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Cirurgia19 maio 2020

Pneumomediastino: uma breve revisão

Definido como a presença de ar na região mediastinal, o pneumomediastino ou enfisema mediastinal é raro e muitas vezes subdiagnosticado na prática médica.

Definido como a presença de ar na região mediastinal, o pneumomediastino ou enfisema mediastinal é raro e muitas vezes subdiagnosticado na prática médica. No entanto, quando identificado pode apontar potenciais riscos ao paciente.

cirurgião segurando bisturi antes de tratar pneumomediastino

Pneumomediastino

No geral, acomete mais os jovens do sexo masculino e apresenta curso benigno e autolimitado, especialmente quando ocorre de forma espontânea.

Classicamente a literatura o subdivide conforme sua apresentação em espontâneo/idiopático, quando ocorre em indivíduos previamente hígidos sem um fator causal óbvio estando relacionado a ruptura alveolar; ou secundário quando há a presença de um fator causal incluindo trauma e iatrogenia no trato aerodigestivo ou ainda por infecções pulmonares e/ou mediastinais por microrganismos produtores de gás e dissecção mediastinal por pneumotórax. Essa categorização apesar de muito utilizada, possui diversas controvérsias e não é consensual.

A fisiopatogenia relacionada aos eventos espontâneos foi postulada segundo a teoria de Macklin, a qual relaciona a sobredistensão alveolar, por aumento pressórico local, com a consequente ruptura alevolar e dissecção das bainhas perivascular e peribrôquica pelo ar, atingindo a região mediastinal. Fatores predisponentes para este tipo de apresentação, presentes em até 75% dos casos, incluem: manobras de Valsava vigorosas das mais variadas formas (tosse, parto, vômitos, atividade física, entre outros), distúrbios respiratórios prévios (asma, doença pulmonar obstrutiva, intersticiopatias pulmonares), barotrauma (pacientes sob ventilação com pressão positiva e descompressão em mergulho) ou ainda o tabagismo e uso de drogas inalatórias ilícitas. Outros possíveis mecanismos foram também descritos relacionados às variações de pressão mediastinal e espaço perivasculares.

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Apresentação Clínica

Os sintoma mais comumente associado com o quadro é a dor torácica, geralmente retroesternal com irradiação dorsal e cervical, de início abrupto, podendo estar presente em 60 a 100% dos casos. Outras possíveis queixas incluem dispneia, enfisema subcutâneo, cervicalgia, rinolalia (voz nasalada por dissecção pelo ar do palato mole), disfonia, além de outros quadros álgicos nas regiões orofaríngea e epigástrica. Eventualmente, o quadro acompanha eventos de pneumotórax espontâneo.

Ao contrário do pneumotórax, é muito rara a evolução do pneumomediastino para quadros hipertensivos (pneumomediastino maligno). Quando ocorre, o acúmulo excessivo de ar no mediastino é tal que promove a compressão das vias aéreas e tamponamento com redução do retorno venoso e consequente instabilidade hemodinâmica.

Os achados no exame físico são pouco específicos, no entanto, Louis Hammam descreveu um sinal que leva o seu nome caracterizado por estertores crepitantes sincrônicos com os batimentos cardíacos, não à ventilação pulmonar, auscultados sobre o ápice cardíaco e borda paraesternal esquerda. Apesar de referido como patognomônico por alguns, somente está presente em 18% dos casos.

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Diagnóstico

O diagnóstico é dependente de elevada suspeição, pautado especialmente no questionamento do histórico médico e eventos precipitantes recentes bem como em exames de imagem.

Comumente o pneumomediastino é identificado como um achado nos exames realizados em pacientes internados por outras condições. Exames laboratoriais e eletrocardiograma, não apresentam alterações específicas.

A radiografia de tórax possui elevado rendimento diagnóstico, superando 90%, sendo identificada a condição muitas vezes em uma só incidência (anteroposterior ou posteroanterior). Achados radiográficos descritos são diversos e incluem linhas luscentes ou bolhas de gás delineando as estruturas mediastinais, visualização da pleura mediastinal, sinal do anel (ar rodeando a artéria pulmonar e seus ramos), sinal da dupla luz brônquica, sinal do diafragma contínuo (ar posterior ao pericárdio), sinal extrapleural (ar entre o hemidiafragma e a pleura ou coluna vertebral), sinal da vela (elevação tímica pelo ar comum em crianças), gás no ligamento pulmonar, pneumotórax associado ou não.

