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Cardiologia7 dezembro 2023

Redescobrindo a obesidade como alvo a ser combatido: insights do AHA 2023

O Congresso da American Heart Association 2023 deu destaque aos avanços no combate à obesidade. Conheça as novidades no tratamento da doença.

Por Cardiopapers

Este conteúdo foi produzido pela Afya em parceria com Novo Nordisk de acordo com a Política Editorial e de Publicidade do Portal Afya.

A obesidade é uma doença crônica definida como adiposidade excessiva ou anormal que aumenta a morbidade e a mortalidade, levando a desafios de saúde pública global. Ela também aumenta o risco de doenças cardiovasculares (DCV) e mortalidade cardiovascular independentemente de outros fatores de risco.

Os colaboradores do Global Burden of Disease Obesity mostraram um aumento no ônus do IMC elevado, com o alto IMC sendo responsável por 4 milhões de mortes em 2015, das quais mais de dois terços foram causados por DCV.

Apesar da correlação entre obesidade e morbidade cardiovascular ter sido estabelecida há muito tempo, a comunidade cardiológica está “redescobrindo” a obesidade nos últimos anos.

A comunidade cardiológica está redescobrindo a obesidade como um tópico central devido à crescente evidência de sua relação intrínseca com doenças cardiovasculares e comorbidades associadas. Pesquisas recentes tem elucidado o papel da obesidade não apenas como um fator de risco independente, mas também como um contribuinte para processos inflamatórios e metabólicos que afetam diretamente a saúde cardiovascular. Além disso, o reconhecimento do tecido adiposo como um órgão endócrino ativo que secreta citocinas e adipocinas pró-inflamatórias e pró-trombóticas oferece novas perspectivas sobre como a obesidade contribui para a patogênese da aterosclerose e outras doenças cardíacas. A relação entre obesidade e insuficiência cardíaca com fração de ejeção preservada também tem sido cada vez mais descortinada. A recente pandemia da COVID-19 também intensificou esse foco, ao revelar como indivíduos com excesso de peso apresentavam reação inflamatória mais catastrófica e com pior prognóstico.

Adicionalmente, o avanço em terapias farmacológicas e cirúrgicas para tratar o excesso de peso e seus efeitos sobre a redução do risco cardiovascular têm incentivado um engajamento mais ativo dos cardiologistas no manejo deste estado clínico. Com a medicina se movendo em direção a uma abordagem mais personalizada, a obesidade está sendo abordada não somente como um problema de saúde a ser tratado, mas como uma condição complexa que requer uma estratégia multifatorial e individualizada para a prevenção e gestão de doenças cardiovasculares.

O Congresso da American Heart Association, último grande evento do ano de 2023 da cardiologia internacional, também deu destaque aos avanços nessa área.

O conceito de que quanto antes começar a tratar a obesidade, tanto melhor foi avaliado num importante estudo norte-americano. Dados do  National Health and Nutrition Examination Survey (NHANES), de 1999 a 2018, incluindo 44.041 adultos com idade média de 45 anos, revelaram interações significativas entre idade e obesidade para a mortalidade por todas as causas e mortalidade cardiovascular. Indivíduos mais jovens que estavam com sobrepeso apresentaram um risco maior de mortalidade em comparação com indivíduos mais velhos.

Dados inéditos do estudo prospectivo ARIC (Atherosclerosis Risk in Communities) também foram apresentados, e exploraram a associação entre obesidade e o risco de neoplasias em indivíduos com doença cardiovascular. A coorte analisada incluiu 5127 participantes, dos quais 1511 foram diagnosticados com câncer primário. Descobriu-se que, em pessoas com DCV, a incidência de câncer foi maior nos obesos do que no grupo de peso normal. Notavelmente, em mulheres, a obesidade foi associada a um risco aumentado de neoplasias, o que não foi observado em homens, mesmo excluindo casos de câncer de próstata. Estes achados sugerem uma ligação positiva entre obesidade e risco de neoplasia em mulheres com doença cardiovascular, instigando necessidade de mais pesquisas para entender os mecanismos dessa associação.

Os desafios para vencer a inércia terapêutica ficaram ainda mais claros com um grande estudo do sistema de saúde do Mass General Brigham. Dentre quase 2,5 milhões de adultos matriculados, 1,1 milhão possuía sobrepeso ou obesidade (IMC ≥ 27 kg/m²) e algum outro fator de risco cardiovascular (idade média 54 anos, 57% do sexo feminino). A prescrição de qualquer medicamento antiobesidade aprovado pela FDA foi registrada em apenas 1,4% de todos os pacientes elegíveis. Este dado importante revela a janela de oportunidades que a comunidade médica possui para intervir nesse paciente e implementar medidas baseadas em evidências.

O papel da adiposidade corporal na desregulação metabólica em indivíduos com índice de massa corporal (IMC) normal continua a ser um tópico controverso, e foi tema de debate no congresso. Em uma amostra de adultos americanos entre 20 e 65 anos, sem histórico de doença cardiovascular, observou-se que cada aumento de 10% na gordura corporal total foi associado a um risco maior para resistência à insulina, síndrome metabólica e dislipidemia no grupo com IMC < 25 kg/m2. Ou seja, mesmo entre indivíduos de “peso normal”, aumentos na adiposidade corporal estão significativamente associados a um aumento da carga de doenças cardiometabólicas, reforçando o papel de outras medidas de adiposidade para além do IMC.

Por fim, também tivemos a apresentação do estudo SELECT, um ensaio clínico randomizado, multicêntrico, duplo-cego, e controlado por placebo, que investigou o impacto da semaglutida na redução do risco cardiovascular em 17.604 pacientes com sobrepeso ou obesidade, mas sem diabetes. Os participantes, com idade ≥ 45 anos e doença cardiovascular preexistente, foram randomizados para receber semaglutida 2,4mg/semana, ou placebo, durante aproximadamente 40 meses. Os resultados mostraram que a semaglutida reduziu significativamente em 20% o risco de eventos cardiovasculares graves, composto por morte cardiovascular, infarto do miocárdio e AVC. Também foram observadas reduções no peso corporal, circunferência da cintura e níveis de colesterol e triglicerídeos, juntamente com melhorias na pressão arterial. O estudo SELECT representa um paradigma, ao demonstrar a eficácia da semaglutida em diminuir o risco residual de pacientes com excesso de peso e com doenças cardiovasculares estabelecidas.

Portanto, a cardiologia está redescobrindo a obesidade não apenas como um estado clínico a ser gerenciado, mas como um fenômeno multifacetado com profundas implicações para a saúde cardiovascular e um alvo potencial para intervenções inovadoras e personalizadas.

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