O artigo intitulado “Relationship between uterine fibroids and risk of cancers: Population-based retrospective cohort study” foi publicado na revista International Journal of Gynecology & Obstetrics em 2025 e teve como objetivo investigar a relação entre a presença de miomas uterinos e o risco de desenvolvimento de diferentes tipos de câncer em mulheres coreanas.
Os miomas uterinos são tumores benignos comuns em mulheres em idade reprodutiva. Embora seus mecanismos fisiopatológicos ainda não estejam completamente esclarecidos, sabe-se que são fortemente influenciados por hormônios sexuais, especialmente o estrogênio. O aumento da sensibilidade do tecido miometrial aos hormônios, mediado por receptores de estrogênio, parece desempenhar papel relevante em seu desenvolvimento.
Estudos anteriores já haviam sugerido associação entre miomas e alguns tipos de cânceres ginecológicos, como ovário, endométrio, mama e tireoide, mas com limitações metodológicas, como ausência de controle para variáveis de confusão (por exemplo, paridade). Diante disso, os autores propuseram uma análise populacional robusta utilizando dados nacionais de saúde da Coreia do Sul, a fim de determinar se a presença de miomas, particularmente os tratados cirurgicamente, está associada a risco aumentado de câncer em diferentes sítios anatômicos.
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Metodologia
Trata-se de um estudo de coorte retrospectivo e populacional realizado com dados do Health Insurance Review and Assessment Service (HIRA), que reúne informações médicas de cerca de 98% da população da Coreia do Sul. Foram analisados registros entre 1º de janeiro de 2009 e 31 de dezembro de 2020, incluindo mulheres de 20 a 50 anos. As participantes foram divididas em dois grupos: o grupo com mioma uterino, formado por mulheres com diagnóstico e registro de miomectomia, e o grupo controle, composto por mulheres sem diagnóstico de mioma que realizaram exames de rotina. Foi adotado um período de depuração de dois anos (2009–2010) para excluir casos prevalentes, e mulheres com diagnóstico prévio de câncer foram removidas da amostra. O desfecho principal foi a ocorrência de câncer. Foram consideradas variáveis de controle idade, paridade, status socioeconômico, comorbidades, endometriose, menopausa, uso prévio de terapia hormonal e cirurgias anexiais. A análise estatística utilizou modelos de regressão de Cox para estimar o risco ajustado de câncer, com significância estabelecida em p<0,05.
Resultados
O estudo incluiu mulheres registradas no banco de dados nacional de saúde da Coreia (HIRA) entre 2009 e 2020. Inicialmente, foram identificadas 515.631 mulheres sem miomectomia e 234.061 mulheres submetidas à miomectomia por miomas uterinos. Após a exclusão das participantes com diagnóstico prévio de câncer, a amostra final compreendeu 714.171 mulheres, sendo 492.610 no grupo sem mioma e 221.561 no grupo com mioma uterino.
As mulheres com miomas eram, em média, mais velhas (40 anos [35–44]) que as do grupo controle (34 anos [28–41]), e apresentavam maior frequência de endometriose (13% vs. 1,9%), maior proporção de moradoras de áreas urbanas (62,6% vs. 52,8%) e maior prevalência de hipertensão (6,6% vs. 5,2%). A maioria das mulheres de ambos os grupos pertencia a faixas socioeconômicas médias ou altas.
Durante o seguimento médio de 4,1 anos, a incidência total de câncer foi significativamente maior no grupo com mioma (538,9 por 100.000 pessoas-ano) em comparação ao grupo sem mioma (308,3 por 100.000 pessoas-ano), resultando em uma razão de taxas bruta (IRR) de 1,72 (IC95%: 1,66–1,78; p<0,001).
As análises específicas mostraram maior risco de câncer em vários sítios: mama (IRR 1,75; p<0,001), útero (IRR 3,26; p<0,001), ovário (IRR 1,86; p<0,001), rim (IRR 1,65; p=0,002), tireoide (IRR 1,86; p<0,001) e retroperitônio/peritônio (IRR 3,53; p=0,002). Esses achados permaneceram significativos após ajuste multivariado no modelo de regressão de Cox, com risco global ajustado de câncer (HR 1,399; IC95%: 1,346–1,454; p<0,001).
O risco relativo ajustado também se manteve elevado nas diferentes faixas etárias: 1,908 (20–29 anos), 1,490 (30–39 anos) e 1,342 (40–49 anos). Além disso, hipertensão (HR 1,108; IC95%: 1,031–1,19) e endometriose (HR 1,085; IC95%: 1,009–1,167) foram fatores associados ao aumento adicional do risco de câncer entre mulheres com miomas uterinos.
Conclusão
Esses resultados indicam que a presença de miomas tratados cirurgicamente está associada a maior incidência de câncer em múltiplos sítios, particularmente em mama, útero, ovário, rim, tireoide e cavidade peritoneal/retroperitoneal, independentemente de idade, comorbidades ou fatores socioeconômicos.
Autoria

Ênio Luis Damaso
Doutor em Ciências Médicas pela Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo (FMRP-USP) ⦁ Professor no Curso de Medicina da Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB-USP) ⦁ Professor no Curso de Medicina da Universidade Nove de Julho de Bauru (UNINOVE).
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