A osteomielite é uma infecção extremamente desafiadora, associada à elevada morbimortalidade e que demanda tratamento multimodal — incluindo desbridamento mecânico com remoção de espaço-morto e tecido necrótico ou desvitalizado; estabilização ortopédica; reabilitação motora, nutricional e funcional; além de antibioticoterapia prolongada, geralmente por 6 semanas.
A seleção da antibioticoterapia, rotineiramente endovenosa por, ao menos, sete a 14 dias, deve ser pautada no perfil microbiológico dos fragmentos ósseos profundos coletados, bem como na eficácia presumida, penetração óssea e segurança do fármaco, sob a óptica da exposição prolongada.
Tomando-se por base a farmacocinética, destacamos, na sequência, as principais opções antimicrobianas disponíveis para o tratamento da osteomielite no Brasil. Ressalta-se, contudo, que a maioria dos estudos foi realizada no cenário da administração profilática dos antibióticos em cirurgias ortopédicas (artroplastia total de quadril) ou cirurgias de revascularização miocárdica (com a análise da concentração de antibióticos em fragmentos do esterno), com número limitado de pacientes e com tempo de seguimento muito limitado.
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Um dos pilares da análise farmacocinética foi a concentração óssea do fármaco em relação a MIC90 (concentração inibitória mínima que inibe 90% dos isolados bacterianos testados).
Os antibióticos lipofílicos (fluorquinolonas, linezolida e rifampicina) geralmente alcançam maior penetração óssea do que os hidrofílicos (beta-lactâmicos, aminoglicosídeos e glicopeptídeos), e esse é um dos pontos a serem considerados na seleção do tratamento.
Antibióticos |
Particularidades |
Amoxicilina-clavulanato 875/125 mg 12/12h |
A concentração no osso cortical e esponjoso é cerca de um décimo da sérica. Apesar disso, costumeiramente suplanta a MIC90 para a maioria dos germes implicados na osteomielite. |
Oxacilina 2g 4/4 horas |
A concentração óssea é aproximadamente um quarto da sérica, sendo uma opção útil, sobretudo nas infecções por MSSA. |
Piperacilina-tazobactam 4,5g 6/6h | A concentração óssea é de aproximadamente 15% da sérica, sendo uma alternativa bem-vinda na osteomielite por bacilos gram negativos. |
Cefalosporinas
Cefazolina 2g 8/8h;
Cefadroxila 500 mg 12/12h;
Ceftazidima 2g 8/8h. |
A cefazolina alcança concentração óssea de aproximadamente ⅕ da sérica, excedendo a MIC90 para estafilococos sensíveis.
A concentração óssea da cefadroxila, em relação à sérica, é de 20%, excedendo a MIC90 para estreptococos alfa-hemolítico. A ceftriaxona também alcança a MIC90 para os germes sensíveis.
A ceftazidima, por sua vez, alcança concentração óssea de 50% da sérica, geralmente superando o breakpoint da MIC para pseudomonas aeruginosa, mas sem alcançar altas taxas de cura.
A combinação de cefepime e fluorquinolonas resulta em taxa de recuperação de infecções por bacilos gram negativos de até 80%. |
Carbapenêmicos
Imipenem 500 mg 6/6h;
Meropenem 1g 8/8h;
Ertapenem 1g 24/24h. |
O imipenem e meropenem atingem concentração óssea de aproximadamente metade da sérica, geralmente cobrindo satisfatoriamente Streptococcus pneumoniae e P. aeruginosa susceptíveis.
O ertapenem geralmente excede a MIC90 para o tratamento de infecções por enterobactérias, MSSA e anaeróbios, mas não se presta ao tratamento da P. aeruginosa. |
Aminoglicosídeos
Gentamicina 5-6 mg/kg 24/24h. |
A gentamicina, apesar de ser hidrofílica, alcança concentração terapêutica satisfatória nos discos vertebrais e ossos, sendo uma opção razoável no tratamento da osteomielite. |
Fosfomicina 8g 8/8h. |
A eficácia in vivo no tratamento de osteomielite por MRSA foi avaliada em estudos murínicos, que demonstram supressão do crescimento bacteriano, mas a sua utilização em humanos, para essa finalidade, é precipitada. |
Fluorquinolonas
Ciprofloxacino 500-750 mg 12/12h (dose mais alta para P. aeruginosa)
Levofloxacino 750 mg 24/24h;
Moxifloxacino 400 mg 24/24h.
