Comunicação de prognóstico: se você não sabe para onde ir, qualquer caminho não serve
No sétimo texto da Série Comunicação Médica, veremos como o médico pode lidar e de que forma comunicar um prognóstico adverso aos pacientes.
Imagine que o seu paciente preferido acaba de descobrir um Adenocarcinoma de pâncreas metastático. Imagine que esse paciente tem 99 anos de idade, é acamado, porém totalmente lúcido e muito comunicativo. Além disso, seu paciente tem doença renal crônica dialítica, insuficiência cardíaca NYHA IV, doença pulmonar obstrutiva crônica grave e ainda fuma todos os dias ao menos 80 cigarros sem filtro.
Com esse novo diagnóstico, esse seu paciente, que nunca quisera saber quais as suas perspectivas de vida, quer que você responda somente uma pergunta:
“Em 31 de dezembro eu poderei comemorar o aniversário de 25 anos da minha esposa? Ela é o amor da minha vida e eu nunca fui tão feliz quanto nos últimos dois anos em que ela esteve ao meu lado”
Então, finalmente, vocês conversarão sobre prognóstico. O que você faria nesse caso?
- Diria tudo ao seu paciente com os dados que a literatura médica apresenta (isso te caracterizaria como um “realista”)?
- Diria quase tudo ao seu paciente, omitindo dados relevantes que não permitissem que ele olhasse para o lado bom da vida (nesse caso você seria um “otimista”)?
- Se recusaria a discutir o prognóstico com o seu paciente, mesmo que lhe fosse solicitasse diretamente (o que faria de você um “evitador”)?
Segundo Back, Arnold e Tulsky, 37% dos médicos são realistas, 40% são otimistas e 23% são evitadores. Cada uma dessas estratégias tem um princípio norteador, mas carregam consigo algumas consequências/armadilhas.
Os realistas se apoiam na autonomia do paciente e na premissa de que decisões deverão ser tomadas a partir do entendimento preciso do prognóstico. Dessa forma, poderão ser entendidos como exageradamente diretos, rudes e até insensíveis com a dor do outro.
Os otimistas preferem fortalecer a esperança do paciente, já que seria esse o motivo da procura de um médico por um paciente, um encorajamento para enfrentar o desconhecido. Entretanto, mesmo que de forma não intencional, com essa estratégia tanto o paciente como seus familiares podem se encontrar despreparados para o inevitável, já que o foco muitas vezes estará no que é possível e não no que é provável que aconteça.
Por fim, os evitadores se agarram à premissa de que por mais acurados que sejam os dados estatísticos em relação ao prognóstico, cada indivíduo é único e o poder de previsibilidade das informações é limitado. Sendo assim, toda informação seria inconclusiva, impedindo a tomada acertada de decisões pelo paciente e/ou seus entes queridos. Ao abraçar essa forma de pensamento, o médico pode parecer frio, distante e sem vontade de compartilhar seu conhecimento, o que pode gerar uma quebra de confiança.
Independente da forma que você escolha para esta abordagem, saiba que médicos e pacientes se influenciam mutuamente na forma como ocorre a discussão do prognóstico, de modo que esse processo deve ser conduzido muito mais de modo bidirecional do que unidirecional.
Um guia prático para comunicação de prognóstico: negocie o que falar
Sempre que o assunto prognóstico é abordado entre um médico e seu paciente devemos ter em mente que não se trata de um campo único com uma resposta simples. Quando seu paciente lhe pergunta sobre prognóstico, ele pode estar falando de sobrevida livre de doença, sobrevida global, resposta a determinado tratamento, probabilidade de sobreviver em um ou cinco anos… como entender o que o seu paciente quer saber?
E mais ainda: há uma correlação entre o quanto o seu paciente quer saber e o grau de escolaridade que ele apresenta (nesse caso graus de escolaridade mais elevados suscitam informações mais completas e complexas) ou o estágio evolutivo da doença (aqui pacientes com doenças de maior gravidade tendem a querer saber menos sobre o seu prognóstico).
E é nesse momento que negociamos. Por mais que esses dados gerais sejam úteis para o pensamento teórico, quando estamos com o nosso paciente só é possível dizer o quanto aquele indivíduo quer saber conhecendo bem e entendendo quem ele é.
A estratégia apresentada a seguir define os pacientes quanto ao que eles querem de informações relacionadas ao seu prognóstico, de modo que possamos oferecer a eles a quantidade “certa” de conhecimento e possamos “negociar” com eles essa “dose de realidade”.
1º Quanto você quer saber do prognóstico?
Geralmente os pacientes, mesmo antes de perguntarmos, nos dizem o sobre o que querem falar e qual o nível de detalhamento do seu prognóstico que desejam ter acesso. Caso isso não seja dito naturalmente, pergunte: quanto você quer saber sobre o seu prognóstico?
Essa pergunta convida a uma resposta que vale além do “sim” ou “não” e deixa claro que a conversa é uma troca entre o médico e o paciente. Para ilustrar a situação ao paciente podemos dizer: “Algumas pessoas querem ter acesso a todos os detalhes, outras querem se concentrar no quadro geral e algumas preferem não discutir sobre como será o futuro. O que seria melhor para você?”.
