As doenças cardiovasculares (DCV) são atualmente as principais causas de mortalidade e morbidade materna não obstétrica, respondendo por 33% das mortes relacionadas à gravidez em todo o mundo, sendo que 68% dessas mortes são preveníveis.
As diretrizes atualizadas e apresentadas no Congresso Europeu de Cardiologia (ESC 2025) priorizam a autonomia da mulher na tomada de decisões reprodutivas, promovendo um diálogo transparente e uma decisão compartilhada, especialmente em gestações de alto risco. Há um afastamento da política rígida de “gravidez proibida” em casos de alto risco (como na síndrome de Ehlers-Danlos vascular e hipertensão arterial pulmonar) para um modelo que permite às mulheres fazerem escolhas informadas com suporte psicossocial adequado.
A seguir, os principais pontos e as novas condutas destacadas nessas diretrizes:
1) Equipe cardíaca da gravidez (Pregnancy Heart Team)
- Conceito central e importância: O Pregnancy Heart Team é agora uma seção dedicada, abrangendo desde o período pré-concepção até o pós-parto. Seu conceito, introduzido nas diretrizes de 2018, demonstrou estar associado a melhores resultados maternos, fetais e de saúde, incluindo menores taxas de mortalidade materna e de readmissão hospitalar, e maior segurança do paciente.
- Implementação: Recomenda-se que equipes institucionais sejam estabelecidas em hospitais de referência, considerando a área geográfica, disciplinas representadas e fatores socioculturais.
2) Estratificação de risco cardiovascular
- Classificação mWHO 2.0: Recomenda-se a utilização da classificação modificada da Organização Mundial da Saúde (mWHO) 2.0 para a avaliação de risco cardiovascular (CV) em todas as mulheres em idade fértil com DCV. Esta classificação é essencial para a seleção de pacientes que devem ser encaminhadas à Pregnancy Heart Team.
3) Manejo farmacológico na gravidez e lactação
- Princípio geral: A nova diretriz enfatiza que medicações importantes não devem ser desnecessariamente suspensas, fornecendo orientações detalhadas e atualizadas sobre o uso de medicamentos durante a gravidez e a lactação.
- Estatinas: Em alguns casos, o uso de estatinas durante a gravidez é encorajado, e a Food and Drug Administration (FDA) removeu o alerta mais forte contra o uso de estatinas na gravidez, embora a maioria das gestantes ainda seja aconselhada a interrompê-las.
- Anticoagulantes orais diretos (DOACs): Não são recomendados durante a gravidez (Classe III, Nível C). Seu uso deve ser considerado apenas na ausência de outras opções e após consulta com a Pregnancy Heart Team e a equipe de hematologia.
- Anticoagulantes para próteses valvares mecânicas: Mulheres com próteses valvares mecânicas devem ser aconselhadas antes da gravidez sobre os riscos e benefícios dos diversos regimes anticoagulantes. A varfarina apresenta riscos de doenças embriológicas, e a heparina de baixo peso molecular (HBPM) é uma opção para prevenção e tratamento de tromboembolismo.
- Inibidores do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA): Inibidores da enzima conversora de angiotensina (IECA), bloqueadores dos receptores de angiotensina (BRA), inibidores da neprilisina e do receptor de angiotensina (ARNI) e inibidores da renina são contraindicados na gravidez devido a malformações fetais, restrição de crescimento intrauterino (RCIU) e morte. Antagonistas da aldosterona também são contraindicados na gravidez.
- Captopril, enalapril e benazepril são considerados seguros durante a lactação, e a espironolactona é segura durante a lactação em doses baixas.
- Anti-hipertensivos: Nifedipino e labetalol (ou metoprolol, se labetalol não estiver disponível) são recomendados para o tratamento da hipertensão pós-parto não complicada nas primeiras 6 semanas. O nifedipino demonstrou ser significativamente mais eficaz na redução da pressão arterial do que outros anti-hipertensivos.
- Betabloqueadores: A continuidade de betabloqueadores deve ser considerada na gravidez para mulheres com cardiomiopatias, com monitoramento rigoroso do crescimento fetal. Betabloqueadores não seletivos devem ser substituídos por seletivos beta-1 (metoprolol, bisoprolol) com monitoramento materno e fetal próximo.
4) Condições cardiovasculares específicas e novas condutas
Cardiomiopatias e síndromes de arritmia primária:
- A seção foi expandida para incluir aconselhamento específico.
