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Clínica Médica17 setembro 2024

Cistos pancreáticos

A maioria dos cistos pancreáticos é benigna, com risco geral de progressão para malignidade de 1,5%. Entretanto, há aqueles com potencial pré-maligno.
Por Leandro Lima

No início do século XX acreditava-se que os cistos pancreáticos eram raros e de significado clínico incerto. O advento dos exames seccionais de imagem, contudo, trouxe luz a uma prevalência populacional crescente de até 15%, atribuível à maior disponibilidade dos métodos diagnósticos e ao envelhecimento populacional. 

médico estudando caso de Cistos pancreáticos

Epidemiologia dos cistos pancreáticos 

A maioria dos cistos pancreáticos é benigna, com risco geral de progressão para malignidade de 1,5%. Entretanto, há aqueles com potencial pré-maligno e, de fato, estima-se que um entre seis adenocarcinomas pancreáticos tenha origem em cistos mucinosos.  

  • Os dois benignos mais comuns: pseudocistos pancreáticos e cistoadenomas serosos (até 25% dos casos);  
  • Os dois pré-malignos mais comuns: neoplasia mucinosa papilar intraductal (IPMN) e neoplasia cística mucinosa (MCN), responsáveis por metade dos cistos pancreáticos incidentais; 
  • Os dois pré-malignos menos comuns: neoplasia pseudopapilar sólida e tumores neuroendócrinos císticos pancreáticos. 

As principais lesões císticas benignas 

O pseudocisto pancreático se instala na sequência de episódios de pancreatite aguda ou crônica, sendo unilocular, único ou múltiplo, frequentemente com debris em seu interior e geralmente conectado ao ducto pancreático principal, embora essa comunicação nem sempre seja identificável à imagem. O potencial maligno é nulo e a resolução espontânea é a evolução mais esperada.  

Deve-se ter muita cautela com esse diagnóstico na ausência de histórico de pancreatite ou quando o cisto é identificado na fase aguda do primeiro evento, situação em que pode ter sido a causa, e não a consequência, provavelmente não se tratando de um pseudocisto e exigindo a busca por diagnósticos diferenciais.  

O cistoadenoma seroso predomina em mulheres, que respondem por 60% dos casos, sendo a sua ocorrência mais frequente entre a 5ª e 7ª décadas de vida. A maioria é assintomática e o crescimento é lento. Quando volumosos, porém, podem justificar dor abdominal, pancreatite e obstrução de vias biliares. A aparência pode ser microcítica (favo de mel) ou oligocística, a cicatriz central é patognomônica (mas presente em não mais que um terço dos pacientes) e não há comunicação com o duplo pancreático principal. O potencial maligno é nulo.   

Leia mais: Revisão de guidelines para cistos pancreáticos

As principais lesões císticas pré-malignas 

O IPMN, principal tipo de lesão cística pancreática mucinosa, se distribui igualmente entre os sexos, ocorre geralmente entre a 5ª e 7ª décadas de vida, sendo a maioria assintomática. Entretanto, a hiperviscosidade promovida pela mucina pode gerar obstrução e precipitar episódios de pancreatite aguda. A origem se dá nas células ductais, e a regra é a presença de comunicação com os ductos pancreáticos, seja o principal (frequentemente dilatado), secundários ou ambos (mistos), podendo ser únicos ou múltiplos.  

O sinal endoscópico clássico é a papila duodenal em boca de peixe, bojuda e com extrusão de mucina. Os IPMNs de ductos secundários tendem a se distribuir no formato de cachos de uvas e a doença tende a ser multifocal. O potencial maligno pode alcançar 38% no IPMN de ducto secundário e 85% no IPMN de ducto principal, embora os dados mais recentes tenham mostrado que o risco pode ser menor, em parte por conta do viés das séries de casos cirúrgicos.  

A neoplasia cística mucinosa, bem menos comum do que o IPMN, é praticamente exclusiva das mulheres, que perfazem 90% dos casos. A ocorrência típica é entre os 40 e 60 anos de vida, sendo a maioria assintomática. A localização prioritária é na cauda pancreática, com aspecto uni ou oligolocular. O conteúdo é constituído por estroma ovariano e não há comunicação com os ductos pancreáticos. A parede do cisto geralmente é espessada e as calcificações em casca de ovo, características, podem ocorrer em um quarto dos casos. O risco de malignização chega aos 34%.  

A neoplasia pseudopapilar sólida (tumor de Frantz) ocorre quase que exclusivamente em mulheres, que perfazem 90% dos casos. A ocorrência prioritária é na 2ª e 3ª décadas de vida, sendo a maioria assintomática. A aparência é bem demarcada, heterogênea (com componentes sólidos e císticos) e, em alguns casos, contam com calcificações irregulares. O  risco é de malignização de 15%.  

 Por fim, os tumores neuroendócrinos pancreáticos tem acometimento variável de idade e sexo. A maioria é assintomática e 10% são funcionais e associados à neoplasia endócrina múltipla do tipo 1 (NEM1). O aspecto típico da imagem é a parede espessada e captante do contraste, sendo o aspecto cístico derivado da degeneração do tumor. Como a maioria expressa receptores de somatostatina, costumeiramente são detectados ao Octreoscan. O risco de malignização é de 10%, de forma que o prognóstico tende a ser pior em lesões ≥ 2 cm e com índice de Ki-67 ≥ 3%, alto grau histológico e invasão linfovascular. 

