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Clínica Médica25 setembro 2024

Aspectos essenciais da colangite biliar primária

A colangite biliar primária (CBP) é uma doença colestática crônica, autoimune e rara, com prevalência de 15 casos por 100.000 habitantes.  
Por Leandro Lima

A colangite biliar primária (CBP) é uma doença colestática crônica, autoimune e rara, com prevalência de 15 casos por 100.000 habitantes.  

O acometimento prioritário é das mulheres entre 40 e 70 anos, embora a relação entre mulheres e homens tenha apresentado queda proeminente nas últimas décadas: de 9:1 para 4:1.  

A fisiopatologia envolve a influência de gatilhos ambientais (tendo-se observado associação positiva com tabagismo, infecções do trato urinário, infecções por Escherichia coli, monotonia na microbiota intestinal, esmaltes de unhas e tinturas de cabelo) sobre os indivíduos geneticamente predispostos, seja por meio de polimorfismos relacionados ao HLA ou não, em um processo de interação complexa entre a imunidade adaptativa e inata.  

A diminuição da proteção dos ductos biliares pela perda da integridade da “barreira de bicarbonato”, mediada por defeitos no trocador AE2 (Cl/HCO3), permite a entrada de ácidos biliares hidrofóbicos nas células epiteliais biliares (CEB), gerando dano celular, produção de quimiocinas e indução de apoptose. Nesse processo há exposição de subunidades PDC-E2 mitocondriais, um antígeno próprio que passa a ser alvo de ação do sistema imunológico.  

Os quadros iniciais podem ser completamente assintomáticos.  

A fadiga é o sintoma inicial mais frequente, seguida pelo prurido, que pode ser localizado ou generalizado. A icterícia, sinais de insuficiência hepática crônica  e distúrbios neurocognitivos tendem a surgir com o avançar da condição.  

 

Achados laboratoriais sugestivos de CBP 

  • Aumento de enzimas canaliculares (FA e GGT);  
  • Presença de autoanticorpos: anti-mitocôndria, anti-sp100 e anti-gp210; 
  • Aumento discreto de enzimas hepatocelulares (AST e ALT); 
  • HIperbilirrubinemia; 
  • Aumento de imunoglobulina M (IgM);  
  • Dislipidemia;  

 

Veja também: Abordagem da colangite aguda

Deve-se sempre interrogar sobre sintomas associados, como a síndrome sicca, pois é frequente a comorbidade com síndrome de Sjögren, bem como a esclerose sistêmica, artrite reumatóide, osteoporose e doenças tireoidianas.  

A ultrassonografia deve ser uma ferramenta diagnóstica universal, cujo principal objetivo é afastar a obstrução das vias biliares e a presença de massas hepáticas.  

O diagnóstico é confirmado na presença de pelo menos 2 entre os 3 critérios abaixo: 

  • Colestase bioquímica: aumento persistente ou flutuante de fosfatase alcalina (FA) e gama glutamil transpeptidase (GGT); 
  • Positividade de autoanticorpos: anti-mitocôndria (sensibilidade > 90%, sendo a acurácia do ELISA superior a imunofluorescência indireta) ou anticorpos antinucleares específicos (anti-gp210 e anti-sp100 – sensibilidade inferior a 25%, sendo mais relevantes na negatividade do anticorpo anti-mitocôndria); 
  • Histologia compatível: colangite destrutiva crônica e não supurativa, associada à infiltração linfocítica e ductopenia de pequeno e médio calibres. A presença de granulomas de células epitelioides adjacentes aos ductos biliares lesionados, denominada reação ductular florida, embora patognomônica, tem baixa sensibilidade.  

A biópsia hepática ainda é importante nos casos soronegativos e diante da necessidade de afastar diagnósticos diferenciais, como a sobreposição entre CBP e hepatite autoimune (HAI). A predição de fibrose, de forma isolada, pode ser realizada por meio da medida rigidez hepática pela elastografia transitória.  

Principais diagnósticos diferenciais e possíveis comorbidades 

  • Hepatopatia alcoólica;  
  • Lesão hepática induzida por droga (DILI); 
  • Doença hepática esteatótica associada à disfunção metabólica (MASLD); 
  • Colangite biliar primária (incluindo a de pequenos ductos, que não apresenta expressão macroscópica);  
  • Lesão hepática associada à sepse; 
  • Doenças infiltrativas hepáticas. 

 

A meta terapêutica consiste em redução e, preferencialmente, normalização da FA e minimização da bilirrubina total para menos de 60% do limite superior da normalidade, desfechos substitutos necessários diante de uma doença que progride lentamente para cirrose e insuficiência hepática.  

A primeira linha de tratamento é o ácido ursodeoxicólico (13-15 mg/kg/dia), relacionado à sobrevida livre de transplante em 10 anos superior ao placebo: 79,7% vs. 60,7% em uma coorte retrospectiva com mais de 3.900 pacientes (Global PCB).  Entretanto, a resposta é incompleta em até 40% dos pacientes em 1 ano, justificando a busca pela segunda linha de tratamento.  

Nos últimos anos foram aprovadas duas opções: o ácido obeticólico (agonista do receptor intranuclear do ácido biliar farnesoide X – FXR)  e os fibratos – que são agonistas do PPAR (receptores ativados por proliferadores de peroxissoma), como o bezafibrato e elafibranor. Os mesmos são indicados na presença de resposta incompleta ou intolerância ao ácido ursodeoxicólico, seja em monoterapia ou regimes combinados. 

Medicamento 

Considerações 

Ácido obeticólico  

Prurido pode ser um evento adverso em quase 60% dos pacientes;  

Não deve ser utilizado em pacientes com cirrose descompensada Child B ou C.  

Fibratos 

Risco da rabdomiólise, hepatotoxicidade e redução da função renal; 

Desencorajados na cirrose descompensada Child B ou C. 

 Os fatores de mau prognóstico incluem sexo masculino, diagnóstico em idade precoce (< 45 anos), fibrose avançada confirmada à histologia ou predita à elastografia hepática (associada ou não à esplênica) e presença de anticorpos antinucleares (anti-gp210 e anti-sp100). 

Conclusão e Mensagens práticas 

  • A colangite biliar primária (CBP) é uma doença colestática autoimune, crônica e de lenta evolução. Trata-se de condição rara e que acomete preferencialmente as mulheres entre os 40 e 70 anos. Frequentemente assintomática, pode se apresentar com fadiga, prurido e icterícia. Os critérios diagnósticos incluem o aumento persistente ou flutuante de enzimas canaliculares, positividade de autoanticorpos (anti-mitocôndria, anti-gp210 ou anti-sp100) e achados histológicos compatíveis. O tratamento de primeira linha é o ácido ursodeoxicólico, sendo a segunda linha constituída por ácido obeticólico e agonistas do PPAR, podendo-se recorrer à terapia combinada.
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Referências bibliográficas

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