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Medicina de Emergência25 dezembro 2023

Como manejar o paciente com diarreia aguda na emergência?

Uma condição comum no verão: segue um breve guia para o manejo da diarreia aguda em pacientes adultos no Brasil.

As doenças diarreicas, como a diarreia aguda, são uma das principais causas de morte no mundo, sendo que a maioria dos casos está associada a alimentos e água contaminados. Em um Brasil onde 50% da população não tem acesso à rede de esgoto esse é um dado preocupante.

Segue um breve guia para o manejo da diarreia aguda em pacientes adultos em países subdesenvolvidos, como o Brasil.

Veja também: Enchentes e contaminação: como abordar as doenças causadas pela água?

diarreia aguda

Diarreia

Diarreia é definida como a eliminação de fezes amolecidas ou aquosas por ao menos três vezes em um dia, podendo ser classificada como aguda (duração menor ou igual a 14 dias), persistente ou subaguda (entre 14 e 30 dias de duração) ou crônica (maior ou igual a 30 dias de duração). A presença de sangue ou muco nas fezes caracteriza a diarreia invasiva ou disenteria, que é comumente associada à dor abdominal e à febre.

Etiologia

A maioria dos casos de diarreia aguda é infecciosa e de caráter autolimitado, tendo como principais agentes: vírus (norovírus, rotavírus e adenovírus) e bactérias (Salmonella, Campylobacter, Shigella e Escherichia coli). Etiologias não infecciosas tornam-se mais comuns à medida que o curso da diarreia persiste e se torna crônico.

A maioria dos casos de diarreia infecciosa aguda é provavelmente viral, como indicado pela observação de que as culturas de fezes são positivas em apenas 1,5-5,6% dos casos. Entre os casos de diarreia grave, no entanto, as causas bacterianas são mais comuns. Os protozoários não costumam ser identificados como agentes etiológicos da doença aguda.

Avaliação clínica

A avaliação inicial de pacientes deve incluir uma história cuidadosa para determinar a duração dos sintomas, a frequência, as características das fezes e os sintomas associados. Além disso, deve-se tentar obter evidências de desidratação (por exemplo, urina escurecida e/ou oligúria, diminuição do turgor cutâneo, hipotensão ortostática).

Questionar sobre exposições em potencial, como histórico de alimentos, saneamento básico, exposição ocupacional, viagens recentes, animais de estimação e hobbies, também pode fornecer pistas adicionais do diagnóstico. O exame abdominal deve avaliar os achados que podem sugerir íleo adinâmico ou peritonite, incluindo distensão abdominal ou dor à palpação.

Exames complementares

Os exames laboratoriais não são necessários para a maioria dos pacientes com diarreia aguda. Se houver desidratação importante, um painel metabólico básico deve ser realizado para rastrear hipocalemia ou disfunção renal. O hemograma não distingue de maneira confiável a etiologia da diarreia, mas pode ser útil para sugerir doenças graves ou possíveis complicações (anemia e plaquetopenia, por exemplo, podem sugerir Síndrome hemolítico-urêmica).

As hemoculturas devem ser obtidas em pacientes com sinais de toxemia. A cultura de fezes deverá ser solicitada nas seguintes situações:

  • Doença grave (diarreia aquosa abundante, sinais de hipovolemia, ≥ 6 evacuações com fezes não formadas durante um dia, dor abdominal intensa, necessidade de hospitalização);
  • Características de diarreia inflamatória (diarreia com sangue, pus ou muco, em pequeno volume, associada à febre);
  • Paciente de alto risco para complicações pela diarreia aguda (idade ≥ 70 anos, doença cardiovascular, imunocomprometidos, história de Doença inflamatória intestinal, gravidez);
  • Sintomas persistentes por mais de uma semana;
  • Preocupação com a saúde pública (doenças diarreicas em manipuladores de alimentos, profissionais de saúde e indivíduos que trabalhem em creches).

