Manejo da diverticulite aguda: intervenção cirúrgica ou tratamento conservador?
Diverticulite é uma condição de alta prevalência, apresentando impacto clínico e econômico nos cuidados de saúde. Todavia, o cuidado da diverticulite não complicada vem mudando, com alguns pacientes sendo acompanhados de forma ambulatorial. Houve uma redução de intervenção cirúrgica de 33,7% no período entre 2006 e 2013.
Veja também: Doença de Crohn: abordagem diagnóstica e conduta frente a achados
Classificações da diverticulite aguda
A diverticulite aguda pode ser dividida em não complicada e complicada. A classificação de Hinchey modificada obtida com auxílio da tomografia de abdômen e pelve auxilia no manejo desses pacientes.
- Diverticulite não complicada: inflamação de um divertículo colônico localizada, sem abscesso ou perfuração.
- Diverticulite complicada: inflamação de um divertículo colônico complicada com flegmão, abscesso e/ou perfuração.
Classificação de Hinchey modificada
- 0: diverticulite clínica leve
- Ia: Inflamação ou flegmão pericólico confinados
- Ib: Abscesso pericólico/ mesocólico confinado
- II: Abscesso pélvico, retroperitoneal ou intra- abdominal distante
- III: Peritonite purulenta generalizada
- IV: Peritonite fecal generalizada
Recentemente, foi publicado um artigo de revisão sobre o manejo da diverticulite aguda esquerda no JAMA, que será discutido aqui.
Manifestações clínicas e diagnóstico
Os sintomas clássicos da diverticulite incluem dor abdominal em quadrante inferior esquerdo, com sinais de irritação peritoneal e leucocitose. Na história clínica deve-se questionar sobre piúria, fecalúria, pneumatúria, saída de fezes pela vagina a fim de avaliar possíveis fístulas colovesical ou colovaginal.
A tomografia de abdômen e pelve é o exame de escolha, sempre que possível. Pode evidenciar espessamento da parede do cólon, aumento da densidade da gordura pericólica, abscesso, fístula, presença de gás ou líquido extraluminal.
Existem estudos avaliando o papel da PCR, procalcitonina e calprotectina fecal na avaliação de diverticulite, porém o uso desses marcadores permanece incerto.
Prevenção da diverticulite aguda
A etiologia da diverticulose engloba fatores genéticos, alimentares, de estilo de vida, inflamatórios e da microbiota intestinal.
Apesar de carecer de estudos de alta qualidade, as medidas de estilo de vida são recomendadas na prevenção da diverticulite, visto serem intervenções de baixo custo e com benefícios na promoção de saúde.
Essas medidas incluem:
- Consumo moderado de carne vermelha (menos de 51 g/dia)
- Aumento do consumo de fibra (aproximadamente 23 g/dia)
- Exercício físico regular (cerca de 2h por semana)
- IMC dentro da normalidade
- Ausência de tabagismo
Existem ainda um estudo em andamento (IMPEDE) avaliando os benefícios da dieta mediterrânea na prevenção de recorrência de diverticulite aguda, visto que esse tipo de dieta está associado a menor grau de inflamação.
Há ainda estudos avaliando a microbiota dos pacientes com diverticulite complicada, nos quais foi verificado aumento de bactérias redutoras de sulfato. O consumo de fibras está associado a melhor perfil de microbiota.
Manejo da diverticulite aguda não complicada
As evidências para o não uso de antibiótico na diverticulite aguda não complicada vêm aumentando para pacientes de baixo risco (sem comorbidades significativas, ausência de sinais de inflamação sistêmica e/ou ausência de imunossupressão).
O estudo DINAMO realizado em 2021 foi um estudo multicêntrico randomizado avaliando tratamento sintomático (ibuprofeno ou paracetamol) versus tratamento com antibiótico (amoxicilina com clavulanato) em pacientes com diverticulite aguda não complicada de baixo risco, demonstrando não inferioridade entre ambas as terapias, desde que garantida reavaliação do paciente.
No entanto, uma enquete recente na sociedade de cirurgiões do aparelho digestivo e endoscopistas evidenciou que apenas 26% dos cirurgiões integraram essas recomendações na prática e 50% responderam que considera improvável que essa recomendação altere a prática clínica.
Manejo não cirúrgico na diverticulite aguda complicada
Cerca de 80% dos pacientes com diverticulite complicada podem não receber tratamento cirúrgico, beneficiando-se de antibioticoterapia associada ou não à drenagem percutânea de abscesso. Abscessos maiores do que 3 cm se beneficiam de drenagem percutânea.
A terapia cirúrgica está reservada para aqueles pacientes que não respondem à antibioticoterapia e/ou tem contraindicação à drenagem percutânea.