Abordagem 

A categorização do risco dos cistos  pancreáticos (ausente, baixo, intermediário ou alto) é realizada por meio de dados demográficos e exames de imagem (suficientes para a adequada classificação em 80% dos casos), reservando-se a ecoendoscopia (ECO-EDA) e punção aspirativa com agulha fina (PAAF) para os casos duvidosos.  

O estabelecimento do tipo de cisto, sobre o que foi discorrido acima, é a etapa inicial mais importante. 

A avaliação deve contemplar também os fatores de risco para câncer pancreático, como história familiar e presença de mutações germinativas patogênicas.  

  • Inequivocadamente benignos: os cistoadenomas serosos e pseudocistos dispensam avaliação subsequente quanto ao risco de transformação maligna, de forma que a preocupação surge exclusivamente diante de sintomas locais compressivos. 
  • Baixo risco: o risco evolutivo é nulo ou muito baixo, como é o caso dos pequenos cistos mucinosos e IPMNs exclusivamente de ductos secundários. Os pacientes tipicamente são assintomáticos e a conduta habitual é o seguimento imaginológico com tomografia computadorizada (TC) ou ressonância magnética (RM, incluindo colangio-RM), semestral no primeiro ano e, daí em diante, a cada 12 meses, podendo o intervalo ser ampliado em caso de estabilidade da lesão (crescimento < 20% ou < 2,5 mm/ano). Recomenda-se ainda a dosagem seriada de HBa1C e CA 19-9.  
  • Risco intermediário: são cistos com risco evolutivo atual baixo, mas com potencial moderado de transformação maligna no futuro. Exigem, portanto, avaliação refinada, idealmente com o emprego da ECO-EDA, que traz dados radiológicos adicionais e permite a aspiração do conteúdo do cisto para a análise citológica e molecular. As características preocupantes incluem histórico de pancreatite, dor, emagrecimento e aumento de CA 19-9 e hemoglobina glicada (diabetes de início recente), bem como alterações genômicas de alto risco no fluido aspirado. 
  • Alto risco: demandam a discussão por equipe multidisciplinar quanto a indicação e viabilidade da ressecção cirúrgica em decorrência do risco de displasia de alto grau ou câncer invasivo. 

Veja também: Risco de malignização da neoplasia mucinosa papilar intraductal de ducto secundário no longo prazo

 

Estigmas de alto risco para câncer pancreático 

Valor preditivo positivo para neoplasia avançada varia entre 60 e 90%. 

  • Obstrução das vias biliares; 
  • Dilatação do ducto pancreático principal > 10 mm; 
  • Realce nodular mural 5 mm; 
  • Icterícia. 

Cistos preocupantes (risco intermediário) 

  • Cistos > 3 cm ou com progressão (> 20% ou > 2,5 mm/ano); 
  • Ducto pancreático principal entre 5 e 10 mm; 
  • Realce nodular mural < 5 mm. 
  • Parede do cisto espessa ou captante de contraste; 
  • Presença de septações que captam contraste; 
  • Linfonodomegalia regional; 
  • Mudança do calibre do ducto pancreático principal com atrofia pancreática distal; 
  • Pancreatite e dor abdominal; 
  • Elevação de CA 19-9 e hemoglobina glicada. 

 O papel da ECO-EDA 

Os métodos de imagem tradicionais para a avaliação das lesões císticas pancreáticas são os seccionais: TC e RM de abdome.  

A ECO-EDA auxilia na estratificação adicional de risco na categoria intermediária, podendo afirmar a natureza benigna ou de baixo risco, ou apontar para características de alto risco.  

Quais são as suas principais vantagens: 

  • Acurácia discretamente maior do que a RM para identificar a comunicação ductal; 
  • Maior sensibilidade para a detecção de nódulos murais;  
  • Oportunidade de identificação do achado patognomônico de IPMN da papila duodenal em boca de peixe; 
  • Viabilizar a PAAF do conteúdo cístico. 

Como interpretar os achados laboratoriais? 

  • Amilase elevada sugere comunicação ductal, como nos pseudocistos e IPMNs; 
  • CEA > 192 ng/mL está presente em três quartos dos cistos mucinosos, e valores muito baixo os tornam improváveis; 
  • Glicose < 50 a 80 mg/dL tem acurácia de aproximadamente 90% para a distinguir os cistos mucinosos dos não mucinosos. 

Como interpretar as mutações do DNA? 

  • VHL é quase 100% específica para cistoadenoma seroso;  
  • KRAS tem especificidade > 95% para os cistos mucinosos; 
  • GNAS é específica dos IPMNs; 
  • CTNNB1 é altamente específica para tumores pseudopapilares sólidos;  
  • MEN1 tem alta especificidade para neoplasias endócrinas pancreáticas císticas;  
  • As anormalidades genéticas em oncogenes e supressores tumorais são mais comuns nas displasias de alto grau e malignidades.  

 Conclusão e mensagem prática 

  • O maior desafio no manejo dos cistos pancreáticos é identificar aqueles com maior risco de progressão para malignidade, oportunizando a prevenção e detecção precoce do câncer de pâncreas por meio da única medida curativa disponível: a ressecção cirúrgica. Entretanto, faz-se necessário manter o equilíbrio, evitando a morbimortalidade operatória e os impactos emocionais e financeiros para a maioria das lesões císticas pancreáticas, predominantemente benignas e com baixo potencial evolutivo. Deve-se levar em conta ainda o status performance, expectativa de vida e as preferências do paciente. 
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Referências bibliográficas

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