Metade dos pacientes internados por insuficiência cardíaca (IC) descompensada tem derrame pleural, sendo que em 20% o derrame ocupa mais de um terço do tórax. Em alguns pacientes, a toracocentese auxilia na melhora dos sintomas, porém sua realização não é isenta de riscos.
Recentemente foi feito um estudo com objetivo de avaliar a efetividade da toracocentese precoce associada ao tratamento padrão para IC descompensada comparado ao tratamento padrão apenas em relação a desfechos relevantes para os pacientes.
Métodos do estudo e população envolvida
Foi estudo multicêntrico controlado e randomizado, não cego, realizado na Dinamarca. Os critérios de inclusão eram idade maior ou igual a 18 anos, internação por IC descompensada, fração de ejeção do ventrículo esquerdo (FEVE) ≤ 45% e presença de derrame pleural relacionado a IC. Não havia um tamanho mínimo estipulado para o derrame, mas este deveria ser considerado relevante de acordo com a avaliação médica.
Os pacientes eram randomizados para os grupos toracocentese ou controle e os dois grupos recebiam tratamento com diuréticos e medicações recomendadas pelas diretrizes de IC. O grupo toracocentese era também submetido ao procedimento, guiado por ultrassonografia. Pacientes do grupo controle que não tivessem boa resposta ao diurético em até 5 dias poderiam ser submetidos ao procedimento após esse período ou também em outras situações que indicam o procedimento, como necessidade de toracocentese diagnóstica.
O desfecho primário era o número de dias vivo após a alta no seguimento de 90 dias. Os desfechos secundários eram tempo de internação, mortalidade por todas as causas, tempo para outra internação ou morte por qualquer causa, qualidade de vida medida pelo questionário KCCQ em 14 e 90 dias. Os desfechos de segurança foram complicações comuns da toracocentese e eventos tromboembólicos, já que alguns pacientes tiveram a anticoagulação suspensa para o procedimento.
Resultados: toracocentese de alívio na insuficiência cardíaca
Foram randomizados 68 pacientes para o grupo toracocentese e 67 para o grupo controle. As características de base foram semelhantes entre os grupos, com mediana de 81 anos e 33% do sexo feminino. Todos tinham sinais e sintomas de IC descompensada, a FEVE média foi 25% e o NT-proBNP 5899 pg/mL. Do total, 53% tinham quadro de IC nova e 49% usavam anticoagulante.
A randomização foi feita com mediana de 21 horas, 22% realizaram exame de tomografia, 46% ultrassom e 84% radiografia de tórax. O derrame pleural era bilateral em 73%.
O tempo médio entre a randomização e a toracocentese foi de 22 horas. Nesse grupo, 29 pacientes usavam anticoagulantes e tiveram tempo médio para o procedimento maior, de 30 horas. No procedimento, 68% dos pacientes tiveram retirada de mais de 500mL e a mediana foi de 1062mL. Houve cross-over de 12 pacientes, sendo que no grupo controle 5 participantes foram submetidos ao procedimento e no grupo toracocentese 7 não realizaram.
Não houve diferença no desfecho primário, com mediana de dias vivo após a alta de 84 no grupo toracocentese e 82 no grupo controle. Os desfechos secundários também foram semelhantes, inclusive em relação a sintomas e qualidade de vida.
Além disso, não houve diferença na taxa de utilização da furosemida ou na sua dose administrada, na perda de peso ou na função renal. Também não houve diferença na taxa de utilização das medicações indicada pelas diretrizes e houve aumento da sua utilização na alta comparado à admissão nos dois grupos.
Em relação aos desfechos de segurança, houve 4 pneumotóraces e não houve sangramento maior, laceração de tórax, infecção ou edema de re-expansão. Porém, a taxa de complicações menores ou desconforto durante ou após o procedimento ocorreu em 26%.
Comentários e conclusão
Neste estudo randomizado, a toracocentese em pacientes internados por insuficiência cardíaca descompensada, que tinham FEVE reduzida e derrame pleural não mostrou benefício em dias vivos após a alta, tempo para próxima internação, probabilidade de sobrevida ou qualidade de vida. O procedimento foi seguro, com baixa taxa de complicações graves.
Importante ressaltar que a população deste estudo era mais idosa, com comorbidades e fragilidade, que podem ter contribuído para a ausência de diferença entre os grupos. Além disso, foi estudo não cego, o que pode ter influenciado nas condutas em relação a alta por exemplo, gerando viés.
Assim, não parece haver benefício na realização de toracocentese de rotina e a efetividade do procedimento necessita maior investigação em populações específicas, podendo ter benefício em alguns subgrupos , como pacientes que persistem com sintomas após tratamento inicial, pacientes com derrames maiores ou baixa tolerância às medicações.
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