Durante o, o 18° Congresso Brasileiro de Clínica Médica, que está sendo realizado de 08 a 11 de outubro, em Olinda/PE, o médico pneumologista Dr. Fernando Queiroga fez um apanhado geral da investigação funcional dedicada à dispneia, com ênfase ao diagnóstico e graduação de gravidade das doenças pulmonares obstrutivas e restritivas, bem como da avaliação pré-operatória e vigilância de toxicidade pulmonar de quimio e radioterapia no contexto da oncologia. A discussão fez parte da mesa “Ampliando a mente em pneumologia”, presidida pela Dra. Kamila Dias.

Provas de função pulmonar
Uma referência importante foram as recomendações sobre espirometria da SBPT de 2024, a prova funcional inicial de eleição.
Distúrbio ventilatório obstrutivo (DVO)
O parâmetro mais importante para a caracterização do DVO é a redução da relação VEF1/CVF abaixo do 5° percentil do valor previsto para o sexo e idade. Dessa maneira, essa marca é definida como o limite inferior da normalidade (LIN), com a ressalva de ser considerado o valor pré-broncodilatador (BD).
- VEF1: volume expiratório forçado no 1° segundo;
- CVF: capacidade vital forçada.
Um ponto ainda controverso é se o denominador da equação deve ser, de fato, a CVF ou a capacidade vital lenta (CV), uma vez que a CVF pode subestimar a CV em manobras forçadas devido ao fechamento precoce das pequenas vias aéreas em baixos volumes.
- Índice de Tiffeneau: VEF1/CV.
A alteração mais precoce associada à obstrução do fluxo aéreo, apesar de suas limitações, é o alentecimento dos fluxos médios e terminais na espirometria forçada. Nesse aspecto, valores baixos de FEF 25-75% se associam com a extensão do enfisema, hiper-responsividade brônquica e hiperinsuflação pulmonar. Notadamente, tabagistas com FEF25-75% reduzido e relação VEF1/CVF normal têm maior probabilidade de desenvolver DPOC no seguimento.
- FEF 25-75%: Fluxo Expiratório Forçado médio entre 25% e 75% da CVF.
Prova broncodilatadora
A prova broncodilatadora (BD) é realizada com 400 µg de salbutamol por via inalatória, com espera de 15 minutos para a repetição das manobras.
O teste é considerado positivo nas seguintes condições:
- Aumento do VEF1 ≥7% em relação ao previsto para exames alterados;
- Aumento do VEF1 ≥10% para exames normais.
A variação absoluta (mL) da VEF1 não foi mais considerada um parâmetro no documento de 2024.
Identificando o aprisionamento aéreo
Na presença de DVO, com CVF reduzida, temos uma redução combinada da relação VEF1/CVF e da CVF. Nesse cenário, o mais provável é esteja ocorrendo aumento do Volume Residual (VR) ou aprisionamento aéreo.
Uma diferença entre a CVF% e o VEF1% (em porcentagem do previsto) ≥ 25 sugere DVO com aprisionamento aéreo. Por outro lado, se a diferença entre CVF% e VEF1% for menor que 25, é recomendada a medição da Capacidade Pulmonar Total (CPT) para melhor caracterização do distúrbio (obstrutivo isolado ou combinado).
Parâmetro utilizável
O conceito de “parâmetro utilizável” aplica-se ao VEF1 e à CVF, indicando que, mesmo quando as manobras espirométricas não atendem totalmente aos critérios de aceitabilidade, esses valores ainda podem ser válidos para interpretação. O VEF₁ é utilizável se não houver tosse no primeiro segundo. A CVF é utilizável se não ocorrer fechamento glótico após o 1° segundo.
Dessa forma, a despeito da classificação da qualidade da espirometria (categorias A, B, C, D e Z, sendo a Z com nenhuma manobra aceitável), os parâmetros anteriormente descritos ainda podem ser úteis, embora no laudo deva constar um elevado grau de incerteza sobre as conclusões.
Distúrbio ventilatório restritivo (DVR)
A definição espirométrica de DVR é sugerida por um conjunto de achados: redução do VEF1 e da CVF, relação VEF1/CVF não reduzida (podendo estar inclusive superior a 110% do previsto e morfologia convexa da curva fluxo-volume expiratória.
