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Cardiologia13 agosto 2025

Efetividade do GRACE de acordo com a elevação de troponina na SCASSST 

Por Juliana Avelar

A elevação da troponina no contexto da síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST (SCASSST) está associada a alto risco de eventos clínicos adversos, incluindo reinfarto do miocárdio (IAM), insuficiência cardíaca e morte. a estratificação de risco utilizando o Escore de Risco GRACE (Global Registry of Acute Coronary Events – GRS) para orientar o manejo de pacientes com SCA sem supra de ST é recomendada nas diretrizes clínicas. Acontece que no ensaio clínico randomizado UK GRACE Risk Score (UKGRIS), a implementação do GRS, em comparação ao cuidado padrão, não melhorou a adesão ao manejo recomendado pelas diretrizes nem reduziu eventos cardiovasculares em 12 meses em pacientes internados com suspeita de SCA sem supra de ST.  

A elevação de troponina no contexto de suspeita de SCA sem supra de ST pode indicar IAMSSST e, nessa população, a implementação do GRS poderia impactar a adesão ao tratamento recomendado pelas diretrizes e os desfechos clínicos. 

Foi, então, publicada recentemente uma análise post hoc do UKGRIS com o objetivo de avaliar especificamente o papel do GRS no contexto de troponina elevada. 

Métodos 

O ensaio UKGRIS foi um estudo clínico randomizado, com grupos paralelos, conduzido em pacientes internados com suspeita de SCA sem supra de ST, que avaliou a efetividade do GRS em comparação ao cuidado padrão em 42 hospitais na Inglaterra. Foi utilizada a versão 2.0 do Escore GRACE (GRS V.2.0). 

Foram elegíveis os pacientes internados com suspeita de SCA sem supra de ST, definida como IAMSSST ou angina instável, com idade ≥18 anos, cuja SCA sem supra de ST não tivesse sido precipitada por uma causa não cardiovascular evidente, e que não tivessem sido previamente incluídos no estudo. 

Desfechos 

As medidas de desfecho coprimárias foram: 

  • O uso global de processos assistenciais de classe I recomendados pelas diretrizes, e 
  • O tempo até o composto de morte cardiovascular, IAM não fatal, primeira internação por insuficiência cardíaca ou reinternação por evento cardiovascular dentro de 24 meses. 

Os desfechos secundários incluíram: 

  • Duração total da internação hospitalar; 
  • Utilidade do EQ-5D-5L (versão de 5 domínios e 5 níveis do índice EuroQoL); 
  • Revascularização não programada; 
  • Componentes individuais do desfecho composto durante os 24 meses de seguimento. 

Resultados 

Entre 9 de março de 2017 e 30 de dezembro de 2019, foram recrutados 3050 participantes (1440 no grupo GRS, 1610 no grupo de tratamento padrão) admitidos com suspeita de SCA sem supra de ST. 

No total, 2602 participantes apresentaram elevação de troponina, e 7 tinham não tinham valor de troponina. 

Os participantes com elevação de troponina eram, em geral, mais velhos, apresentavam escores GRS mais altos, e eram mais propensos a insuficiência cardíaca e doença vascular periférica, mas menos propensos a hipertensão em comparação com aqueles sem elevação. Ambos os grupos apresentaram taxas semelhantes de diabetes mellitus. 

Processos assistenciais 

Para a maioria dos 11 processos assistenciais recomendados pelas diretrizes, os participantes com elevação de troponina na linha de base que eram elegíveis apresentaram maior adesão do que os elegíveis sem elevação de troponina. 

A adesão global aos processos assistenciais recomendados pelas diretrizes foi de 77,3% no grupo GRS e 75,3% no tratamento padrão. 

Nos modelos de regressão logística mista, o efeito do uso do GRS em comparação ao tratamento padrão sobre a adesão aos processos assistenciais foi maior entre os participantes com elevação de troponina, comparado àqueles sem elevação, sem efeito significativo observado dentro de cada grupo individualmente: 

Tempo até o desfecho cardiovascular composto 

A elevação de troponina foi associada a um aumento de 13,8% no risco de apresentar um ou mais eventos compostos, com efeitos expressivos da elevação da troponina sobre: 

  • Morte cardiovascular: incidência cumulativa em 24 meses: 
    • 6,6% (5,17% a 8,06%) com troponina elevada vs 1,62% (0,26% a 3,37%) sem elevação 
  • IAM não fatal: 
    • 11,2% (9,6% a 13,1%) vs 7,4% (4,3% a 11,5%) 
  • Internação por insuficiência cardíaca de início recente: 
    • 6,4% (4,9% a 7,9%) vs 3,0% (0,9% a 5,9%) 
  • Reinternação cardiovascular: 
    • 46,5% (43,5% a 49,6%) vs 42,4% (36,6% a 48,6%) (tabela 3) 

O tempo até o primeiro evento composto não foi melhorado pelo uso do GRS. 

Qualidade de vida 

Aos 12 meses, os participantes com troponina elevada apresentaram menor utilidade média ajustada no EQ-5D-5L e maior número de dias de internação hospitalar ao longo de 24 meses: 

A duração da internação hospitalar em 24 meses foi semelhante entre os grupos GRS e tratamento padrão, independentemente da elevação de troponina. 

Discussão 

No ensaio clínico randomizado UKGRIS com pacientes hospitalizados por suspeita de SCA sem supra de ST, o uso do escore GRS aumentou a entrega dos processos assistenciais recomendados nos pacientes com elevação de troponina, em comparação àqueles sem. 