- O parto vaginal é recomendado para a maioria das mulheres com cardiomiopatias, exceto em indicações obstétricas, insuficiência cardíaca grave (fração de ejeção do ventrículo esquerdo [FEVE] <30%), arritmias não controladas, ou obstrução grave do trato de saída (>50 mmHg em cardiomiopatia hipertrófica), ou em mulheres em trabalho de parto usando antagonistas da vitamina K (AVK).
- Aconselhamento genético e testes devem ser considerados em mulheres com cardiomiopatia periparto (CMPP).
- O uso de um cardiodesfibrilador vestível (wearable cardioverter defibrillator – WCD) pode ser considerado em mulheres com CMPP e FEVE <35%.
Aortopatias:
- As diretrizes incorporam uma abordagem baseada em genes e variantes para a doença aórtica torácica hereditária (DATH).
- É recomendado aconselhamento pré-concepção por um Pregnancy Heart Team estendido para mulheres com histórico de dissecção ou cirurgia aórticas, considerando a variante genética, morfologia aórtica, taxa de crescimento e etiologia da dissecção.
- A via de parto é individualizada, sendo o parto vaginal preferível para diâmetros aórticos <40 mm e a cesariana pode ser considerada para diâmetros >45 mm ou histórico de dissecção.
Doença cardíaca congênita (DCC):
- Recomenda-se aconselhamento pela Pregnancy Heart Team a todas as mulheres com circulação de Fontan que desejam engravidar, devido ao alto risco de eventos adversos relacionados à gravidez.
- O parto vaginal é recomendado para a maioria das mulheres com DCC do adulto (DCCA).
- Mulheres com ventrículo direito sistêmico (Mustard/Senning ou transposição das grandes artérias corrigida congenitamente), em classe NYHA III/IV, disfunção ventricular sistêmica (FE <40%) ou insuficiência tricúspide grave devem ser aconselhadas contra a gravidez.
Hipertensão arterial pulmonar (HAP):
- Aconselhamento claro sobre contracepção é recomendado para mulheres em idade fértil com HAP.
- Antagonistas do receptor de endotelina, riociguat e selexipague não são recomendados durante a gravidez.
- Análogos de prostaglandinas parenterais (epoprostenol, treprostinil) e inibidores da fosfodiesterase 5 (sildenafil, tadalafil) podem ser usados.
Síndromes coronarianas agudas (SCA) e crônicas (SCC):
- Em gestantes com dor torácica, é recomendado excluir condições cardiovasculares com risco de vida (embolia pulmonar, SCA, incluindo dissecção espontânea da artéria coronária – SCAD, e síndrome aórtica aguda).
- O manejo de SCA ou SCC deve ser realizado por uma Pregnancy Heart Team.
- É recomendada a terapia antiplaquetária dupla (DAPT) com aspirina e clopidogrel para gestantes submetidas a implante de stent coronário.
5) Desfechos adversos da gravidez (DAG)
- Esta é uma nova seção nas diretrizes, refletindo a crescente importância dos DAG.
- Recomenda-se a avaliação do risco CV em mulheres com histórico de DAG para reconhecê-los e documentá-los na avaliação do risco de DCV, além de oferecer aconselhamento sobre escolhas de estilo de vida saudáveis para otimizar a saúde cardiovascular.
- É recomendado ter como alvo uma pressão arterial sistólica <140 mmHg e diastólica <90 mmHg em gestantes.
- Aspirina em baixa dose (75–150 mg/dia) é recomendada para prevenção de pré-eclâmpsia em mulheres de risco moderado a alto entre 12 e 36/37 semanas.
6) Parto e anestesia
- Parto: A indução de trabalho de parto rotineira antes de 39 semanas não é recomendada em mulheres com DCV estável. Para mulheres com uso de AVK que necessitam de parto urgente, recomenda-se cesariana para reduzir o risco de hemorragia intracraniana fetal.
- Parada cardíaca na gravidez: Não se deve reter medicamentos devido a preocupações com teratogenicidade. As mesmas compressões torácicas e protocolos de desfibrilação aplicados em mulheres não grávidas são recomendados.
Considerações finais
Em resumo, as diretrizes de 2025 da ESC para DCV e gravidez enfatizam uma abordagem multidisciplinar e centrada na paciente, com foco na tomada de decisão compartilhada, na otimização do tratamento medicamentoso e na estratificação de risco aprimorada usando a classificação mWHO 2.0. Elas fornecem orientações detalhadas para diversas condições cardíacas, desde cardiomiopatias e aortopatias até HAP e síndromes coronarianas, garantindo que as gestantes recebam o cuidado mais seguro e eficaz possível.
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Autoria

Sara Del Vecchio Ziotti
Graduação em Medicina e Clínica médica pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Cardiologia pelo Instituto do Coração do Hospital das Clínicas de São Paulo
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