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Cardiologia13 setembro 2024

Consenso Europeu de obesidade e doença cardiovascular 

Neste artigo, traremos os principais pontos do consenso clínico da European Society of Cardiology sobre obesidade e doença cardiovascular

A obesidade é uma condição complexa e multifatorial, caracterizada por acúmulo de gordura corporal e associada a desfechos adversos de saúde e expectativa de vida reduzida, sendo que 67,5% das mortes relacionadas a índice de massa corporal (IMC) aumentado são atribuíveis a doença cardiovascular (DCV). 

Atualmente é considerada uma crise de saúde global e, junto com os fatores de risco cardiovasculares e a DCV estabelecida, contribui para os desfechos adversos e altos gastos de saúde. Recentemente foram desenvolvidas novas medicações que se tornaram opção terapêutica para perda de peso e que também mostraram benefício cardiovascular. Assim, foi publicado recentemente um novo consenso sobre o assunto. Abaixo, seguem os principais pontos. 

Consenso Europeu de Obesidade e doença cardiovascular 

Imagem de rawpixel/freepik

Definição e classificação de obesidade

Acúmulo excessivo de gordura que pode prejudicar a saúde. Classificada de acordo com o IMC:  

  • IMC 20 a < 25 kg/m²: Peso normal 
  • IMC 25 a < 30 kg/m²: Sobrepeso 
  • IMC ≥ 30 kg/m²: Obesidade 
  • IMC 30 a < 35 kg/m²: Obesidade grau 1 
  • IMC 35 a < 40 kg/m²: Obesidade grau 2 
  • IMC ≥ 40 kg/ m²: Obesidade grau 3 

Epidemiologia 

Bastante variável de acordo com a região, mas estima-se que mais de 1 bilhão de pessoas no mundo tenham obesidade. Esta prevalência mais que dobrou nos adultos desde a década de 1990. Ela aumenta de forma importante entre a terceira e quinta décadas de vida. Porém, é esperado que a obesidade infantil também aumente nos próximos anos. 

Etiologia 

De forma geral, é causada por desbalanço entre consumo e gasto energético, que reflete decisões individuais influenciadas por fatores genéticos e biológicos. Também há influência de questões financeiras e sociais. 

Nem todo paciente obeso é igual e pessoas com mesmo IMC podem ter risco cardiometabólico diferente, já que as complicações variam e podem ser relacionadas a distribuição da gordura corporal. A quantificação dessa gordura nas regiões perivascular, epicárdica e pericárdica podem melhorar a avaliação de risco cardiovascular, mas seu papel na prática permanece incerto. 

Fatores de risco cardiovascular 

Existe forte associação com diabetes mellitus (DM) tipo 2 e cerca de 80-85% dos pacientes com DM também tem sobrepeso ou obesidade. Além disso, indivíduos com obesidade têm quase 3x mais chance de desenvolver diabetes. 

O aumento do IMC tem relação linear com a prevalência de hipertensão e o acúmulo de gordura visceral é o que tem maior associação, por diversos mecanismos envolvidos. Além disso, pequenas perdas de peso já podem ter repercussão na queda da pressão arterial (PA). 

Em relação aos lipídeos, o LDL não parece ter uma relação linear com o peso, mas sim uma correlação em U. Ainda, a obesidade é associada com um fenótipo de lipoproteína aterogênica, ocorrendo aumento de triglicérides em jejum e pós prandial, aumento de VLDL, apoliproteína B, partículas de LDL pequenas e densas, além de valores baixos de HDL e apolipoproteína A1. 

Outro fator associado é a apneia do sono, que aumenta o risco para desenvolvimento de hipertensão, progressão de insuficiência cardíaca (IC), hipertensão pulmonar e fibrilação atrial (FA). A perda de peso também está associada a melhora do índice de apneia-hipopneia. 