Outros exames poderão ser solicitados em condições específicas: diarreia sanguinolenta justifica o teste para shigatoxina, leucócitos fecais e/ou lactoferrina, indicando o caráter invasivo da infecção. Os testes para Clostridioides difficile devem ser realizados em casos de uso recente de antimicrobianos ou exposição a cuidados de saúde. Os testes de parasitas não são necessários na maioria dos pacientes com diarreia aguda.

Considerações terapêuticas sobre a diarreia aguda

O ponto principal do tratamento da diarreia aguda é a reposição volêmica, preferencialmente por via oral, para pacientes não graves, com solução de reidratação oral. Adultos com hipovolemia grave devem receber inicialmente reposição de fluidos intravenosos. Assim que o status volêmico do paciente se reestabelecer, poderá ser realizada a transição para a via oral.

A nutrição adequada durante um episódio de diarreia aguda é importante e deve fazer parte do plano terapêutico do paciente.

Para a maioria dos pacientes com diarreia aguda e não associada a viagens não se deve utilizar antibióticos empiricamente, pois além de se ser um quadro autolimitado, na maioria das vezes é causada por vírus. Uma exceção são os surtos de cólera grave, onde os antimicrobianos podem reduzir a duração da doença e o volume de perda de líquidos (nesses casos o perfil de resistência local do Vibrio cholerae deverá ser consultado, já que os casos de resistência estão aumentando).

Sugere-se antibioticoterapia empírica para pacientes com doença grave, características sugestivas de infecção bacteriana invasiva (fezes com sangue ou muco) ou fatores do hospedeiro que aumentam o risco de complicações.

Nesse caso, opta-se por agentes com atividade contra Shigella, conforme a tabela a seguir:

AntimicrobianosDuração
Levofloxacino 500 mg por via oral uma vez ao dia3 dias
Ciprofloxacino 500 mg por via oral duas vezes ao dia (ou 750 mg por via oral uma vez ao dia)3 dias
Azitromicina 500 mg por via oral uma vez ao dia3 dias
Ceftriaxona 1-2 g por via endovenosa uma vez ao dia5 dias
Sulfametoxazol-trimetoprim 800/160 mg por via oral duas vezes ao dia5 dias
Ampicilina 500 mg por via oral a cada seis horas5 dias

Tabela 1. Dose e tempo de duração da terapêutica antimicrobiana para diarreias agudas

Vale ressaltar que nem todos os patógenos bacterianos (quando identificados) tem indicação de uso de antimicrobianos. Exemplo: a Shiga toxin-producing Escherichia coli (STEC) não deve ser tratada com antibióticos.

Outros medicamentos para a diarreia aguda

Antiparasitários devem ser usados somente para:

  • Amebíase, quando o tratamento de disenteria por Shigella fracassar ou em casos em que há presença de trofozoítos de Entamoeba histolytica nas fezes;
  • Giardíase, quando a diarreia durar 14 dias ou mais, se identificarem cistos ou trofozoítos nas fezes ou no aspirado intestinal.

Agentes antimotilidade: loperamida pode ser usada com cautela em pacientes nos quais a febre está ausente ou é de baixo grau e as fezes não têm sangue. Para pacientes com características clínicas sugestivas de disenteria (febre, fezes com sangue ou mucoide), sugere-se evitar agentes antimotilidade, a menos que antibióticos também sejam administrados devido a preocupações de prolongamento da doença.

Leia também: Antibióticos x flora intestinal: a importância do probiótico nesse período

Revisor:

  • Rafael Horácio Lisbôa – Médico formado pela Faciplac, Gama-DF ⦁ Residência em Clínica Médica pelo Hospital de Base do Distrito Federal ⦁ Rotineiro e Líder assistencial da Savie na enfermaria de Clínica Médica do Hospital Santa Helena, Rede D’Or, Brasília-DF ⦁ Plantonista do Centro Neurocardiovascular, Instituto Hospital de Base do Distrito Federal.
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Referências bibliográficas

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