Doença do refluxo gastroesofágico (DRGE): novas atualizações no manejo
Devido a prevalência da doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) e impacto na qualidade de vida do paciente, torna-se importante que o médico saiba reconhecer e tratar adequadamente a DRGE. Recentemente, a Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG) atualizou suas diretrizes para o manejo da DRGE, as quais serão abordadas aqui.
Entendendo a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) e a base do tratamento
A DRGE é marcada por uma exposição anormal ao ácido no esôfago e apresenta 2 fenótipos:
- Doença do refluxo não erosiva: sintomas ocorrem na ausência de lesões mucosas detectadas no exame endoscópico, em pacientes que não estão recebendo terapia supressora ácida.
- Doença do refluxo erosiva: há lesão mucosa detectada no exame endoscópico.
Os sintomas não se correlacionam com a presença de erosão. Para ambos os fenótipos, o tratamento de eleição é feito com supressão ácida com inibidores da bomba de próton (IBPs) ou bloqueadores ácidos competitivos com potássio (PCABs) por um período entre 4 a 8 semanas. Nas formas erosivas mais graves, especialmente esofagites grau C ou D, há necessidade de abordagem terapêutica mais agressiva, por vezes alcançada com PCABs.
A resposta ao tratamento é maior nas formas erosivas que não erosivas, provavelmente porque nas formas não erosivas estão incluídos pirose funcional e/ou hipersensibilidade esofágica ao refluxo com probabilidade improvável de resposta satisfatória aos IBPs. Dessa forma, na ausência da resposta ao tratamento com supressão ácida, deve-se considerar a presença de tais manifestações funcionais.
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Papel das medidas de estilo de vida na doença do refluxo gastroesofágico (DRGE)
Faltam estudos comprovando o real papel das modificações no estilo de vida no manejo da DRGE, todavia, recomenda-se a adoção de estratégias de forma individualizada com base fisiopatológica e com resultados corroborados na prática clínica. As principais modificações do estilo de vida recomendadas na DRGE estão sintetizadas a seguir:
- Perda de peso (em caso de sobrepeso e obesidade);
- Elevar a cabeceira da cama;
- Cessar tabagismo e etilismo;
- Evitar ingestão de alimentos 2-3 horas antes de deitar;
- Evitar alimentos que pioram os sintomas de DRGE (de forma individualizada);
- Evitar decúbito lateral direito.
Existe um IBP associado a melhor desfecho clínico?
Não existe diferença significativa no desfecho clínico entre os diferentes tipos de IBPs, embora existam variações na potência de supressão ácida entre eles.
Por exemplo, um estudo demonstrou que há aumento de cerca de 5% na probabilidade de cura da esofagite erosiva com esomeprazol na oitava semana, todavia isso resultou em uma redução absoluta do risco de 4% e um número necessário para tratar (NNT) de 25, não acarretando diferença significativa do ponto de vista clínico.
Existe diferença no desfecho clínico entre IBPs e PCABs?
Sim, o uso de PCABs apresentam resultados superiores, especialmente nas esofagites erosivas graves. Isso foi demonstrado em uma metanálise de ação direta de eficácia que comparou o uso de vonoprazana e lansoprazol. Os pacientes recebendo vonoprazana apresentaram aumento da porcentagem da cicatrização de mucosa em cerca de 19,6% nas esofagites graus C e D de Los Angeles.
Há espaço para o uso de procinéticos na doença do refluxo gastroesofágico (DRGE)?
Não existe recomendação do uso de procinéticos (metoclopramida, bromoprida ou domperidona) em pacientes com DRGE. Todavia, podem ser utilizados na presença de outras condições concomitantes que se beneficiem de seu uso, tais como gastroparesia e dispepsia com síndrome do desconforto pós-prandial.
A cisaprida era um procinético com efeitos benéficos na DRGE, todavia não é mais comercializada devido a efeitos cardiotóxicos.
Tratamento da DRGE refratária
Primeiro, é avaliar se realmente se trata de DRGE refratária, excluindo-se problemas de adesão e/ou diagnósticos diferenciais.
