Durante o 22º World Congress in Fetal Medicine, realizado entre os dias 29 de junho e 3 de julho de 2025 em Praga, na República Tcheca, especialistas compartilharam experiências e casos clínicos envolvendo medicina materno-fetal. Um dos destaques foi a apresentação da Dra. Kate Willes, do Reino Unido, que discutiu um caso de colestase intra-hepática gestacional (CIG) em paciente com doença inflamatória intestinal (DII).
Colestase gestacional em paciente em uso de azatioprina
O caso envolvia uma secundigesta de 33 semanas, portadora de retocolite ulcerativa em uso de azatioprina, um imunossupressor da classe das tiopurinas, frequentemente utilizado para manter a remissão de doenças autoimunes intestinais durante a gestação. A paciente apresentou prurido intenso, acompanhado de elevação de enzimas hepáticas e ácidos biliares, sendo diagnosticada com CIG, condição que eleva o risco de prematuridade, sofrimento fetal e óbito intrauterino.
Apesar do quadro clínico, optou-se por não iniciar o tratamento com ácido ursodesoxicólico (ursodeoxycholic acid), medicação utilizada para alívio dos sintomas e possível redução de complicações fetais na GIG. A gestante evoluiu com trabalho de parto pré-termo, e o recém-nascido desenvolveu paralisia cerebral, o que motivou ampla discussão sobre a conduta adotada.
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Durante a apresentação, Dra. Willes revisou evidências recentes sobre o uso do ácido ursodesoxicólico. Um dos estudos citados foi uma meta-análise com dados individuais de mais de 6900 mulheres, publicada no Lancet Gastroenterology & Hepatology, que mostrou nenhuma redução significativa no risco isolado de óbito fetal com o uso da medicação. No entanto, quando a análise foi restrita a ensaios clínicos randomizados, observou-se uma redução estatisticamente significativa no desfecho combinado de óbito fetal e parto prematuro (aOR 0,60; IC 95%: 0,39–0,91; p=0,016), reforçando o possível benefício clínico do tratamento antenatal com ursodesoxicólico, especialmente em casos mais graves ou com alto risco fetal.
Além disso, foram discutidos dados que sugerem uma associação entre a exposição antenatal às tiopurinas e o aumento do risco de CIG. Um estudo francês descreveu casos de colestase precoce e grave em gestantes com DII tratadas com azatioprina, com rápida resolução após a suspensão da medicação. Já um estudo retrospectivo de coorte identificou uma incidência significativamente maior de CIG entre pacientes com DII expostas a tiopurinas, comparadas a não expostas e a controles da população geral (9,0% vs 1,8% e 1,3%, respectivamente).
Mais recentemente, um estudo prospectivo multicêntrico publicado em 2024 forneceu novos insights sobre o mecanismo metabólico por trás dessa associação. O estudo demonstrou que, durante a gestação, há um fenômeno conhecido como “shunting metabólico das tiopurinas”, caracterizado por um aumento na razão entre 6-metilmercaptopurina (6-MMP) e 6-tioguanina (6-TGN). Esse desequilíbrio metabólico, observado em cerca de 25% das gestantes expostas, foi associado a maior risco de colestase intra-hepática, especialmente após aumentos de dose ou no terceiro trimestre.
Em suma, podemos agrupar algumas orientações clínicas baseadas nos achados mais recentes e na discussão do caso:
- Em pacientes com DII em uso de tiopurinas que desenvolvem colestase gestacional, considerar a avaliação dos metabólitos (MMP/TGN), quando disponível;
- Estratégias como o fracionamento da dose da tiopurina (split dosing) durante o segundo trimestre demonstraram ser eficazes para reduzir o shunting metabólico e potencialmente mitigar o risco de colestase;
- A decisão de manter ou suspender a tiopurina deve ser individualizada, com discussão multidisciplinar entre obstetras, gastroenterologistas e hepatologistas, ponderando os riscos de descompensação da DII materna e os riscos hepáticos e fetais;
- Uso do ácido ursodesoxicólico segue como uma opção a ser considerada, especialmente em casos com elevação significativa de ácidos biliares ou histórico de desfechos adversos.
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