Estudos controlados e randomizados e suas metanálises já mostraram que a cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) é preferida em relação a intervenção coronária percutânea (ICP) para pacientes com doença coronária multiarterial.
Na maioria, esses estudos avaliaram pacientes com quadros estáveis, excluindo os com síndrome coronariana aguda (SCA). Diversos registros que compararam os dois métodos de revascularização no contexto de SCA sem supra de ST mostraram resultados inconsistentes e há poucos estudos randomizados nesta população.
Ainda, nos últimos anos houve grande avanço em relação ao tratamento medicamentoso, stents e avaliação hemodinâmica das lesões alvo. O estudo FAME 3 foi o primeiro estudo randomizado e controlado que comparou CRM e ICP guiada por FFR (reserva fracionada de fluxo) utilizando stents mais atuais em pacientes com doença multiarterial, sem envolvimento do tronco da coronária esquerda (TCE).
Recentemente foi publicada uma análise pré-especificada desse estudo com objetivo de avaliar os diferentes tratamentos em pacientes com infarto agudo do miocárdio (IAM) sem supra de ST.
Métodos do estudo e população envolvida
Foi estudo internacional, multicêntrico, de não inferioridade, randomizado e controlado conduzido em 48 centros. Os pacientes deveriam ter doença multiarterial em 3 vasos, ou seja, estenose de pelo menos 50% nas 3 artérias epicárdicas ou seus ramos maiores, passíveis de tratamento por CRM ou ICP e sem envolvimento do TCE. Pacientes com IAM com supra de ST, choque cardiogênico ou fração de ejeção do ventrículo esquerdo < 30% eram excluídos.
No grupo randomizado para ICP, o corte do FFR para isquemia era ≤ 0,80. A ICP era realizada via radial ou femoral, de acordo com cada centro. No caso de CRM, era recomendado tratamento para vasos com pelo menos 1,5mm que tinham estenose ≥ 50% e o objetivo era a revascularização completa. Além disso, todos recebiam tratamento medicamentoso otimizado.
O desfecho primário era a ocorrência de eventos adversos cardiovasculares ou cerebrovasculares maiores em 1 ano: morte, IAM, acidente vascular cerebral (AVC) ou necessidade de nova revascularização. O desfecho secundário era a ocorrência de morte, IAM ou AVC em 3 anos.
Resultados
Foram randomizados 1.500 pacientes, sendo 743 para o grupo CRM e 757 para o grupo ICP. Na análise final foram incluídos 1497 pacientes, sendo que 39,2% tinham IAM sem supra de ST. Pacientes com IAM sem supra de ST eram mais jovens, tinham maior prevalência de tabagismo e tinham menos comorbidades como hipertensão, dislipidemia e diabetes e menos frequentemente história de ICP comparado aos pacientes com síndromes isquêmicas crônicas.
Pacientes com IAM sem supra de ST foram randomizados mais rapidamente e ficaram mais tempo internado. No grupo ICP, pacientes com IAM sem supra de ST tinham SYNTAX escore mais baixo comparado aos com síndromes isquêmicas crônicas. A proporção de lesões com FFR > 0,80 foi semelhante entre os grupos, assim como o número total de stents utilizados e seu comprimento.
No grupo da cirurgia de revascularização miocárdica (CRM), pacientes com IAM sem supra de ST e com síndromes isquêmicas crônicas tiveram SYNTAX escore semelhantes, assim como número de enxertos arteriais, porém o grupo com IAM teve maior número de anastomoses distais.
O tempo entre a randomização e realização do procedimento foi maior para o grupo CRM e os submetidos a tratamento cirúrgico receberam menos dupla antiagregação após a cirurgia comparado a ICP.
Em relação aos desfechos, pacientes com IAM sem supra de ST tiveram risco semelhante de morte, IAM ou AVC em 3 anos comparado a pacientes com síndromes isquêmicas crônicas. A ocorrência de IAM foi maior nos pacientes com IAM sem supra, principalmente pela ocorrência de IAM periprocedimento, porém morte e AVC foram semelhantes nos dois grupos. Após ajustes, o risco foi numericamente maior, mas sem diferença estatística.
Em pacientes com IAM sem supra de ST não houve diferença na ocorrência de morte, IAM ou AVC em 3 anos ao se comparar CRM e ICP guiada por FFR, porém houve redução de eventos no grupo CRM nos pacientes com síndromes isquêmicas crônicas, principalmente às custas de redução de IAM periprocedimento.
Comentários e conclusão: cirurgia ou angioplastia guiada por FFR para pacientes com SCA
Nesta análise pré-especificada do estudo FAME 3, pacientes com IAM sem supra de ST submetidos a CRM tiveram taxa morte, IAM ou AVC em 3 anos semelhante a dos pacientes com síndromes isquêmicas crônicas. Não houve diferença entre CRM e ICP guiada por FFR nos pacientes com IAM sem supra de ST, porém pacientes com síndromes isquêmicas crônicas submetidas a CRM tiveram redução do risco desses eventos.
A utilização do FFR par decisão de tratamento auxilia na melhora de sintomas e desfechos dos pacientes, principalmente por não revascularizar lesões não significativas, evitando ocorrência de IAM periprocedimento e complicações tardias relacionadas ao stent. A CRM apresenta mais riscos precocemente, porém no longo prazo traz benefícios, principalmente pela revascularização mais completa.
Este estudo mostrou que a realização de intervenção coronária percutânea (ICP) ou cirurgia de revascularização miocárdica (CRM) teve resultados semelhantes nos pacientes com IAM sem supra de ST, porém esses resultados devem ser interpretados com cautela, já que que é uma subanálise de um estudo maior. Esses resultados devem ser entendidos como geradores de hipóteses e estudos maiores com enfoque em pacientes com IAM são necessários para melhor avaliação de desfechos.
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