Em se tratando de DRGE refratária verdadeira, as seguintes estratégias podem ser utilizadas:
- Otimização do tratamento com IBP (dose dobrada, 2 vezes ao dia ou troca de droga);
- Uso de vonoprazana;
- Considerar o uso de baclofeno (agonista GABA B) em casos selecionados. Esse medicamento reduz o número de eventos de refluxo ácido e não ácido pós-prandial, todavia apresenta alta incidência de eventos adversos.
- Indicação criteriosa de tratamento cirúrgico de DRGE, especialmente naqueles com esofagite grave.
Como e para quem deve ser realizado o tratamento de manutenção?
Estima-se que dois terços dos pacientes com DRGE não erosiva apresentem recorrência dos sintomas após o término do tratamento e que quase todos os pacientes com esofagite erosiva grau C e D de Los Angeles terão recorrência dentro de 6 meses, necessitando de observação e tratamento contínuos.
A estratégia da terapia farmacológica de manutenção deve ser individualizada, podendo ser de forma contínua ou sob demanda.
Quais os principais riscos do uso prolongado de IBP?
Há muitas especulações de riscos com o uso prolongado de IBP, todavia a maioria carece de comprovação. Sabe-se que há um pequeno aumento, estatisticamente significativo, de infecções entéricas entre os pacientes que fazem uso crônico de IBP, todavia não de outros eventos adversos.
Todavia, alguns cuidados devem ser tomados em relação aos seus potenciais riscos, especialmente em populações especiais, como idosos, imunossuprimidos, pacientes sob risco de doença óssea e renal. Nesses pacientes, recomenda-se a monitorização de níveis de vitamina B12, magnésio, cálcio, vitamina D e função renal de forma periódica.
Tratamento de refluxo não ácido
O tratamento do refluxo não ácido carece de recomendações definitivas, devendo ser individualizado. As seguintes estratégias podem auxiliar: mudanças comportamentais; aumento da supressão ácida; uso de alginato, baclofeno, buspirona, procinéticos e cirurgia antirrefluxo em pacientes cuidadosamente selecionados.
Tratamento cirúrgico na doença do refluxo gastroesofágico (DRGE)
O tratamento cirúrgico requer avaliação minuciosa pré operatória, devendo ser considerado em pacientes com DRGE comprovada, refratária ao tratamento clínico. Não há benefícios bem estabelecidos da cirurgia nas manifestações extraesofágicas da DRGE.
O tratamento cirúrgico deve ser considerado nas seguintes situações:
- Esofagite de refluxo grave (C/D – classificação de Los Angeles).
- Hérnias de hiato sintomáticas maiores que 5 cm;
- Eventos adversos ou refratariedade aos IBPs.
- Refluxo fracamente ácido comprovado em casos selecionados com clara associação sintomática.
Procedimentos endoscópicos, como fundoplicatura transoral e STRETTA, necessitam de mais estudos a longo prazo para serem recomendados. Contudo, podem ser indicados de forma individualizada.
Papel do ensaio terapêutico com IBP
O teste terapêutico com IBP durante 8 semanas não deve ser realizado de forma rotineira, pois é uma estratégia controversa. Sabe-se que a resposta à terapia com IBP não equivale necessariamente a um diagnóstico de DRGE, apresentando sensibilidade de 71-78% e especificidade de 44-54% quando comparado à avaliação por endoscopia e pHmetria.
O teste terapêutico com IBP não deve ser realizado em pacientes com manifestações extraesofágicas exclusivas, tais como tosse, pigarro, rouquidão, disfonia e globus.
Esse teste pode ser considerado em pacientes jovens com sintomas típicos e forte suspeita diagnóstica de DRGE. Todavia, há de se recordar que a resposta ao mesmo não é capaz de confirmar ou excluir DRGE.
Mensagens práticas
- A base do tratamento da DRGE consiste na supressão ácida por IBPs ou PCABs.
- Modificações do estilo de vida também são recomendadas.
- A manutenção do tratamento deve ser feita de forma individualizada, sob demanda ou de forma contínua.
- O uso crônico de IBP requer acompanhamento, especialmente nos idosos e indivíduos imunocomprometidos.
- A indicação de cirurgia deve ser cuidadosa, certificando-se do diagnóstico de certeza de DRGE.
- O teste terapêutico com IBP é controverso devido a sua baixa sensibilidade e especificidade.
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