Estratégias de tratamento para obesidade 

Tratamento não farmacológico 

Inclui combinação de estratégias comportamentais como dieta, atividade física e/ou intervenções psicológicas associadas ao tratamento farmacológico ou procedimentos cirúrgicos. O objetivo é perda de peso, manutenção de saúde e qualidade de vida. É importante ressaltar que a prevenção do excesso do ganho de peso e a manutenção da perda de peso intencional necessitam de grande esforço por parte dos pacientes. 

As recomendações nutricionais devem ser personalizadas de acordo com as preferências do indivíduo e a dieta deve ser segura, eficaz, nutricionalmente adequada, adaptada à cultura do paciente e dentro de suas condições financeiras. No geral, a ingesta calórica é reduzida em 500-750 kcal/dia. A perda de peso e de gordura por dieta com jejum intermitente parece ser semelhante a perda por restrição de calorias. 

A atividade física associada a intervenções dietéticas compreende terapia de primeira linha de tratamento e objetiva perda de peso sustentada ao mesmo tempo em que se evita perda de massa muscular. Recomenda-se atividade aeróbica e de resistência em intensidade moderada por pelo menos 150-300 minutos por semana ou atividade vigorosa por pelo menos 75-150 minutos por semana, com objetivo de reduzir mortalidade e morbidade, mais exercícios de força 2 a 3x por semana. 

Pacientes com obesidade muitas vezes são estigmatizados e sofrem discriminação. Estabelecer um ambiente que dê suporte aos pacientes pode facilitar o processo, com realização de mudanças no próprio ambiente e treinamento da equipe. 

Tratamento farmacológico 

Se a estratégia não farmacológica não funcionar e o paciente apresentar IMC ≥ 30 kg/m² ou IMC ≥ 27 kg/m² com pelo menos uma comorbidade associada, indica-se tratamento medicamentoso. 

Atualmente, há 6 drogas aprovadas para tratamento na Europa e nos Estados Unidos: orlistat, naltrexone/bupropiona, liraglutida, semaglutida, tirzepatida e setmelanotida. No geral, elas reduzem o apetite, aumentam saciedade e diminuem o esvaziamento gástrico. Essas medicações alcançam no geral perda de 5% do peso. Perda de 5-10% deve ser tentada no intuito de reduzir risco e complicações cardiovasculares.  

O orlistat atua diminuindo a absorção de gordura intestinal e gera perda de peso discreto. Leva a redução significativa do risco de diabetes, porém não há estudos que avaliaram desfechos cardiovasculares com essa medicação. 

O naltrexone é um antagonista do receptor opioide e a bupropiona um inibidor da recaptação de norepinefrina e dopamina. Eles atuam em conjunto estimulando a secreção central de pró-opiomelanocortina, que leva a redução do desejo por comida e aumenta a saciedade. Metade dos pacientes perde pelo menos 5% do peso e ainda há incertezas em relação a segurança cardiovascular no longo prazo. Então, deve ser usada com cautela em pacientes com DCV. 

A liraglutida e a semaglutida são agonistas do receptor do GLP-1 e atuam aumentando o efeito da incretina e a secreção de insulina e reduzindo o esvaziamento gástrico e a motilidade intestinal. Além disso, atuam centralmente diminuindo o apetite.  Inicialmente foram desenvolvidos para tratamento de pacientes com DM tipo 2 e mostraram efeito cardioprotetor, com redução de eventos adversos cardiovasculares maiores (MACE). As duas medicações são aplicadas via subcutânea e um estudo mostrou perda de peso com a semaglutida semelhante a cirurgia bariátrica, com mudança favorável de PA e LDL.  

O estudo SELECT foi o primeiro com intuito de avaliar desfechos cardiovasculares em pacientes com DCV já estabelecida e sobrepeso ou obesidade na ausência de diabetes. A semaglutida reduziu a ocorrência de morte cardiovascular, IAM ou AVC não fatal, com perda de peso de 9,4% na média e também houve redução de PA, hemoglobina glicada, PCR ultra-sensível, LDL e triglicérides. Mais recentemente, a semaglutida via oral também mostrou benefício em pacientes sem DM. 

