Entendendo o impacto da endometriose na vida das mulheres
A endometriose é definida como a presença de tecido endometrial fora da cavidade uterina. As mulheres com essa condição podem apresentar dor pélvica crônica, dispareunia, dismenorreia, disúria e disquezia, além de infertilidade.
Cada vez mais a endometriose tem sido considerada uma condição sistêmica, pois se apresenta com alterações hormonais e inflamações crônicas levando a efeitos multidimensionais da doença com uma alta prevalência de outras condições incluindo problemas de saúde mental.
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O diagnóstico demorado e tratamentos inefetivos vindos de falta de conhecimento sobre a sua etiologia e a variabilidade da progressão impõe significativos desafios no manejo da doença. A endometriose apresenta efeitos prejudiciais no estado geral da mulher, no seu bem-estar, na saúde física, mental, social e sexual. Além disso também representa um prejuízo para o aspecto social e econômico, tanto para as mulheres como para a economia da sociedade em geral.
Um estudo de revisão sistemática publicado em setembro de 2024 pela BMC Women’s Health sistematiza as evidências existentes sobre essa complexa relação entre a endometriose e a qualidade de vida de uma perspectiva mais ampla incluindo aspectos físicos e mentais além de fornecer uma compreensão melhor dos desafios encarados pelas mulheres que vivem com endometriose.
Foi realizado uma revisão sistemática de revisões sistemáticas publicadas até janeiro de 2022 incluindo estudos que analisavam o impacto da endometriose na qualidade de vida da mulher. Ao final da seleção, 15 artigos foram incluídos e geraram os principais resultados apresentados aqui.
Os principais aspectos analisados são:
Dor
A dor crônica é o sintoma mais importante da endometriose assim como o maior estressor e contribuidor para queda do escore da qualidade de vida. A dor não está diretamente relacionada com a extensão da endometriose, mas é encontrada mais frequentemente na presença concomitante de depressão, ansiedade e transtorno catastrófico. A dor também pode ser exacerbada por possíveis interações com o estresse emocional gerado por frequentes problemas como a prejuízo na vida sexual ou infertilidade, piorando a qualidade de vida. Padrões cognitivos negativos desenvolvidos por mulheres com estresse emocional, como a catastrofização também podem aumentar a experiência da dor.
Impacto social
Os sintomas e efeitos da doença têm uma influência significativa em todos os domínios da vida da mulher. Muitas são obrigadas a reduzir sua carga de trabalho ou deixar seus trabalhos pela severidade dos sintomas ou podem se sentir culpadas por não conseguir cumprir suas tarefas.
Impacto físico
As mulheres com endometriose sofrem de diversas doenças físicas como a enxaqueca. Os achados se devem a alterações bioquímicas na inflamação crônica que acompanha a endometriose com elevados níveis de prostaglandinas contribuindo para a patogênese da enxaqueca.
Impacto na saúde mental
A intensidade e severidade da depressão e ansiedade são maiores nas mulheres com endometriose. A prevalência de depressão e ansiedade dentre essas mulheres gira em torno de 20% a 85% (bem mais alta na população geral que gira em torno de 4,5% a 7%). O estresse psicológico de viver com uma dor crônica vai de encontro com a severidade da depressão e ansiedade que são os melhores preditores da qualidade de vida do que a severidade ou extensão das lesões da endometriose.
Impacto na vida sexual e relacionamentos
Cerca de 60% a 70% das mulheres com endometriose se queixam de alguma disfunção sexual afetando a qualidade de vida. A dispareunia traz outros prejuízos que agravam a vida sexual como a diminuição do desejo sexual, excitação, lubrificação e orgasmo. Uma performance sexual ruim está relacionada à angústia e efeitos prejudiciais no relacionamento que alteram inclusive os desejos reprodutivos do casal e geram emoções negativas nas parcerias.
Infertilidade
É um problema comum associado à endometriose, porém seu impacto na qualidade de vida não foi consistente entre os estudos analisados.
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Relacionamento com os profissionais de saúde
As queixas são frequentes de insatisfação e frustração no que se refere ao cuidado recebido pelos profissionais. O tempo longo para o diagnóstico leva à frustração e isolamento e aumenta o estresse psicológico, vergonha, ansiedade e sintomas depressivos. As mulheres com endometriose, frequentemente, relatam a experiência de estigma, invalidação e rejeição pelos profissionais de saúde, especialmente em centros primários de atenção.
A qualidade de vida é um dado crítico para pessoas que vivem com problemas crônicos além de estar relacionado com custos diretos e indiretos.
Deve-se considerar os efeitos multifatoriais e interconectados na saúde física, mental e emocional que atravessam a vida das mulheres com endometriose juntamente com o relacionamento complexo com o sistema de saúde.
Resumo e mensagem prática
A identificação de biomarcadores para um diagnóstico precoce e o desenvolvimento de novas alternativas farmacológicas podem prevenir o estresse emocional e, consequentemente, a redução da qualidade de vida. Além disso, um atendimento multidisciplinar proativo, centrado na mulher, coordenado num sistema de saúde e voltado para uma compreensão clínica, mas também psicológica e sexual pode ajudar a superar a experiência negativa da mulher e reduzir os malefícios das consequências da endometriose.
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