No entanto, esse efeito não se traduziu em diferenças no tempo até a ocorrência do primeiro evento composto (morte cardiovascular, IAM não fatal, internação por insuficiência cardíaca de início recente ou reinternação cardiovascular) em até 24 meses, conforme capturado por dados nacionais de saúde. 

Comparação com outros estudos 

A elevação de troponina no contexto de SCA sem supra de ST tem sido associada a: 

  • Doença coronariana mais grave e presença de trombo intracoronário 
  • Maior risco de eventos cardíacos subsequentes 
  • Pior prognóstico 

Estudos observacionais sugerem que o tratamento conforme indicado pelas diretrizes para SCA sem supra de ST está associado a melhores desfechos clínicos, especialmente em pacientes com GRS elevado e troponina elevada, que são os que mais se beneficiam em termos de sobrevida. 

Nesse estudo, o GRS teve um efeito maior sobre a adesão aos processos assistenciais recomendados pelas diretrizes entre aqueles com elevação de troponina, em comparação com aqueles sem elevação. 

Em contraste, no estudo AGRIS, o uso do GRS levou a um aumento nos processos assistenciais em pacientes sem elevação de troponina, mas não entre aqueles com troponina elevada. 

Além disso, no AGRIS, o uso do GRS resultou em maior taxa de angiografia coronária invasiva precoce em pacientes sem elevação de troponina. No entanto, para que um paciente sem elevação de troponina fosse incluído no AGRIS, eram necessários critérios adicionais, como alterações eletrocardiográficas ou ao menos um dos seguintes: instabilidade hemodinâmica, fração de ejeção do ventrículo esquerdo <40%, diabetes mellitus ou taxa de filtração glomerular estimada <60 mL/min/1,73 m². 

Em comparação com os critérios de inclusão menos restritivos do UKGRIS, o subgrupo de pacientes com SCA sem supra e troponina normal no AGRIS pode ter apresentado características que motivassem o médico a adotar um tratamento mais agressivo, mesmo que não capturadas pelo GRS. 

Apesar de a implementação do GRS ter aumentado a adesão às diretrizes em pacientes com troponina elevada, isso não se traduziu em redução do desfecho composto, mesmo com seguimento estendido de 24 meses e com uma taxa mais alta de eventos do que a observada na análise primária. Isso pode ser explicado pelo uso elevado de terapias medicamentosas em pacientes com troponina elevada, o que provavelmente reflete a robustez da evidência científica para seu uso. 

Além disso, nas diretrizes clínicas, o GRS é recomendado principalmente para estratificar pacientes para estratégia invasiva, e não para orientar todos os componentes do cuidado na SCA sem supra. 

As diretrizes europeias recomendam angiografia coronária invasiva dentro de 24 horas para pacientes com GRS >140 e para todos os pacientes com IAMSSST independentemente do GRS. 

As diretrizes do NICE (Instituto Nacional de Saúde e Excelência em Cuidados, do Reino Unido) recomendam considerar angiografia coronária invasiva em até 72 horas da admissão inicial em pacientes com SCA sem supra e risco de mortalidade em 6 meses >3% (equivalente a GRS ≥89). 

Meta-análises de ensaios clínicos randomizados comparando estratégias invasivas precoces (<24 h) versus tardias sugerem que isso pode oferecer benefício de sobrevida em pacientes com troponina elevada ou GRS >140, ou reduzir isquemia recorrente e tempo de internação. No entanto, o número de angiografias coronárias invasivas realizadas dentro de 24 ou 72 horas nos pacientes do UKGRIS foi baixo, o que pode se dever à incerteza dos médicos quanto à efetividade dessa estratégia à luz das evidências, ou à falta de capacidade de cateterismo e/ou recursos humanos para cumprir esse padrão. 

Por fim, entre os pacientes com elevação de troponina, 14% receberam diagnóstico final diferente de SCA sem supra, e a inclusão desses indivíduos — para os quais não se esperaria que o cuidado baseado em diretrizes para SCA sem supra melhorasse os desfechos — pode ter reduzido o potencial de se observar impacto do uso do GRS sobre os desfechos clínicos. 

Forças e limitações deste estudo 

Assim como no ensaio principal, não houve adjudicação dos desfechos coletados por meio de registros eletrônicos de saúde, sendo possível alguma classificação incorreta dos eventos. 

Além disso, havia um desequilíbrio nas características basais entre pacientes com e sem elevação de troponina, incluindo fatores que impactam decisões clínicas e desfechos, mas que não estão incluídos no GRS (por exemplo, diabetes mellitus). É possível que o achado de maior adesão a processos assistenciais com uso do GRS em pacientes com troponina elevada seja um erro do tipo I, devendo, portanto, esses resultados ser considerados exploratórios. 

A maioria da população do ensaio era composta por homens, o que impede a análise de possíveis diferenças por sexo. 

Conclusões 

Em adultos admitidos no hospital com suspeita de síndrome coronariana aguda sem supradesnivelamento do segmento ST, o efeito do GRS sobre a adesão aos processos recomendados foi maior entre aqueles com elevação de troponina do que entre aqueles sem. No entanto, esse efeito relativo não se traduziu em uma maior redução do desfecho primário composto de eventos cardiovasculares maiores em 24 meses.

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Referências bibliográficas

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