Já a tirzepatida tem modo de ação duplo baseado em estímulo do polipeptídeo insulinotrópico dependente de glicose (GIP) e do GLP-1, o que leva a aumento da saciedade pela ação central e diminuição do esvaziamento gástrico pela ação periférica, melhorando a saúde do tecido adiposo branco. Essa medicação mostrou maior redução de peso e da hemoglobina glicada comparado a semaglutida na dose de 1 mg em pacientes com DM tipo 2, porém ainda não foi testada na dose de 2,4 mg. Em pacientes sem DM, foi comparada ao placebo e mostrou redução de até 20% do peso corporal em dose mais alta, além de maior reversão de quadros de pré-diabetes. Há um estudo em andamento para avaliar o efeito da tirzepatida nos desfechos cardiovasculares de pacientes com obesidade, sem DM2. 

Por fim, a setmelanotida é um agonista seletivo do receptor de melanocortina-4, utilizado em casos específicos de doenças genéticas que alteram este receptor. Gera redução de apetite e aumenta a saciedade e o gasto energético. 

Deve-se levar em conta que ao suspender a medicação, costuma haver recuperação do peso e ainda é incerto se estas medicações devem ser mantidas ao longo da vida ou usadas de forma intermitente. 

Tratamento cirúrgico 

Existem diferentes procedimentos endoscópicos ou de redução da capacidade gástrica menos invasivas, como os balões intragástricos e a técnica de sleeve”. Atualmente, esses procedimentos são indicados para pacientes com IMC ≥ 30 e < 40 kg/m² ou > 27 kg/m² em pacientes com pelo menos uma comorbidades associada a obesidade. A gastroplastia com sleeve é indicada para os que tem IMC entre 30 e 50 kg/m². 

Os balões intragástricos restringem o espaço para alimentos sólidos, diminuem o esvaziamento gástrico e aumentam a saciedade. São mantidos pelo período de 6-12 meses e retirados por endoscopia. A perda de peso média é de 9% do peso corporal e os efeitos colaterais mais comuns são náuseas, vômitos e dor abdominal.  Já a técnica de sleeve é feita para reduzir o volume do estômago e leva a redução média de peso de 13,6%. 

A cirurgia bariátrica é a intervenção cirúrgica que mais leva a perda de peso. As técnicas mais comuns são gastrectomia laparoscópica em sleeve, na qual 85% do estômago, e o by-pass gástrico em Y de Roux laparoscópico, no qual uma pequena porção do estômago é conectada diretamente ao jejuno. Pode haver malabsorção após o procedimento e recomenda-se suplementação de micronutrientes. 

A cirurgia é considerada para os que têm IMC ≥ 40 kg/m² ou IMC ≥ 35 kg/m² com pelo menos uma doença associada à obesidade. Para a cirurgia é importante alinhar as expectativas do paciente, condições clínicas e benefícios e riscos do procedimento. Necessita-se avaliação com nutricionista e psicólogo.  

Não há contraindicações absolutas, porém contraindicações relativas são insuficiência cardíaca, doença coronária instável, doença pulmonar grave, tratamento de câncer, hipertensão portal, dependência de álcool ou drogas e capacidade intelectual prejudicada. 

A cirurgia é efetiva em reduzir DM tipo 2 e esteato-hepatite, reduz a hemoglobina glicada em diabéticos, reduz a PA, o LDL e aumenta o HDL comparado a tratamento não cirúrgico.  Uma metanálise mostrou redução de desfechos cardiovasculares e as análises de custo efetividade favorecem a cirurgia.  

Comentários e conclusão 

A obesidade é fortemente associada a doença aterosclerótica, insuficiência cardíaca, hipertensão e arritmias, principalmente a FA. A avaliação de doença aterosclerótica e IC pode ser complexa, pela sobreposição de sintomas difícil avaliação clínica desses pacientes, geralmente levando à realização de mais exames de imagem que o habitual. 

Assim, devemos ter cuidado adicional com os pacientes e atualmente temos diversas modalidades de tratamento, que se mostraram benéficas para redução de complicações e redução de eventos cardiovasculares.  

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Referências bibliográficas

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