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Entretanto, na presença de grandes enfisemas subcutâneos ou pneumotórax, tais achados podem ser de mais difícil avaliação, de modo que a tomografia computadorizada permite além do diagnóstico anatômico, a mensuração da extensão do pneumomediastino e avaliação de possíveis etiologias e fatores predisponentes. A presença de ar confinada ao mediastino anterior com enfisema subcutâneo ocorre frequentemente nos quadros espontâneos, enquanto naqueles relacionados às lesões do trato aerodigestivo é mais comum o acúmulo de ar subdiafragmático e associação com derrame pleural e opacidades pulmonares.

Outras ferramentas diagnósticas incluem a ultrassonografia transtorácica, em especial no pacientes instáveis, porém não realizada rotineiramente; além de exames endoscópicos como broncoscopia e endoscopia digestiva alta, indicados sempre que houver suspeita de acometimento do trato aerodigestivo como em pacientes com > 40 anos, história de vômitos repetidos, dor abdominal à palpação, leucocitose, presença de derrame pleural, atelectasia significativa, pneumopericárdio e pneumoperitôneo.

Alguns autores ainda sugerem a realização de prova de função pulmonar para quadros espontâneos sem um fator predisponente óbvio, principalmente na população pediátrica, com o intuito de diagnosticar potenciais quadros respiratórios não evidentes em um primeiro momento.

Tratamento

Como previamente relatado, a maioria dos quadros é autolimitada, porém, a definição da etiologia secundária é essencial para a orientação do manejo terapêutico, visto que estes quadros, ao contrário dos espontâneos, tendem a evoluir com complicações infeciosas graves como mediastinite.

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No pneumomediastino espontâneo, grande parte dos indivíduos não necessitarão de internação hospitalar ou, quando necessária, normalmente é breve (48 a 72 horas). Indicativos de admissão hospitalar incluem a presença de pneumotórax associado, necessidade de controle de fatores predisponentes como descompensação de doenças respiratórias e desvio mediastinal presente aos exames de imagem. A terapia é voltada para o controle de sintomas, abrangendo analgesia, supressores da tosse e ansiolíticos. O uso de oxigênio suplementar por cateter nasal é capaz de promover uma maior taxa de absorção do a (até 6 vezes) ao aumentar a pressão de difusão do nitrogênio no interstício sendo, portanto, também indicado. Havendo pneumotórax associado, avaliar a necessidade de drenagem conforme os protocolos específicos. Em linhas gerais, não há necessidade de intervenção cirúrgica específica como incisões cutâneas ou drenagem mediastinal e pleural (na ausência de pneumotórax). Com essas medidas a taxa de resolução do quadro é elevada, sendo completa geralmente em uma semana. Recorrências ocorrem em apenas 1.2% dos casos, nos quais a investigação mais extensa se faz necessária para excluir outras etiologias.

Já os quadros secundários nos quais há suspeição de lesão aerodigestiva, há sempre necessidade de maior agressividade no tratamento, incluindo internação hospitalar, antibioticoterapia empírica e tratamento específico da lesão que promoveu o pneumomediastino, o que pode ser realizado a partir de procedimentos endoscópicos ou cirúrgicos. Portanto, nesses casos, mais importante do que tratar o pneumomediastino é o tratamento de sua etiologia.

Os raros casos de pneumomediastino hipertensivo são potencialmente fatais, devendo-se atentar para tal evolução sempre quando houver persistência prolongada ou progressão do quadro a despeito dos tratamentos instituídos previamente. Aqueles instáveis hemodinamicamente devem receber reanimação volêmica, eventualmente suporte hemodinâmico com fármacos vasopressores, até o encaminhamento para o procedimento de descompressão mediastinal que pode ser realizado por meio de mediastinostomia cervical, paraesternal ou subxifóidea com colocação de dreno mediastinal ou ainda por videotoracoscopia com abertura da pleura mediastinal e posterior drenagem da cavidade pleural já comunicada com o mediastino.

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Algoritmo

Figura 1. Algoritmo de manejo proposto por Dechamps M. et al (Adaptado de Acta Clin Belgica. 2018)

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