A definição de certeza, contudo, deve ser caracterizada fisiologicamente pela redução da Capacidade Pulmonar Total (CPT), por meio de métodos como a pletismografia corporal (princípios da lei de Boyle para mensuração dos volumes pulmonares), diluição de gases inertes (hélio e hidrogênio), TC volumétrica e radiografia de tórax com planimetria.
Teste de difusão do monóxido de carbono (DLCO)
A DLCO avalia a capacidade de difusão do monóxido de carbono pela membrana alveolocapilar pulmonar, um parâmetro de eficiência da hematose. A KCO, por sua vez, nada mais é do que a própria DLCO corrigida pelo volume alveolar, mostrando a capacidade de difusão por unidade de volume pulmonar.
Esses parâmetros ajudam a diferenciar doenças pulmonares:
- Na DPOC enfisematosa, há destruição dos alvéolos e da membrana alveolocapilar, reduzindo tanto a DLCO quanto o KCO.
- Na asma, a membrana permanece íntegra e pode haver até aumento do fluxo capilar; por isso, DLCO e KCO costumam ser normais ou elevados.
Nas doenças restritivas, a interpretação conjunta de DLCO, KCO e volume alveolar (VA) também é útil:
- Na restrição intrapulmonar (como fibrose), há perda de alvéolos funcionais, com DLCO e KCO reduzidos.
- Na restrição extrapulmonar (como fraqueza muscular ou deformidade torácica), o volume pulmonar é menor, mas a membrana está preservada. Logo, a DLCO cai, porém o KCO se mantém normal ou mesmo aumentada.
Testes funcionais à beira do leito
Na avaliação funcional pneumológica, diversas manobras e testes são utilizados para mensurar a capacidade funcional, tolerância ao exercício e impacto das doenças respiratórias na vida diária.
Os principais testes descritos incluem:
- Teste da caminhada de seis minutos (6MWT): É o teste de campo mais utilizado para avaliar a capacidade funcional em doenças respiratórias crônicas. O paciente é instruído a caminhar o máximo possível em um corredor plano durante seis minutos, sendo mensurada a distância total percorrida. Trata-se de teste validado, confiável e preditor de morbidade e mortalidade em condições como DPOC, hipertensão pulmonar e fibrose pulmonar.
- Teste do degrau (step test): O teste é subdivido em incremental, teste de 3 e 6 minutos (3MST e 6MST). O paciente sobe e desce um degrau por tempo determinado ou até a exaustão, avaliando-se a capacidade funcional e resposta cardiorrespiratória. O step test apresenta boa validade e reprodutibilidade, sendo útil em ambientes com espaço limitado.
- Shuttle walk test: Inclui o incremental (ISWT) e o endurance (ESWT). No ISWT, o paciente caminha entre dois cones separados por 10 metros, com velocidade progressivamente aumentada por sinais sonoros até exaustão. No ESWT a tolerância ao exercício é avaliada com velocidade constante. Ambos são válidos e confiáveis, sendo o ISWT mais utilizado para mensuração da capacidade máxima de exercício.
- Teste de sentar e levantar (sit-to-stand test, STS): Avalia força e resistência dos membros inferiores, podendo ser realizado em diferentes formatos (ex.: 1 minuto, 5 repetições). O STS é simples, confiável e correlaciona-se com desfechos clínicos como mortalidade, capacidade funcional e qualidade de vida.
- Teste cardiopulmonar de exercício (CPET): Considerado padrão-ouro para avaliação da resposta fisiológica ao exercício, geralmente realizado em esteira ou cicloergômetro, com monitorização de variáveis como consumo máximo de oxigênio (VO2), frequência cardíaca, ventilação e produção de CO₂. O teste permite identificar limitações ventilatórias, cardíacas ou musculares, sendo indicado para avaliação pré-operatória, diagnóstico diferencial e estratificação prognóstica.
Conclusão e mensagens práticas
A espirometria com prova broncodilatadora é a prova funcional mais barata, acessível e que está na primeira linha de investigação de pacientes sintomáticos respiratórios crônicos ou intermitentes. Entretanto, o clínico deve estar ciente do arsenal investigativo pneumológico e as suas melhores indicações.
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Autoria

Leandro Lima
Editor de Clínica Médica da Afya ⦁ Residência em Clínica Médica (2016) e Gastroenterologia (2018) pelo Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (HC-UFMG) ⦁ Residência em Endoscopia digestiva pelo HU-UFJF (2019) ⦁ Preceptor do Serviço de Medicina Interna do HU-UFJF (2019) ⦁ Graduação em Medicina pela Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF)
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