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Pediatria23 outubro 2023

AAP 2023: Covid-19 e suas sequelas na pediatria

A dra. Ibukun Kalu trouxe em sua palestra o panorama atual da covid-19 em crianças, além das possíveis sequelas do quadro nessa faixa etária. 

Após todo o caos que a covid-19 trouxe durante os anos pandêmicos, finalmente saímos da fase mais crítica da doença. Mas isso não quer dizer que estamos livres do Sars-CoV-2. A doença continua ocorrendo e sendo um enorme desafio. Apesar do conhecimento acumulado até o momento, ainda temos muito a aprender e muito a discutir, principalmente no que diz respeito aos quadros pós infecção.    

No terceiro dia de AAP 2023, a dra. Ibukun Kalu, da Duke University, trouxe em sua palestra o panorama atual da covid-19 em crianças, além das possíveis sequelas do quadro nessa faixa etária. 

Epidemiologia atual da covid-19

Discutir a epidemiologia da covid-19 é bastante complexo quando pensamos globalmente. Assim, a médica especificou que os dados que ela trouxe são dados predominantes dos Estados Unidos. Apesar de não serem dados brasileiros, acredito que vale a pena a discussão, já que muito provavelmente a epidemiologia em nosso país vai seguir um padrão parecido.  

Segundo a Dra. Kalu, aparentemente estamos vivendo uma era de sazonalidade da covid-19 na faixa pediátrica, com mais casos descritos na estação do inverno, um pouco diferente do ocorrido em anos anteriores.  

As hospitalizações por covid-19 são mais comuns nos pacientes entre zero e cinco anos de idade, principalmente pela variante Ômicron. Outro dado interessante é que cerca de 54% das crianças abaixo de 17 anos hospitalizadas por covid-19 não apresentavam doenças de base. Isso é mais relevante ainda na faixa etária de 0 a 4 anos de idade. Crianças com idade igual ou maior que cinco anos, quando hospitalizadas, tinham maior chance de apresentar alguma comorbidade quando comparadas às crianças entre 0 e 4 anos.  

Dados da Inglaterra sugerem que, apesar das hospitalizações por covid-19 estarem diminuindo, existe uma chance de internação 8 vezes maior em crianças com comorbidades, especificamente doenças cardíacas ou cardiopatias congênitas, doença pulmonar crônica, asma grave, pacientes com traqueostomia ou dependentes de ventilação mecânica, síndromes genéticas, principalmente trissomia do 21, outras doenças crônicas múltiplas moderadas a graves, prematuridade (< 37 semanas de idade gestacional), condições de imunocomprimetimento, obesidade (IMC > p95 para idade e sexo), alterações neuromusculares (dificuldade de clearance de via aérea) e gestação.  

Outra importante informação que a palestrante trouxe é que a variante Ômicron se espalhou e apresenta mudanças específicas na dinâmica da infecção. Isso traz vários questionamentos.

  • Será que essas mudanças vão aumentar a disseminação da doença?
  • Haverá mudanças na doença clínica?
  • Os anticorpos já adquiridos, inclusive por vacinas, ainda serão protetores?
  • Os testes diagnósticos ainda serão válidos para essas novas variantes?
  • Não se sabe ainda as respostas para essas questões.  

Sem grandes mudanças evolutivas nos sintomas descritos 

As descrições de sintomas de covid-19 não variaram muito no decorrer dos últimos anos. Crianças continuam sendo geralmente assintomáticas. Nas crianças que apresentam sintomas, a maioria continua sendo congestão nasal, tosse, sintomas gastrointestinais como náuseas e vômitos (principalmente nas crianças menores) e febre. Os sintomas geralmente se sobrepõem com o de outras infecções virais. Sintomas de gravidade, como insuficiência respiratória, síndrome do desconforto respiratório agudo e, menos comumente, choque hemodinâmica, podem ocorrer.  

Os dados que a professora trouxe nas palestras mostraram que durante a predominância da variante Ômicron, as crianças americanas entre 0 e 4 anos foram hospitalizadas numa taxa cinco vezes maior do que durante a predominância da variante delta. Crianças com idades menores que seis meses, ou seja, que não são elegíveis para vacinação, tiveram a maior taxa de hospitalização, inclusive com sintomas semelhantes ao da bronquiolite.  

 Opções de tratamento da covid-19 na pediatria 

A maioria das crianças necessitará apenas de tratamento de suporte. Aumento da ingesta hídrica, repouso e uso de máscaras quando em ambiente público geralmente será suficiente. Com relação ao tratamento antiviral, ainda não é claro se ele é necessário em pacientes imunocompetentes e vacinados, principalmente quando falamos de crianças.  

