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Gastroenterologia4 novembro 2024

Síndrome do intestino irritável: Como lidar com os casos difíceis?

A síndrome do intestino irritável (SII), alocada no espectro das desordens do eixo cérebro-intestino, é uma condição de alta prevalência.
Por Leandro Lima

A síndrome do intestino irritável (SII), alocada no espectro das desordens do eixo cérebro-intestino, é uma condição de alta prevalência e caracterizada por dor abdominal recorrente ou crônica, associada à diarreia (SII-D), constipação intestinal (SII-C) ou ambas (SII-M: mista).    

A gravidade é mensurada com base no impacto que impõe à qualidade de vida, podendo ser leve, moderada ou intensa, na magnitude em que afeta as atividades da vida diária (atividades sociais, autocuidado/lazer, escolares/acadêmicas e laborativas), sono e humor, entre outros.  

Leia mais: Síndrome do intestino irritável: quais as diretrizes de tratamento?

As estratégias para a abordem foram sintetizadas na sequência:  

síndrome do intestino irritável

Segurança e confiança no diagnóstico e no tratamento a partir de uma boa relação médico-paciente: 

A escuta ativa, com atenção às pautas do paciente, estimuladas por perguntas iniciais abertas, avaliadas sem julgamentos e com empatia, é fundamental. Posteriormente, as perguntas mais objetivas, que visam atender também às pautas do médico,  auxiliam na melhor compreensão do agravo.   

Deve-se sempre buscar a validação das queixas, levando-se em conta as crenças e preocupações pessoais. 

É muito comum que o paciente traga dúvidas sobre o diagnóstico e medos de doenças orgânicas graves subjacentes. Uma resposta imediata costumeiramente é embarcar em uma infinidade de exames, para provar que nenhuma condição orgânica está sendo negligenciada. Essa conduta, entretanto, é maléfica, pois perpetua a angústia e desconfiança, além de onerar, sobremaneira, os sistemas de saúde e o paciente, expondo-o a riscos diretamente relacionados aos procedimentos e aos eventuais incidentalomas.  

O diagnóstico da SII, conforme preconizado pelo ROMA IV, deve ser positivo, ou seja, a partir de um contexto clínico apropriado, com a exclusão de sinais de alarme (início de sintomas após os 50 anos, sangramento retal não atribuível à etiologia orificial, emagrecimento não intencional, anemia ferropênica, diarreia noturna e histórico familiar de câncer colorretal, doença inflamatória intestinal ou doença celíaca) e a realização de uma propedêutica de triagem enxuta (hemograma, proteína C reativa, calprotectina fecal e sorologia para doença celíaca).  

A colonoscopia, na ausência de sinais de alarme, deve ser ofertada conforme as recomendações de triagem direcionadas ao câncer colorretal. 

Na prática, isso significa que, na maioria dos casos, não há a necessidade de exclusão sistemática de uma miríade de condições orgânicas improváveis.  

 

Alguns entre os inúmeros diagnósticos diferenciais da SII (as mais prevalentes em negrito) 
  • Doença inflamatória intestinal; 
  • Doença celíaca;  
  • Câncer colorretal;  
  • Parasitoses intestinais; 
  • Doença ulcerosa péptica;  
  • Doenças hepatobiliares;  
  • Insuficiência pancreática;  
  • Isquemia mesentérica crônica;  
  • Insuficiência adrenal;  
  • Febre familiar do mediterrâneo; 
  • Angioedema hereditário;  
  • Porfiria intermitente aguda;  
  • Intoxicação por chumbo. 

O freamento do ímpeto investigativo deve ser amparado no processo de educação do paciente sobre a sua condição, com explicações básicas sobre a fisiopatologia, os fatores precipitantes e as estratégias para lidar com os sintomas.  

Intervenções nutricionais: 

A abordagem multiprofissional é sempre desejável, contando com a colaboração de um nutricionista experiente, sendo as evidências mais robustas para a dieta com baixo teor de FODMAPs. 

Amparo psicológico e incentivo à terapia cognitivo comportamental (TCC):  

A TCC é especialmente útil nos sintomas gastrointestinais precipitados pela ansiedade, que muitas vezes torna-se um amplificador da experiência dos sintomas. O apoio psicológico é ainda muito relevante nas comorbidades psiquiátricas e na presença de eventos estressores e traumáticos que possam ter desencadeado ou exacerbado a SII.  

Veja também: Síndrome do intestino irritável e a relação com a saúde e a autoestima da mulher

Farmacoterapia com alvo no intestino: 

Os medicamentos dedicados primariamente ao intestino, como os antiespasmódicos e antidiarreicos, são relevantes diante de dor abdominal ou diarreia claramente associados ao período pós-prandial.  

As alternativas incluem a administração de escopolamina, pinavério, mebeverina ou brometo de otilônio (no espectro da dor) ou antidiarreicos (loperamida ou racecadotrila) no período pré-prandial, precedendo as refeições em 30 a 60 minutos nos momentos de exacerbação dos sintomas. 

 

Fenótipo Opções 
SII-C Psyllium; 

PEG; 

Lubiprostona;  

Prucaloprida. 

SII-D Loperamida (2 mg SOS → 4 mg 6/6h); 

Rifaximina (550 mg 8/8h por 14 dias) 

Diarreia colecistoentérica  Colestiramina (2-4 g/dia → 24 g/dia). 

 

Farmacoterapia com alvo no sistema nervoso central (SNC): 

Os neuromoduladores centrais são particularmente úteis nos casos de SII com sintomas moderados a graves.  

A presença de sintomas acentuados ou refratários geralmente está associada a fatores centrais, precipitados por estressores psicossociais ou comorbidades psiquiátricas, em que a hipervigilância atua como fator de amplificação.  

A amitriptilina é o carro-chefe nesse cenário, por agregar propriedades de inibidor da recaptação de serotonina e noradrenalina (IRSN), anticolinérgicas e anti-histamínicas, com potencial de redução da dor abdominal e diarreia, além de melhorar o sono. Diante de preocupações com efeitos anticolinérgicos, como em idosos ou indivíduos com prostatismo, por exemplo, a nortriptilina tende a ser mais bem tolerada.  

Nos pacientes com SII-C, a duloxetina se destaca, especialmente na concomitância de depressão e fibromialgia, reduzindo a dor visceral e atuando nas comorbidades, às custas de menor impacto sobre a constipação do que os tricíclicos.  

Em casos individualizados, outras estratégias podem ser consideradas, como os inibidores seletivos da recaptação de serotonina (úteis diante de ansiedade e depressão concomitantes); antidepressivos tetracíclicos, como a mirtazapina (interessantes na presença de dispepsia com desconforto pós-prandial, insônia e em idosos); e a pregabalina (falha terapêutica com tricíclicos e IRSN ou coexistência de dor neuropática ou fibromialgia). 

Conclusão e Mensagens práticas 

  • Os casos de SII de difícil tratamento muitas vezes apontam para uma fragilidade da relação médico-paciente. Dessa forma, nunca é demais enfatizar que é fundamental a escuta ativa, a validação do sofrimento e a adoção de estratégias individualizadas de abordagem.  
  • O diagnóstico de SII, conforme as recomendações do consenso de ROMA IV, é positivo, ou seja, pautado na entrevista médica, exame físico, identificação de sinais de alarme e realização de propedêuticas enxutas. Logo, é contraproducente e iatrogênica a busca obstinada por toda uma miríade de improváveis etiologias orgânicas.  

 

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Referências bibliográficas

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