A colonoscopia está indicada para os pacientes com diverticulite aguda complicada tratados sem cirurgia, a partir de seis semanas da resolução do quadro, a fim de evitar complicações como perfuração. Isso é importante pois o risco de neoplasias malignas é aumentado nos pacientes com diverticulite aguda complicada 11% vs. 1% na diverticulite não complicada.
Leia ainda: Pancreatite aguda: drenagem imediata ou adiada?
Cirurgia eletiva na diverticulite aguda
Após tratamento não cirúrgico bem sucedido na diverticulite aguda, a colectomia eletiva é recomendada na doença complicada por fístula, obstrução ou estenose.
O estudo RCT laser comparou a ressecção laparoscópica eletiva de sigmoide com tratamento conservador em pacientes com diverticulite recorrente, complicada ou persistente a fim de avaliar melhora da qualidade de vida entre os grupos. Foi evidenciado que o índice de qualidade de vida melhorou no grupo recebendo tratamento cirúrgico (11,8 pontos versus 0,2 pontos).
Dessa forma, deve-se considerar tratamento cirúrgico eletivo para alguns casos de diverticulite aguda complicada, levando em consideração o risco cirúrgico do paciente, suas percepções individuais sobre o tratamento cirúrgico x conservador, a gravidade da doença e a facilidade de obter assistência médica.
Cirurgia de emergência na diverticulite
Cerca de 32% dos pacientes hospitalizados com diverticulite aguda necessitam de cirurgia de emergência. As suas principais indicações são:
- Peritonite difusa
- Instabilidade hemodinâmica relacionada à peritonite fecal ou purulenta
- Refratariedade ao tratamento clínico
A taxa de mortalidade em 30 dias após colectomia de emergência na diverticulite aguda é de 5,1%, sendos os seus principais fatores de risco:
- Idade acima de 80 anos
- ASA IV ou V
- Creatinina maior que 1,2 mg/dl
- Albumina menor que 2,5 g/ dl
A técnica mais classicamente utilizada é a colectomia a Hartmann com colostomia terminal. Todavia, evidências recentes sugerem que a ressecção com anastomose primária pode melhorar a morbimortalidade em alguns casos. Na prática, a adoção do tratamento com anastomose primária ainda é baixa.
Técnicas minimamente invasivas
Técnicas como cirurgia laparoscópica e robótica são um desafio na diverticulite aguda, devido ao seu caráter inflamatório, que cursa com espessamento da parede intestinal e aderência aos órgãos adjacentes.
O estudo STIGMA comparou a cirurgia eletiva laparoscópica e aberta para pacientes com dois ou mais episódios de diverticulite aguda com ou sem abscesso, com ultimo episódio de diverticulite há pelo menos três meses. Houve redução de complicações pós-operatórias, tempo de internação e melhoria de qualidade de vida no grupo submetido à laparoscopia.
Um estudo retrospectivo comparou taxas de conversão para cirurgia aberta entre pacientes com ressecção eletiva de sigmoide na doença diverticular submetidos a técnicas laparoscópica versus robótica. Houve maior conversão para cirurgia aberta na técnica laparoscópica 13,6% versus 8,3% na robótica, tornando essa técnica promissora.
Cirurgia de controle de danos
A cirurgia de controle de danos com lavagem laparoscópica e posterior colectomia em um segundo tempo é uma técnica alternativa na diverticulite Hinchey III ou IV.
No entanto, ensaios clínicos avaliando benefícios a curto prazo mostram complicações adicionais adotando essa estratégia.
Todavia, resultados a longo prazo são promissores. O estudo SCANDIV, que avaliou resultados de cinco anos, mostrou taxas de complicações semelhantes entre os grupos.
A lavagem laparoscópica tem eficácia limitada, todavia a estratégia em dois tempos é promissora em reduzir o tempo operatório de pacientes gravemente enfermos.
- 1 tempo: ressecção de emergência de cólon doente + lavagem + fechamento temporário
- 2 tempo: após 24 a 48 horas, reconstrução definitiva + anastomose colorretal com ou sem ileostomia de proteção
Uma revisão incluindo 256 pacientes submetidos a essa estratégia, observou que 73% obtiveram sucesso na anastomose colorretal na segunda cirurgia e mais de 50% tiveram alta sem estoma.
Imunossuprimidos
Os pacientes imunossuprimidos apresentam maior mortalidade após cirurgia de urgência e maiores taxas de complicações após cirurgia eletiva. A decisão nesses grupos deve ser individualizada.
Saiba mais: Doença do refluxo gastroesofágico (DRGE): novas atualizações no manejo
Mensagens práticas
A diverticulite aguda é uma condição médica de alta prevalência, especialmente com o envelhecimento da população e os hábitos de vida da sociedade atual.
O seu manejo conservador vem crescendo e em alguns casos deve-se considerar tratamento apenas com sintomáticos. Todavia, alguns casos ainda requerem tratamento cirúrgico eletivo ou de urgência.
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.