Manejo de casais com aborto recorrente
De acordo com um estudo recente, a trombofilia não deve ser realizada de rotina nas pacientes com aborto de repetição.
Quando o casal tem três ou mais perdas gestacionais no primeiro trimestre, classificamos esse evento como aborto recorrente, o qual apresenta com uma prevalência de 5%. Tal condição acarreta problemas emocionais severos, interferindo em todos os aspectos da vida do casal. Por esse motivo, profissionais da área da saúde que prestam assistência a casais inférteis devem estar atualizados quanto às condutas corretas para o manejo dos casais com aborto recorrente.
Em julho de 2023, foi publicado um artigo no International Journal of Gynecology & Obstetrics, com o objetivo de revisar e atualizar as recomendações do manejo de casais com aborto recorrente.
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Os autores destacam a importância de realizar uma anamnese detalhada do casal, afinal, isso pode definir investigações específicas e tratamentos eficazes. Devemos perguntar sobre cada perda gestacional, para saber a idade gestacional que ocorreu, se houve necessidade de realizar curetagem, se houve dor e sangramento, se no momento apresentava ou tratava alguma infecção ou comorbidade.
Todos esses dados são de extrema importância para iniciar a investigação da etiologia do abortamento recorrente. Também devemos investigar se houve algum passado obstétrico com filho vivo, óbito fetal, pré-eclâmpsia, diabetes gestacional, enfim, toda a história obstétrica da paciente.
Dentro da história ginecológica, avaliar ciclo menstrual, pensando em patologias com síndrome dos ovários policísticos (SOP), adenomiose e endometriose. Perguntar sobre cirurgias ginecológicas prévias, como curetagem e miomectomia, também é relevante. Também é necessário saber sobre comorbidades, sendo que doenças autoimunes e tireoidopatias podem ser responsáveis por abortamento.
Nesse primeiro momento, já é necessário a abordagem multidisciplinar, com o objetivo de realizar um suporte emocional, ajudando o casal a passar por essa fase tão difícil e sensível. Além disso, é importante orientar os parceiros sobre os hábitos de vida saudáveis, como diminuir ingesta de bebidas alcoólicas, tabagismo, alimentação adequada, prática de exercícios físicos, suplementação de metilfolato e vitamina D.
Os exames laboratoriais de rotina para avaliar a saúde do casal devem ser feitos em ambos, já na mulher, também devemos solicitar exames hormonais, como FSH, LH, estradiol e hormônio antimulleriano. A investigação imunológica deve ser realizada em pacientes específicas quando se faz necessário, através da solicitação de FAN, antitireoglobulina, anticorpos gliadina, células natural killers e citocinas.
Uma orientação que pode ser um pouco polêmica é em relação a pesquisa de trombofilia. De acordo com os autores ela não deve ser realizada de rotina nas pacientes com aborto de repetição, pois a trombofilia adquirida tem baixa prevalência nessas pacientes, e a hereditária pode ser triada através de história familiar. Portanto, devemos pesquisar trombofilia apenas em pacientes com história de algum evento trombótico ou história familiar de trombofilia.
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A solicitação de cariótipo de casal deve ser baseada em história prévia de filhos ou parentes próximos com alguma cromossomopatia, não sendo mais solicitada para todos os casais com aborto recorrente.
Nessa atualização, fica bem evidente a necessidade de individualizar cada caso, atendendo o casal com o que realmente precisa, sem colocar todos os casais de abortamento recorrente no mesmo “bolo”, fazendo um protocolo “engessado”. Além de ser mais eficaz, gera menos ansiedade para os envolvidos e é mais econômico para o sistema de saúde.
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