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A ciprofloxacina tem uma excelente penetração óssea, excedendo a MIC90 em várias vezes para patógenos gram-positivos e gram negativos, alcançando concentração óssea de praticamente o dobro da sérica.
A levofloxacina e o moxifloxacino são opção úteis no tratamento das infecções por estreptococos e MSSA, embora exista resistência crescente para o último patógeno. |
Doxiciclina 100 mg 12/12h |
A doxiciclina excede a MIC90 para infecções estafilocócicas ósseas, devendo ser lembrada principalmente nas infecções por CA-MRSA susceptíveis. |
Clindamicina 600 mg 8/8h |
A concentração óssea excede a MIC para a maioria dos patógenos gram-positivos e anaeróbios envolvidos em infecções ortopédicas. Em tecidos isquêmicos, a concentração óssea de clindamicina pode superar o breakpoint para cocos gram positivos, mas é menos eficaz para o tratamento de infecções por anaeróbios. |
Sulfametoxazol- Trimetoprima 800-160 mg (1 ou 2 comprimidos de 12/12h) |
A eficácia para o tratamento de infecções ósseas é corroborada por ensaios clínicos, excedendo a concentração óssea relativa à MIC90 para gram-positivos susceptíveis. |
Vancomicina 15-20 mg/kg/dose a cada 8-12h |
Alcança concentração óssea entre 30 a 60% da sérica, sendo maior no osso esponjoso e limitada na presença de isquemia. É um reduto seguro em infecções por S. aureus e estreptococos, embora seja menos eficaz nas infecções por enterococos. |
Linezolida 600 mg 12/12h |
A concentração óssea é pelo menos o dobro da MIC90 para estafilococos e estreptococos, sendo em média um terço da sérica. A difusão para o tecido ósseo não é limitada na presença de isquemia. Atenção especial deve ser mantida quanto à toxicidade com o uso prolongado, especialmente mielotoxicidade e risco de síndrome serotoninérgica. |
Daptomicina 6-10 mg/kg 24/24h |
A concentração óssea da daptomicina supera em muito a MIC90 para infecções por germes gram positivos, sendo uma opção razoável na osteomielite por HA-MRSA e enterococos. |
Rifampicina
300 mg 12/12h |
A concentração óssea é excelente, em níveis que superam o breakpoint para infecções por S. aureus. Atua em biofilmes, mas sempre deve ser utilizada em terapia combinada, para evitar a resistência antimicrobiana. |
As penicilinas naturais (penicilina G cristalina) e o metronidazol, por sua vez, demonstram concentração óssea geralmente inferior à MIC90 para a inibição do crescimento bacteriano, sendo desencorajados no cenário da osteomielite.
Em relação aos patógenos mais frequentemente envolvidos, destacamos as melhores opções para:
- S. aureus: oxacilina ou cefazolina (MSSA); fluorquinolonas (levofloxacino e moxifloxacino), clindamicina ou doxiciclina (CA-MRSA); e vancomicina, daptomicina ou linezolida (HA-MRSA). A terapia combinada com rifampicina (por exemplo, com fluorquinolonas) deve ser considerada na presença de materiais sintéticos por sua especial atuação em biofilme, reduzindo o surgimento de variantes de pequenas colônias e, por conseguinte, os riscos de recidiva ou persistência da infecção;
- Bacilos gram negativos: fluorquinolonas (ciprofloxacino e levofloxacino) são preferíveis devido à excelente penetração óssea e atividade contra enterobactérias e P. aeruginosa.
Conclusão e mensagens práticas
- A escolha da antibioticoterapia dedicada à osteomielite deve ser individualizada com base no agente etiológico, perfil de resistência e características do indivíduo, levando-se em conta a farmacocinética da droga, sobretudo a sua penetração óssea e sua relação com a concentração inibitória mínima (CIM) do patógeno em questão.
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