Síndrome do intestino irritável: Como lidar com os casos difíceis?
A síndrome do intestino irritável (SII), alocada no espectro das desordens do eixo cérebro-intestino, é uma condição de alta prevalência e caracterizada por dor abdominal recorrente ou crônica, associada à diarreia (SII-D), constipação intestinal (SII-C) ou ambas (SII-M: mista).
A gravidade é mensurada com base no impacto que impõe à qualidade de vida, podendo ser leve, moderada ou intensa, na magnitude em que afeta as atividades da vida diária (atividades sociais, autocuidado/lazer, escolares/acadêmicas e laborativas), sono e humor, entre outros.
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As estratégias para a abordem foram sintetizadas na sequência:
Segurança e confiança no diagnóstico e no tratamento a partir de uma boa relação médico-paciente:
A escuta ativa, com atenção às pautas do paciente, estimuladas por perguntas iniciais abertas, avaliadas sem julgamentos e com empatia, é fundamental. Posteriormente, as perguntas mais objetivas, que visam atender também às pautas do médico, auxiliam na melhor compreensão do agravo.
Deve-se sempre buscar a validação das queixas, levando-se em conta as crenças e preocupações pessoais.
É muito comum que o paciente traga dúvidas sobre o diagnóstico e medos de doenças orgânicas graves subjacentes. Uma resposta imediata costumeiramente é embarcar em uma infinidade de exames, para provar que nenhuma condição orgânica está sendo negligenciada. Essa conduta, entretanto, é maléfica, pois perpetua a angústia e desconfiança, além de onerar, sobremaneira, os sistemas de saúde e o paciente, expondo-o a riscos diretamente relacionados aos procedimentos e aos eventuais incidentalomas.
O diagnóstico da SII, conforme preconizado pelo ROMA IV, deve ser positivo, ou seja, a partir de um contexto clínico apropriado, com a exclusão de sinais de alarme (início de sintomas após os 50 anos, sangramento retal não atribuível à etiologia orificial, emagrecimento não intencional, anemia ferropênica, diarreia noturna e histórico familiar de câncer colorretal, doença inflamatória intestinal ou doença celíaca) e a realização de uma propedêutica de triagem enxuta (hemograma, proteína C reativa, calprotectina fecal e sorologia para doença celíaca).
A colonoscopia, na ausência de sinais de alarme, deve ser ofertada conforme as recomendações de triagem direcionadas ao câncer colorretal.
Na prática, isso significa que, na maioria dos casos, não há a necessidade de exclusão sistemática de uma miríade de condições orgânicas improváveis.
Alguns entre os inúmeros diagnósticos diferenciais da SII (as mais prevalentes em negrito) |
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O freamento do ímpeto investigativo deve ser amparado no processo de educação do paciente sobre a sua condição, com explicações básicas sobre a fisiopatologia, os fatores precipitantes e as estratégias para lidar com os sintomas.
Intervenções nutricionais:
A abordagem multiprofissional é sempre desejável, contando com a colaboração de um nutricionista experiente, sendo as evidências mais robustas para a dieta com baixo teor de FODMAPs.
Amparo psicológico e incentivo à terapia cognitivo comportamental (TCC):
A TCC é especialmente útil nos sintomas gastrointestinais precipitados pela ansiedade, que muitas vezes torna-se um amplificador da experiência dos sintomas. O apoio psicológico é ainda muito relevante nas comorbidades psiquiátricas e na presença de eventos estressores e traumáticos que possam ter desencadeado ou exacerbado a SII.
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Farmacoterapia com alvo no intestino:
Os medicamentos dedicados primariamente ao intestino, como os antiespasmódicos e antidiarreicos, são relevantes diante de dor abdominal ou diarreia claramente associados ao período pós-prandial.
As alternativas incluem a administração de escopolamina, pinavério, mebeverina ou brometo de otilônio (no espectro da dor) ou antidiarreicos (loperamida ou racecadotrila) no período pré-prandial, precedendo as refeições em 30 a 60 minutos nos momentos de exacerbação dos sintomas.
Fenótipo | Opções |
SII-C | Psyllium;
PEG; Lubiprostona; Prucaloprida. |
SII-D | Loperamida (2 mg SOS → 4 mg 6/6h);
Rifaximina (550 mg 8/8h por 14 dias) |
Diarreia colecistoentérica | Colestiramina (2-4 g/dia → 24 g/dia). |
Farmacoterapia com alvo no sistema nervoso central (SNC):
Os neuromoduladores centrais são particularmente úteis nos casos de SII com sintomas moderados a graves.
A presença de sintomas acentuados ou refratários geralmente está associada a fatores centrais, precipitados por estressores psicossociais ou comorbidades psiquiátricas, em que a hipervigilância atua como fator de amplificação.
A amitriptilina é o carro-chefe nesse cenário, por agregar propriedades de inibidor da recaptação de serotonina e noradrenalina (IRSN), anticolinérgicas e anti-histamínicas, com potencial de redução da dor abdominal e diarreia, além de melhorar o sono. Diante de preocupações com efeitos anticolinérgicos, como em idosos ou indivíduos com prostatismo, por exemplo, a nortriptilina tende a ser mais bem tolerada.
Nos pacientes com SII-C, a duloxetina se destaca, especialmente na concomitância de depressão e fibromialgia, reduzindo a dor visceral e atuando nas comorbidades, às custas de menor impacto sobre a constipação do que os tricíclicos.
Em casos individualizados, outras estratégias podem ser consideradas, como os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (úteis diante de ansiedade e depressão concomitantes); antidepressivos tetracíclicos, como a mirtazapina (interessantes na presença de dispepsia com desconforto pós-prandial, insônia e em idosos); e a pregabalina (falha terapêutica com tricíclicos e IRSN ou coexistência de dor neuropática ou fibromialgia).
Conclusão e Mensagens práticas
- Os casos de SII de difícil tratamento muitas vezes apontam para uma fragilidade da relação médico-paciente. Dessa forma, nunca é demais enfatizar que é fundamental a escuta ativa, a validação do sofrimento e a adoção de estratégias individualizadas de abordagem.
- O diagnóstico de SII, conforme as recomendações do consenso de ROMA IV, é positivo, ou seja, pautado na entrevista médica, exame físico, identificação de sinais de alarme e realização de propedêuticas enxutas. Logo, é contraproducente e iatrogênica a busca obstinada por toda uma miríade de improváveis etiologias orgânicas.
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