elevada prevalência de insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada em mulheres na pós-menopausa. A menopausa precoce e a insuficiência ovariana prematura aumentam o risco de eventos cardiovasculares antes dos 60 anos, e sintomas vasomotores moderados a graves associam-se a maior risco de síndrome metabólica, resistência à insulina e piora do perfil lipídico.

A terapia de reposição hormonal (TRH) deve ser indicada apenas para alívio de sintomas da menopausa, com escolha individualizada segundo idade, comorbidades, presença ou não de útero e preferência da paciente. Evidências sugerem maior benefício e menor risco quando iniciada na “janela de oportunidade” (até 10 anos após a menopausa). Não deve ser indicada para prevenção primária ou secundária de doença cardiovascular. Em mulheres saudáveis sem fatores de risco cardiovascular, a THM pode ser prescrita por qualquer via, incluindo a oral, para melhora dos sintomas vasomotores e genitourinários. Contudo, diferentemente da via oral, a transdérmica evita o metabolismo hepático da primeira passagem, resultando em menor impacto nos fatores de coagulação, triglicerídeos e PCR, o que pode reduzir o risco de TEV e eventos cardiovasculares, sendo preferível em mulheres com fatores de risco como obesidade, tabagismo, hipertensão e risco de TEV.

A THM com hormônios “bioidênticos manipulados” não é recomendada devido a preocupações com a qualidade, regulação, segurança, eficácia e falta de padronização dos produtos utilizados. A testosterona na pós-menopausa tem como única indicação o tratamento do transtorno do desejo sexual hipoativo, excluindo-se outras causas. Embora dados sobre os efeitos da terapia androgênica na saúde cardiovascular de mulheres na pós-menopausa com desejo sexual hipoativo ainda sejam limitados, evidências indicam que, em doses fisiológicas, a testosterona via transdérmica não aumenta significativamente o RCV.

No manejo de fatores de risco, recomenda-se:

  • Dislipidemia: uso de estatinas de alta potência, isoladas ou combinadas com ezetimiba, para atingir redução ≥ 50% do LDL-c. Em prevenção secundária, alvo de LDL-c < 50 mg/dL e não-HDL < 80 mg/dL em mulheres de muito alto risco; LDL-c < 70 mg/dL e não-HDL < 100 mg/dL em alto risco.
  • Hipertensão: controle do peso (IMC 20–25 kg/m²; circunferência abdominal < 80 cm), atividade física regular e início de tratamento farmacológico em gestantes com PA ≥ 140/90 mmHg. Exercícios leves a moderados são seguros e reduzem risco de hipertensão gestacional e pré-eclâmpsia.
  • Diabetes: intervenção no estilo de vida associada a agonistas de GLP-1 e inibidores de SGLT2 em mulheres com DM2, com benefícios na perda de peso e parâmetros metabólicos. A metformina não deve ser utilizada como primeira linha no manejo do diabetes na gestação; quando empregada para induzir ovulação em SOP, deve ser descontinuada até o fim do 1º trimestre.
  • Obesidade: além das mudanças de estilo de vida, indicam-se agonistas de GLP-1 e SGLT2i; em casos de IMC ≥ 35 kg/m² com diabetes, DHEM ou alto risco cardiovascular, ou IMC ≥ 40 kg/m² independentemente de comorbidades, recomenda-se cirurgia bariátrica, que melhora perfil glicêmico, lipídico e marcadores inflamatórios.
  • Doença hepática esteatótica metabólica (DHEM): perda de peso ≥ 5% do peso corporal é a medida mais eficaz; incretinas como semaglutida e tirzepatida podem ser indicadas em DM2 ou obesidade; bariátrica é opção em obesidade grave.
  • Dieta: indicam-se dietas Mediterrânea, DASH, de restrição calórica intermitente ou hiperproteicas, visando redução média de 5–10% do peso corporal.
  • Atividade física: prática regular de exercícios aeróbicos (meta inicial de 150 minutos/semana, ideal 300 minutos/semana para perda de peso ≥ 5%) e treinamento de força 2–3 vezes por semana, reduzindo gordura visceral e melhorando desfechos cardiometabólicos.
  • Álcool e tabaco: o consumo de álcool, mesmo moderado, aumenta risco de DM gestacional, anemia, hipertensão e perfil lipídico desfavorável; recomenda-se consumo < 140 g/semana fora da gestação. O tabaco duplica risco de baixo peso ao nascer, aumenta infertilidade, favorece menopausa precoce e acelera risco cardiovascular.

Para relembrar: Contraindicações aos contraceptivos orais combinados

  • > 35 anos e história de tabagismo
  • Histórico de doença cardiovascular
  • Tromboembolismo venoso
  • HAS
  • DM com complicação vascular
  • Enxaqueca com aura
  • Hepatopatia grave
  • Câncer de mama
  • LES

Conclusão

A gestação e a menopausa são fases críticas de vulnerabilidade metabólica e cardiovascular. Complicações obstétricas como pré-eclâmpsia e diabetes gestacional são marcadores precoces de risco, enquanto o hipoestrogenismo da menopausa potencializa inflamação, disfunção endotelial, obesidade central e dislipidemia, culminando em maior risco de insuficiência cardíaca, aterosclerose, DRC e DHEM. O reconhecimento dessas condições como pontos de inflexão no continuum cardiometabólico feminino orienta a implementação de estratégias precoces de rastreio, prevenção e tratamento. Essas estratégias incluem mudanças intensivas de estilo de vida, farmacoterapia dirigida (estatinas, GLP-1, SGLT2i), intervenção cirúrgica quando indicada, monitoramento renal em mulheres com complicações gestacionais, e individualização da TRH na menopausa.

Autoria

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Juliana Avelar

Médica formada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Cardiologista pelo Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia

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