Revascularização cirúrgica nas SCA: revisão de indicações e controvérsias
As síndromes coronarianas agudas (SCA) são uma das principais causas de morbimortalidade no mundo, cerca de 70% com SCA sem supradesnivelamento do segmento ST (SCASSST) e 30% SCA com supradesnivelamento do segmento ST (SCACSST). Em todas as diretrizes internacionais, é recomendação classe IA a intervenção coronariana percutânea (ICP) primária para SCACSST. Entretanto, há cenários que geram discussões sobre a melhor estratégia de revascularização: ICP ou cirurgia de revascularização miocárdica (CRVM).
A revisão publicada na revista Current Opinion in Cardiology em 2024 teve como objetivo explorar as evidências atuais sobre as indicações das estratégias de revascularização, incluindo ICP e CRVM, no cenário das SCA. Também abordou os aspectos ideais da cirurgia e da terapia antitrombótica para o pós-operatório, visando a prevenção secundária de eventos cardiovasculares.
SCACSST
No cenário da SCACSST o tempo para abertura da artéria e reestabelecimento do fluxo miocárdico é essencial para reduzir desfechos clínicos. A CRVM pode ser indicada nesses casos se a ICP primária não for factível (anatomia desfavorável, DAC complexa e/ou grande área isquêmica).
Em quadros agudos, como dito para SCACSST, a ICP é preferida por proporcionar uma reperfusão mais rápida. Entretanto, nas SCASSST, cerca de 40 a 70% dos casos têm DAC multiarterial e, a escolha da modalidade de intervenção passa a envolver a complexidade das obstruções, comorbidades (com destaque para diabetes) e risco cirúrgico que, nesses casos, foram melhores com a CRVM.
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Já pacientes com lesões de tronco da coronária esquerda e aterosclerose de complexidade baixa a intermediária tiveram taxa de sobrevida semelhantes com as duas modalidades a longo prazo (média 5 anos), porém mais taxa de SCA e novas revascularizações com a ICP. Desse modo, na SCASSST, pacientes com DAC complexa e comorbidades, a CRVM é preferível.
SCA com choque cardiogênico
No estudo SHOCK trial, que avaliou revascularizações de emergência vs estabilização inicial do paciente em casos de choque cardiogênico após SCA, não houve diferença de mortalidade nos primeiros 30 dias, porém, em estudos subsequentes, houve redução significativa da mortalidade em um ano e a longo prazo. Comparando revascularizações entre si (CRVM e ICP), 37,5% foram CRVM e, os pacientes do grupo cirúrgico tinham DAC mais grave e mais diabéticos (2x mais) que os do grupo ICP e, ainda assim, a sobrevida foi semelhante entre esses grupos em 30 dias e um ano.
Além disso, em uma coorte estadunidense com quase 400 mil pacientes, a CRVM associou-se à menor mortalidade intra-hospitalar que a ICP no contexto de choque cardiogênico. Assim, preconiza-se a CRVM em pacientes com SCA e choque cardiogênico que tenham anatomia favorável a cirurgia, especialmente se ela for desfavorável a ICP.
SCA e complicações mecânicas
Alguns estudos observacionais pequenos demonstraram benefício da CRVM em conjunto com a correção da complicação mecânica em casos de rotura de músculo papilar. Uma metanálise, incluindo mais de 4.000 pacientes com diversas complicações mecânicas, comparou a correção mecânica da complicação de forma isolada com a associação de correção e CRVM e não houve diferença quanto a mortalidade precoce ou tardia, no entanto, há muito vieses de tipo de complicação mecânica, gravidade clínica do paciente e complexidade da DAC.
Este cenário permanece controverso e a decisão deve ser preferencialmente por Heart team e levar em conta comorbidades, doença multiarterial e risco-benefício de uma cirurgia mais complexa.
Aspectos técnicos da cirurgia
Número e tipos de enxertos
Não há estudos randomizados comparando revascularização completa com múltiplos enxertos vs incompleta com um único enxerto no contexto de SCA. Um grande registro europeu mostrou uma baixa taxa de uso de enxertos arteriais, incluindo a Mamária esquerda para a Descendente anterior em casos de SCA e choque cardiogênico. Além disso, uso de múltiplos enxertos arteriais neste contexto não proporcionou benefício de eventos cardiovasculares. Neste cenário, é importante ter em mente que a escolha dos enxertos não deve comprometer ou postergar a reperfusão miocárdica.
Circulação extracorpórea (CEC) e cardioplegia
Neste cenário há muitas controvérsias. Uma metanálise incluindo mais de 11.000 pacientes com SCA comparou cirurgia sem CEC, com CEC e com CEC sem cardioplegia e mostrou melhor desempenho quanto a mortalidade da cirurgia sem CEC. Além disso, a cirurgia com CEC sem cardioplegia demonstrou menor mortalidade intra-hospitalar em relação a com cardioplegia para pacientes com choque cardiogênico.
Outro estudo no cenário de SCA e choque cardiogênico mostrou benefício de sobrevida da cirurgia com CEC e cardioplegia, postulando proteção miocárdica com o resfriamento miocárdico, menor estresse da parede ventricular e menor demanda de oxigênio. Dessa forma, vale levar em consideração na escolha da técnica, qual técnica abrange a melhor experiência e desempenho da sua equipe cirúrgica e do seu hospital.
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Antiagregação plaquetária
Qual o momento ideal e o tipo de medicação antiplaquetária pós-CRVM? Este tema permanece controverso, embora as evidências atuais apontem para o uso de dupla antiagregação plaquetária (DAPT) para reduzir eventos isquêmicos, necessita-se de manejo cuidadoso para superar ou contrabalancear o risco de sangramento.
A DAPT é indicada a todos os pacientes independentemente da estratégia de revascularização. Prasugrel e Ticagrelor são mais eficazes para prevenir eventos trombóticos que o Clopidogrel porém implicam maior risco de sangramento. No pré-operatório de CRVM, deve-se manter a Aspirina e suspender os inibidores de P2Y12 (3 dias antes para o Ticagrelor, 7 dias antes para o Prasugrel e 5 dias antes para o Clopidogrel), fazendo ponte com o Cangrelor (ainda indisponível no Brasil) que tem meia-vida curta.
No pós-operatório, recomeçar a Aspirina 6 horas após a cirurgia associou-se à maior patência de enxertos venosos. No entanto, não temos dados consistentes sobre o momento de reiniciar os inibidores de P2Y12. Nos estudos mais tradicionais (CURE e PLATO), essas drogas foram reintroduzidas em média 10 e 14 dias após a cirurgia, respectivamente.
Contudo, estudos mais recentes já as retornaram após 48 horas de pós-operatório. Apesar de controverso, na ausência de drenos torácicos, discrasias sanguíneas e complicações com risco de sangramento, os inibidores de P2Y12 podem ser reiniciados após 48 horas da CRVM com segurança.
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