A resposta a essa pergunta define o próximo passo da estratégia, já que os pacientes respondem de três formas distintas:
- Eles querem ter uma discussão explícita com informações;
- Eles não querem a informação em si;
- Eles são ambivalentes (querem ter acesso às informações e ao mesmo tempo não querem)
2º Respondendo ao desejo do paciente
Ele quer uma discussão explícita com informações
Saiba que os pacientes são mais propensos a tentar entender e reter as informações que desejam. Saiba quais são as necessidades de informação do paciente perguntando sobre as suas dúvidas, de modo que o paciente direcionará o andamento da conversa.
Um exemplo: quando o paciente te pergunta “qual o meu prognóstico?”, você pode perguntar sobre quais informações ele deseja saber sobre o seu futuro, exemplificando sobre as várias formas de responder a essa pergunta, como exposição de estatísticas, do pior ou do melhor cenário no caso em questão. Ou ainda interpelar ao paciente sore a possibilidade de ele estar pensando em uma data ou evento específico no futuro, como “estarei vivo no meu próximo aniversário?”.
Feito esse alinhamento, o fornecimento de informações, mesmo as mais difíceis, fica mais fluido e o paciente tem a abertura necessária para perguntar exatamente o que quer saber. Forneça as informações solicitadas lentamente, em pequenos blocos permitindo que o paciente as entenda e reaja a elas antes de continuar a conversa.
Mantenha-se atendo às reações tanto do paciente como dos seus acompanhantes, principalmente nos casos de más notícias. Quando um médico verbaliza a compreensão da reação emocional do paciente o aprofundamento da conversa ocorre mais naturalmente.
Por último, verifique a compreensão de todas as informações transmitidas. Há uma tendência do paciente em ouvir apenas os aspectos bons ou ruins do que lhe foi dito, distorcendo a informação real que foi apresentada.
Ele não quer a informação em si
Quando os pacientes que não querem discutir as informações prognósticas o médico se encontra em uma situação desconfortável: por um lado quer respeitar a vontade do paciente e por outro a ausência de informações pode atrapalhar ou enviesar a tomada de decisões pelo paciente.
Entenda por que o paciente não deseja saber sobre o seu prognóstico. Desse modo, pode-se ter uma ideia de como o paciente pensa e enfrenta a sua doença, o que pode facilitar em momentos de comunicação de más notícias. Nesse momento, o paciente pode expressar, inclusive, que deseja que outra pessoa tenha acesso a essas informações e tome decisões por ele.
Reconheças as preocupações do paciente e verbalize esse reconhecimento e solicite ao paciente para que, de acordo com a sua evolução, você possa trazer o assunto “prognóstico” novamente para a conversa. Deixe claro que todas as vontades dele serão respeitadas e o motivo de retornar a esse assunto seria para conferir uma eventual mudança de postura do paciente.
Revise sempre se a ausência de informações sobre o prognóstico não está alterando a capacidade de decidir do paciente ou mesmo fazendo com que decisões ruins sejam tomadas. Novamente: negocie com o seu paciente sobre o quanto ele quer/precisa saber e sobre a possibilidade de um procurador para tomadas de decisões.
Ele é ambivalente
Na prática a maioria dos pacientes experimentará situações que misturam os dois grupos apresentados anteriormente. O paciente pode verbalizar que quer saber “tudo” sobre a sua condição, mas ao mesmo tempo desvia o olhar e se retrai na cadeira em que está sentado, demonstrando indiretamente o conflito que existe dentro de si.
Apresente ao paciente a ambivalência. Reconheça a situação em que ele se encontra, explore os prós e contras sobre ter acesso às informações prognósticas e deixe o paciente a vontade para se expressar.
Demonstre ao paciente que você entende o quão difícil essa situação é para ele e que, nesse momento o médico é um parceiro, um companheiro nessa jornada. Muito mais importante que a informação em si nesse momento é o vínculo que se forma com o médico e o paciente.
Explore as possibilidades de evolução e o quanto elas poderiam interferir em decisões futuras para o paciente, de modo que ele seja exposto a pequenos blocos de informação e demonstre se está à vontade com isso: “Eu posso lhe dizer que de acordo com essa estatística esse tratamento pode reduzir a sua carga de doença e que, com isso, você pode optar por realizar aquela viagem dos sonhos no próximo mês ou adiá-la para daqui a seis meses”.
Mensagem prática
Independente das informações que você irá apresentar ao paciente, é a existência ou não de empatia quem definirá se a “esperança” do paciente será despedaçada. O médico e todo o poder das estatísticas não terão tanto peso para o paciente quanto a certeza de que o paciente conseguiu alguém para ajudá-lo a enfrentar um futuro incerto. A nossa tarefa enquanto comunicadores é mostrar ao paciente sobre como somos capazes de lidar com situações difíceis, garantindo a confiança e a abertura para tratar de quaisquer assuntos da maneira mais humana possível.
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