A desnutrição é caracterizada pelo desequilíbrio entre ingesta e gasto energético podendo ser decorrente de: doenças agudas ou crônicas, baixa absorção de nutrientes, aumento de catabolismo celular, difícil acesso a alimentos ou, ainda, de uma combinação desses fatores. Esse desequilíbrio provoca perda de massa muscular e tecido subcutâneo, pior funcionamento físico e mental, estando associado a piores desfechos clínicos.
Apesar da prevalência de desnutrição variar com a idade, presença/ausência de comorbidades ou com a região geográfica, estima-se que entre 5% e 10% da população com mais de 65 anos é desnutrida. Em pacientes hospitalizados, esse número pode chegar de 20% a 40% e em pacientes de home care, pode chegar a 50%.
A fisiopatologia da desnutrição pode ser dividida em três subgrupos:
- Aquela relacionada a doenças, mas na qual não há inflamação subjacente (ex: disfagia pós AVC ou síndrome do intestino curto);
- Relacionada a doenças inflamatórias (ex: câncer e infecções);
- Desnutrição associada a acesso a alimentos (insegurança alimentar).
Quando a desnutrição não está acompanhada por inflamação, a adaptação metabólica reduz a taxa metabólica basal (TMB), frequência cardíaca e temperatura corporal. Ao contrário, quando há inflamação subjacente, ocorre elevação da TMB, frequência cardíaca e temperatura corporal o que leva a maior consumo de massa muscular para gliconeogênese e para síntese de proteínas de fase aguda resultando em perda de tecido muscular.

Complicações
Uma das complicações mais evidentes da desnutrição é a sarcopenia, onde existe perda de força e funcionalidade associadas a perda muscular. Essa doença (CID-10: M62.84) traz consequências deletérias aos pacientes como redução de mobilidade, quedas frequentes, aumento do risco de infeção e morbimortalidade. A desnutrição também causa imunossupressão por causar disfunção de células T e B.
É importante que sejam realizados triagem, diagnóstico e intervenção de pacientes desnutridos ou em risco de desnutrição. Há consenso de que a triagem nutricional deva ocorrer nas primeiras 24 a 48 horas da admissão do paciente no hospital ou do serviço de home care. Existem ferramentas validadas e amplamente utilizadas como: NRS 2002, MUST, SNAQ, MST e GLIM. De um modo geral, após a triagem e diagnóstico de desnutrição, os pacientes devem ser avaliados quanto à etiologia e severidade do quadro para melhor abordagem.
Veja também: Desnutrição tem influência no prognóstico de pacientes infartados?
Manejo
Uma vez identificados pacientes desnutridos ou em risco de desnutrição, inicia-se o manejo nutricional. Na anamnese, deve-se interrogar sobre componente depressivo que justifique redução da ingesta alimentar, se há alteração de dentição, presença de disfagia e recordatório alimentar para quantificação calórica. O exame físico deve incluir análise de massa muscular e massa de gordura.
Já os exames laboratoriais podem ser solicitados a depender das comorbidades dos pacientes (ex: hemograma completo, função hepática, perfil lipídico e proteína-C reativa). Por exemplo, na desnutrição há redução do colesterol sérico, porém a albumina não reflete o estado nutricional do paciente por ser uma proteína de fase aguda negativa.
A terapia nutricional pode incluir suplementos orais, nutrição enteral ou parenteral, tendo como regra prática, o cálculo de 20-30kcal/Kg de peso/dia e 0,8-1,5g de proteína/Kg de peso/ dia a depender da presença/ausência de comorbidades, se está hospitalizado ou não e da gravidade do estado de saúde.
Doses menores devem ser feitas em pacientes com DRC não dialítica, insuficiência hepática, em grandes queimados ou politraumatizados. Quando calorimetria indireta é disponível essa é preferível.
Estudos como EFFORT e o NOURISH mostram evidências de melhora funcional e redução nas taxas de reinternação e mortalidade em pacientes que receberam terapia nutricional adequada.
A nutrição enteral é indicada quando a alimentação via oral for inadequada. Já a nutrição parenteral estará indicada naqueles que possuírem TGI disfuncional, ou, de forma suplementar, quando a alimentação via oral estiver insuficiente.
Independentemente da via de nutrição deve-se estar atento para uma complicação comum e potencialmente fatal: a Síndrome de Realimentação. Tal distúrbio ocorre devido a aumento da insulinemia (consequente ao aumento da glicemia). A insulina carreia íons (potássio, fósforo e magnésio) para o meio intracelular levando a depleção desses no sangue causando hipofosfatemia, edema e falência respiratória e cardíaca.
Uma forma de evitá-la é iniciar o suporte nutricional de forma lenta e aumentar o volume gradualmente sempre após correção dos níveis séricos desses eletrólitos. A suplementação de tiamina nessa fase ajuda a evitar encefalopatia de Wernicke, que pode ser ameaçadora a vida.
Em suma, é importante avaliar o tratamento da desnutrição de forma individualizada, levando-se em consideração o estado de saúde do paciente, as condições clínicas associadas e melhor via para tratamento. Apesar de termos disponíveis a via oral, parenteral e enteral para manejo, ainda são necessários mais avanços na pesquisa para melhores técnicas que possam rastrear a desnutrição, entender o metabolismo anabólico x catabólico e assim, aprimorar a abordagem terapêutica.
Observação:
Siglas:
DPOC => Doença Pulmonar Obstrutiva Crônica
ICC => Insuficiência Cardíaca Congestiva
DRC => Doença Renal Crônica
AVC => Acidente Vascular Cerebral
NRS 2002 => Nutritional Risk Screening 2002
MUST => Malnutrition Universal Screening Tool
SNAQ => Short Nutritional Assessment Questionnaire
MST => Malnutrition Screening Tool
GLIM => Global Leadership Initiative on Malnutrition
Autoria
Letícia Japiassú
Médica endocrinologista com Residência Médica em Clínica Médica pelo Hospital Municipal Souza Aguiar (2008) e especialização pela Associação Brasileira de Nutrologia (2020). Possui graduação em Medicina pela Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (2006).
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