Generalistas devem prescrever amitriptilina na síndrome do intestino irritável?
A síndrome do intestino irritável (SII) é uma condição muito comum, com prevalência populacional estimada em 5% e diagnosticada de forma positiva a partir dos critérios de ROMA IV.
O carro-chefe da sintomatologia é a dor abdominal, associada a alterações da forma e consistência das fezes e da frequência evacuatória, gerando um impacto negativo sobre a qualidade de vida e as atividades sociais e laborais.
Os antidepressivos tricíclicos (ATC), como a amitriptilina e nortriptilina, têm sido utilizados na SII como terapia de segunda linha com base em suas propriedades de modulação de dor e influência na motilidade intestinal, com evidências favoráveis no cenário de atenção secundária e terciária.
O estudo randomizado e controlado (RCT) ATLANTIS, multicêntrico e duplo-cego, conduzido por Wright-Hughes e colaboradores, foi publicado em 2024 e avaliou a eficácia da prescrição de doses baixas de amitriptilina (10 a 30 mg/dia) na SII, em relação ao placebo, por médicos não especialistas da atenção básica.
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O estudo
O critério de inclusão foi a persistência de sintomas (escore de gravidade de SII ≥ 75 pontos) entre pacientes com SII a despeito do emprego das terapias de primeira linha (suplementação de fibras, laxativos, antiespasmódicos e antidiarreicos).
Os critérios de exclusão foram idade acima de 60 anos (pela maior propensão a distúrbios orgânicos subjacentes), suspeita de malignidade colônica ou doença inflamatória intestinal e contraindicações aos tricíclicos, como uso concomitante de inibidores da monoaminoxidase, IAM prévio, bloqueios atrioventriculares, QT longo e mania, entre outros.
Foram alocados 463 pacientes de 55 unidades de saúde inglesas e randomizados, em razão de 1:1, entre os braços de intervenção (N = 232) e placebo (N = 231).
A população teve média de idade de 48 anos, sendo a relação entre mulheres e homens de 2:1 e adequado balanceamento entre os grupos. O subtipo de SII com predomínio de diarreia (SII-D) representou 80% de todos os casos e o escore de gravidade de SII médio foi de 273.
O ajuste da dose de amitriptilina foi realizado pelos próprios usuários, sob supervisão de equipe médica, conforme a demanda sintomática, contraposta com os eventuais efeitos adversos, especialmente os anticolinérgicos (xerostomia, tontura, turvação visual e retenção urinária). As avaliações foram realizadas por meio da aplicação dos questionários no momento inicial e com intervalos de 3, 6 e 12 meses.
O desfecho primário foi o escore global de SII (EG-SII) em 6 meses, enquanto os secundários foram alívio sintomático subjetivo em 6 meses, EG-SII em 3 e 12 meses, efeitos somáticos sistêmicos e impactos sobre a qualidade de vida, ansiedade, depressão e desempenho em atividades laborais.
A taxa de descontinuação foi de 19,8% no grupo amitriptilina e 25,5% no grupo placebo.
Em relação ao desfecho primário, a amitriptilina foi superior ao placebo em uma análise por intenção de tratamento, como uma diferença média significativa no EG-SII (- 27 pontos – P = 0,008), sendo esse dado corroborado pelos desfechos secundários e pelo incremento no tamanho do efeito nas avaliações subsequentes. Entretanto, a intervenção não se associou a efeito significativo sobre a qualidade de vida, ansiedade, depressão e atividades laborais.
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Conclusão e mensagens práticas
- A prescrição de amitriptilina por generalistas, em doses baixas (10-30 mg/dia), para o tratamento da síndrome do intestino irritável (SII), está atrelada à manutenção da eficácia.
- A principal vantagem deste estudo é ter sido o maior já realizado sobre o emprego de tricíclicos na SII, corroborando a segurança dessa estratégia terapêutica na atenção básica.
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