Impacto da vitamina D no diabetes mellitus gestacional
A vitamina D vem sendo um dos assuntos de maior “hype” dentro da endocrinologia, baseado na especulação de seus papeis além da saúde óssea. Tal curiosidade (e em certo ponto esperança) de efeitos extra-ósseos advém do fato de que diversas células apresentam receptores para vitamina D, o que suscita o questionamento sobre seu papel em outras áreas do metabolismo.
Seu papel durante a gestação também não é completamente compreendido, porém a sua deficiência vem sendo associada a piores perfis metabólicos, com maior risco de pré-eclâmpsia e de desenvolvimento de diabetes mellitus gestacional (DMG). Contudo, há poucas evidências de qualidade acerca do assunto e sobretudo se sua reposição poderia trazer benefícios em termos de redução de risco dessas comorbidades ou mesmo se haveria um papel em sua reposição.
Além disso, é sabido que a vitamina D pode desempenhar um papel no metabolismo glicêmico fora da gestação, sobretudo em indivíduos com intolerância à glicose ou pré diabetes, reduzindo o risco de progressão para diabetes. Ainda, é discutido se o uso do cálcio pode estar atrelado a redução do risco de pré-eclâmpsia em algumas populações de maior risco.
Com o objetivo de sintetizar e analisar os dados da literatura, foi elaborada uma revisão sistemática com metanálise realizada na China a respeito do impacto da suplementação de cálcio e vitamina D no diabetes mellitus gestacional (DMG).
Métodos do estudo
O estudo foi uma revisão sistemática com metanálise que, após os critérios de exclusão e seleção dos estudos, incluiu 5 ensaios clínicos randomizados (ECRs) que avaliaram especificamente o impacto da suplementação de vitamina D e cálcio em desfechos do metabolismo glicêmico e lipídico em gestantes diagnosticadas com DMG.
Para isso, autores independentes fizeram uma revisão da literatura utilizando base de dados do Pubmed, Web of science
Foi respeitado os princípios “PRISMA” para a elaboração da metanálise, isto é…
Os resultados foram reportados em diferença padronizada média (do inglês “Standardized Mean Difference”, ou SMD), medida utilizada para a comparação de variáveis contínuas entre diferentes ensaios clínicos randomizados quando os dados não são reportados como uma única unidade de mensuração, como foi o caso da glicemia nesses estudos. Nesse caso, considera-se uma SMD, ou seja, uma diferença média corrigida pelo desvio padrão dessas medidas. A interpretação do SMD é a seguinte:
- 0,2 é considerado um efeito pequeno
- 0,5 um efeito médio
- 0,8 um efeito grande.
*Caso tenha interesse em entender melhor sobre essa análise estatística, deixamos nas referências um artigo aberto que pode ajudar.
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A vitamina D parece melhorar o perfil glicêmico de gestantes com DMG
A metanálise concluiu que a suplementação da vitamina D e cálcio parece estar associada a um melhor perfil glicêmico, sobretudo a uma redução significativa na glicemia de jejum, com SMD de -0,67 (IC 95%; -0,93 a -0,43; p < 0,00001). Além disso, foi observado também um impacto em desfechos secundários como redução dos níveis de insulina (SMD -1,09; IC 95%; -1,89 a -0,29). Não houve heterogeneidade quanto ao desfecho primário.
O perfil lipídico parece ser menos impactado pelo uso de vitamina D
Apesar dos dados positivos na glicemia de jejum e na insulina, houve uma redução mais modesta nos níveis de LDL (SMD -0,35). Não houve impacto nos níveis de triglicérides ou de colesterol total.
Fragilidades e cuidados na análise
Um dos pontos relevantes é a ausência de dados a respeito dos níveis iniciais de vitamina D e quais níveis foram atingidos, não havendo portanto uma correlação estabelecida entre essas variáveis. Além disso, os esquemas de suplementação de vitamina D e cálcio variaram (doses de cálcio entre 800 e 1000 mg/dia e de vitamina D variaram entre 400 a 1000 UI/dia).
Além disso, o perfil das gestantes com DMG não foi bem estabelecido, podendo haver uma certa heterogeneidade quanto à presença ou não de fatores de risco adicionais para deficiência de vitamina D, como obesidade, por exemplo.
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Perspectivas
Fica claro, mais uma vez, que a vitamina D pode de fato trazer um impacto positivo em uma condição não associada à saúde óssea, que é o DMG. Contudo, mesmo com baixa heterogeneidade na metanálise, a pouca quantidade de estudos adicionados mostra que se trata de um assunto ainda pouco explorado e com poucas evidências, o que suscita a necessidade de realização de ensaios clínicos randomizados maiores para de fato compreendermos o papel da vitamina D nessa condição. Momentaneamente, a recomendação de uso da vitamina D na gestação permanece a mesma, com indicação de manter seus níveis acima de 30 ng/dL, visto que a gestação é uma das situações apontadas como de risco para sua deficiência.
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