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Cardiologia6 outubro 2025

Há influência de FAV de alto débito em desfechos cardiovasculares? 

Estudo buscou esclarecer a relação entre fístulas arteriovenosas (FAV) de alto débito e desfechos cardiovasculares adversos
Por Isabela Abud Manta

A doença renal crônica (DRC) tem relação com aumento do risco de doenças cardiovasculares, mortalidade, redução da qualidade de vida e piores desfechos de saúde de modo geral. Pacientes com DRC, além do aumento da mortalidade cardiovascular, também tem maior risco de complicações ateroscleróticas, arritmias e insuficiência cardíaca (IC). 

Pacientes em diálise tem mortalidade cardiovascular de até 50%. Esses pacientes muitas vezes utilizam fístulas arteriovenosas (FAV), que têm diversos efeitos na circulação sistêmica, o que leva a alterações hemodinâmicas crônicas. Após a sua realização, ocorre queda da pressão arterial média (PAM), fluxo sanguíneo sistêmico, resistência periférica e pulmonar, aumento da frequência cardíaca (FC), do débito cardíaco (DC), volume sistólico (VS), pressão do átrio esquerdo (PAE) e pressão arterial pulmonar (PAP). 

A redução da resistência periférica gera aumento do retorno venoso e do DC, principalmente às custas de aumento da contratilidade miocárdica e FC. No longo prazo, essas alterações podem levar a hipertrofia ventricular esquerda, remodelamento do ventrículo direito a aumento dos volumes atriais. Essas alterações são proporcionais a magnitude do fluxo da fístula e ocorrem em algumas semanas após sua realização. 

Alguns marcadores prognósticos também aumentam após a realização da FAV, como interleucina-6 (IL-6), NT-proBNP e troponina. Caso o paciente seja submetido a procedimentos que reduzem o fluxo, o NT-proBNP tende a cair por exemplo, além de ocorrer redução da massa do ventrículo esquerdo, melhora da função diastólica e das taxas de hipertensão pulmonar. Também há redução, pelo menos parcial, da hipertrofia ventricular e de sintomas quando as FAV são desligadas.  

Poucos estudos observacionais e relatos de caso tem relacionado as FAV com o surgimento de IC e alguns estudos que avaliaram desfechos duros tiveram resultados controversos. Assim, foi feito um estudo sobre as evidências atuais em relação ao impacto do fluxo das FAV na ocorrência de IC, morte e alterações de imagem e biomarcadores cardíacos 

Métodos do estudo e população envolvida 

Foram feitas buscas de ensaios clínicos e observacionais que avaliaram os efeitos da FAV nos desfechos cardiovasculares em pacientes maiores de 18 anos que realizavam hemodiálise.  

O desfecho primário era ocorrência de IC e os desfechos secundários eram medidas de performance cardíaca (DC ou índice cardíaco), parâmetros do ecocardiograma transtorácico (ecoTT) e marcadores bioquímicos associados a função cardíaca. 

Resultados  

Foram encontrados 107 estudos com 490660 pacientes. A maioria deles avaliou mais de um desfecho, sendo que 37 estudos (36 observacionais e um ensaio clínico controlado e randomizado) avaliaram desfechos de IC. Desses, 19 tinham alto risco de viés, 3 tinham risco moderado e 15 baixo risco. 

Houve grande heterogeneidade no desenho dos estudos, variação na definição dos desfechos e inconsistência de análises estatísticas entre os estudos, não sendo possível realizar metanálise. 

Seis estudos, com 2505 pacientes, avaliaram desfecho de ocorrência de IC e quatro encontraram associação positiva entre alto fluxo pela FAV e ocorrência de IC, um teve efeito neutro e um teve associação negativa. Dois tinham alto risco de viés e 4 tinham risco baixo. Ao se avaliar ocorrência de IC e mudança de sintomas de IC, sete estudos tiveram associação positiva com esse desfecho composto, cinco tiveram resultado neutro e um teve associação negativa. 

Doze estudos avaliaram mudanças nos sintomas de IC após redução do fluxo da FAV ou procedimento de ligadura e todos encontraram melhora dos sintomas. Ainda, nove estudos avaliaram a relação entre fluxo da FAV e mortalidade por todas as causas, sendo que quatro tiveram associação positiva, dois foram neutros e três tiveram associação negativa. 

Outros 41 estudos avaliaram parâmetros de performance cardíaca, sendo que 32 encontraram associação com o fluxo da FAV e nove tiveram efeito neutro. Os parâmetros do ecoTT foram avaliados em 42 estudos, com resultados na maior parte neutros ao se avaliar as funções sistólica e diastólica. Os estudos que avaliaram alterações estruturais e hipertensão pulmonar no ecoTT tiveram proporções semelhantes de associações positivas e neutras.  

Os marcadores bioquímicos foram avaliados em 22 estudos, com marcadores de volemia tendo relação positiva com fluxo da FAV em 13 estudos e efeito neutro em quatro. Em quatro estudos foram avaliados os marcadores inflamatórios, que tiveram relação positiva com o fluxo da FAV. 

Comentários e conclusão 

Essa revisão sistemática teve como objetivo avaliar a relação complexa entre fluxo da FAV e desfechos cardiovasculares. Os achados mostraram que maiores fluxos tiveram maior associação com ocorrência de IC, assim como piora dos sintomas de IC. Os achados dos desfechos secundários corroboram esses resultados, com achados de alterações que reforçam essa associação clínica. Assim, uma possibilidade para que ocorram melhores desfechos cardiovasculares é que as FAV sejam confeccionadas mais distalmente nos membros superiores, ou que sejam desenvolvidas técnicas que reduzam seu fluxo, de forma individualizada. 

Uma limitação importante é a própria definição de FAV de alto fluxo, com variabilidade entre os estudos. Outro ponto importante é o diagnóstico de IC em pacientes em diálise, geralmente mais complexo e que pode ficar sobreposto a outras condições, como a própria hipervolemia da DRC. Ainda, o risco de viés de boa parte dos estudos foi alto. 

Assim, ainda há muito que se entender sobre esses pacientes, porém parece que uma abordagem mais individualizada e vigilância do acesso vascular pode ser benéfico para os pacientes, principalmente para com já com disfunção cardíaca, que podem não tolerar limiares padronizados para a realização da diálise por FAV. 

Autoria

Foto de Isabela Abud Manta

Isabela Abud Manta

Editora médica de Cardiologia da Afya ⦁ Residência em Clínica Médica pela UNIFESP ⦁ Residência em Cardiologia pelo Instituto do Coração (InCor) do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) ⦁ Graduação em Medicina pela Escola Paulista de Medicina da Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP) ⦁ Atua nas áreas de terapia intensiva, cardiologia ambulatorial, enfermaria e em ensino médico.

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