Aspectos essenciais da colangite biliar primária
A colangite biliar primária (CBP) é uma doença colestática crônica, autoimune e rara, com prevalência de 15 casos por 100.000 habitantes.
O acometimento prioritário é das mulheres entre 40 e 70 anos, embora a relação entre mulheres e homens tenha apresentado queda proeminente nas últimas décadas: de 9:1 para 4:1.
A fisiopatologia envolve a influência de gatilhos ambientais (tendo-se observado associação positiva com tabagismo, infecções do trato urinário, infecções por Escherichia coli, monotonia na microbiota intestinal, esmaltes de unhas e tinturas de cabelo) sobre os indivíduos geneticamente predispostos, seja por meio de polimorfismos relacionados ao HLA ou não, em um processo de interação complexa entre a imunidade adaptativa e inata.
A diminuição da proteção dos ductos biliares pela perda da integridade da “barreira de bicarbonato”, mediada por defeitos no trocador AE2 (Cl/HCO3), permite a entrada de ácidos biliares hidrofóbicos nas células epiteliais biliares (CEB), gerando dano celular, produção de quimiocinas e indução de apoptose. Nesse processo há exposição de subunidades PDC-E2 mitocondriais, um antígeno próprio que passa a ser alvo de ação do sistema imunológico.
Os quadros iniciais podem ser completamente assintomáticos.
A fadiga é o sintoma inicial mais frequente, seguida pelo prurido, que pode ser localizado ou generalizado. A icterícia, sinais de insuficiência hepática crônica e distúrbios neurocognitivos tendem a surgir com o avançar da condição.
Achados laboratoriais sugestivos de CBP |
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Veja também: Abordagem da colangite aguda
Deve-se sempre interrogar sobre sintomas associados, como a síndrome sicca, pois é frequente a comorbidade com síndrome de Sjögren, bem como a esclerose sistêmica, artrite reumatóide, osteoporose e doenças tireoidianas.
A ultrassonografia deve ser uma ferramenta diagnóstica universal, cujo principal objetivo é afastar a obstrução das vias biliares e a presença de massas hepáticas.
O diagnóstico é confirmado na presença de pelo menos 2 entre os 3 critérios abaixo:
- Colestase bioquímica: aumento persistente ou flutuante de fosfatase alcalina (FA) e gama glutamil transpeptidase (GGT);
- Positividade de autoanticorpos: anti-mitocôndria (sensibilidade > 90%, sendo a acurácia do ELISA superior a imunofluorescência indireta) ou anticorpos antinucleares específicos (anti-gp210 e anti-sp100 – sensibilidade inferior a 25%, sendo mais relevantes na negatividade do anticorpo anti-mitocôndria);
- Histologia compatível: colangite destrutiva crônica e não supurativa, associada à infiltração linfocítica e ductopenia de pequeno e médio calibres. A presença de granulomas de células epitelioides adjacentes aos ductos biliares lesionados, denominada reação ductular florida, embora patognomônica, tem baixa sensibilidade.
A biópsia hepática ainda é importante nos casos soronegativos e diante da necessidade de afastar diagnósticos diferenciais, como a sobreposição entre CBP e hepatite autoimune (HAI). A predição de fibrose, de forma isolada, pode ser realizada por meio da medida rigidez hepática pela elastografia transitória.
Principais diagnósticos diferenciais e possíveis comorbidades |
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A meta terapêutica consiste em redução e, preferencialmente, normalização da FA e minimização da bilirrubina total para menos de 60% do limite superior da normalidade, desfechos substitutos necessários diante de uma doença que progride lentamente para cirrose e insuficiência hepática.
A primeira linha de tratamento é o ácido ursodeoxicólico (13-15 mg/kg/dia), relacionado à sobrevida livre de transplante em 10 anos superior ao placebo: 79,7% vs. 60,7% em uma coorte retrospectiva com mais de 3.900 pacientes (Global PCB). Entretanto, a resposta é incompleta em até 40% dos pacientes em 1 ano, justificando a busca pela segunda linha de tratamento.
Nos últimos anos foram aprovadas duas opções: o ácido obeticólico (agonista do receptor intranuclear do ácido biliar farnesoide X – FXR) e os fibratos – que são agonistas do PPAR (receptores ativados por proliferadores de peroxissoma), como o bezafibrato e elafibranor. Os mesmos são indicados na presença de resposta incompleta ou intolerância ao ácido ursodeoxicólico, seja em monoterapia ou regimes combinados.
Medicamento |
Considerações |
Ácido obeticólico |
Prurido pode ser um evento adverso em quase 60% dos pacientes; Não deve ser utilizado em pacientes com cirrose descompensada Child B ou C. |
Fibratos |
Risco da rabdomiólise, hepatotoxicidade e redução da função renal; Desencorajados na cirrose descompensada Child B ou C. |
Os fatores de mau prognóstico incluem sexo masculino, diagnóstico em idade precoce (< 45 anos), fibrose avançada confirmada à histologia ou predita à elastografia hepática (associada ou não à esplênica) e presença de anticorpos antinucleares (anti-gp210 e anti-sp100).
Conclusão e Mensagens práticas
- A colangite biliar primária (CBP) é uma doença colestática autoimune, crônica e de lenta evolução. Trata-se de condição rara e que acomete preferencialmente as mulheres entre os 40 e 70 anos. Frequentemente assintomática, pode se apresentar com fadiga, prurido e icterícia. Os critérios diagnósticos incluem o aumento persistente ou flutuante de enzimas canaliculares, positividade de autoanticorpos (anti-mitocôndria, anti-gp210 ou anti-sp100) e achados histológicos compatíveis. O tratamento de primeira linha é o ácido ursodeoxicólico, sendo a segunda linha constituída por ácido obeticólico e agonistas do PPAR, podendo-se recorrer à terapia combinada.
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