Uma opção de tratamento antiviral para a covid-19 é o uso do Paxlovid, uma combinação de ritonavir e nirmatrelvir que está aprovado pela Food and Drug Administration (FDA) nos casos de covid-19 leve a moderado. Deve ser utilizado em pacientes que apresentem alto risco de progressão para covid-19 grave, dentro dos primeiros cinco dias de tratamento. Em crianças menores que 12 anos, os estudos foram pausados, e em adultos, não se observou benefício em pacientes sem comorbidades ou apenas com asma. Assim, a medicação está indicada em pacientes com 12 anos ou mais e 40 kg ou mais, que apresentem covid-19 leve a moderada, mas com risco de evolução para doença grave.  

O remdesivir é outra medicação aprovada pela FDA para uso ambulatorial, que deve ser realizado por três dias consecutivos, dentro do período de sete dias após o início dos sintomas. Não existem evidências suficientes para recomendar a favor ou contra o uso do remdesivir em pacientes ambulatoriais, mas a medicação está aprovada para uso em pacientes hospitalizados e não hospitalizados de idade igual ou acima de 28 dias e peso igual ou acima de 3 kg.  

Para os pacientes hospitalizados, algumas opções de tratamento incluem o remdesivir, corticoides como a dexametasona, imunomoduladores como o baracitinibe e o tocilizumab e anticoagulação.  

o Remdesivir parece reduzir o tempo de recuperação em adultos (dados insuficientes na pediatria) e por isso, está indicado em pacientes que apresentem necessidade nova ou aumentada de uso de oxigênio, dentro de dez dias do início dos sintomas. Deve ser utilizado por cinco dias ou até o momento da alta. Está indicado em pacientes com idade igual ou maior que 28 dias e peso maior ou igual a três kg, mas não há evidências de benefício para o seu uso em pacientes com menos de 12 anos sem necessidade de uso de oxigênio.  

A dexametasona pode ser utilizada em pacientes com covid-19 e que necessitam receber suporte respiratório. Nos estudos, não houve evidência de benefício, com um possível malefício, em pacientes que não necessitam de oxigênio e em crianças que apresentem bronquiolite viral de outras causas. Assim, antes de iniciar a dexametasona, é importante o descarte de outras causas associadas. Não está recomendada de rotina em crianças que necessitam apenas do uso convencional de oxigênio, mas pode ser utilizada em pacientes que necessitem de aumento das necessidades de oxigênio, principalmente adolescentes. Nos casos graves em que não há resposta adequada com o uso de dexametasona, os imunomoduladores podem ser utilizados, mas não há muitos estudos.  

Com relação aos eventos tromboembólicos, estudos sugerem que eles ocorrem em 2% dos pacientes e em 5% dos pacientes com síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica (SIM-P). Porém, não há evidência suficiente para recomendar a favor ou contra a realização de tromboprofilaxia na covid-19 pediátrica.  

Vacinas para covid-19 e prevenção  

Com as novas variantes Ômicron, as vacinas originais e a vacina bivalente deixaram de ser boas opções para a prevenção da doença. Nos Estados Unidos, atualmente existe uma vacina monovalente voltada para as novas variantes ômicron mais recentes.  

A pesquisadora enfatiza que existem muitas opções de esquemas vacinais isso pode ser um pouco confuso. Dessa forma, o ideal é que o médico consiga buscar as orientações governamentais para consulta.  

Com relação à duração da proteção da vacina, existem indícios que demonstram que a proteção vacinal é menor para a variante ômicron do que para as outras variantes. A eficácia da vacina contra infecções sintomáticas decresce rapidamente, chegando em alguns estudos a apenas três meses de duração. Isso é mais acentuado em crianças de 5 a 11 anos do que em adolescentes, possivelmente um resultado da dose menor realizada nesse grupo. Apesar disso, a pesquisadora enfatizou que a vacinação está recomendada e que ela apoia a vacinação em massa, mesmo com esses resultados. Isso porque existem estudos que indicam que há proteção da vacina para crianças vacinadas, comparadas com as não vacinadas, incluindo para dados de gravidade e mortalidade. Também existem estudos que sugerem uma proteção da vacina para fenômenos pós-covid em crianças.  

Sequelas pós infecção aguda pela covid-19 na pediatria 

Na pediatria, são reconhecidas duas síndromes pós infecção aguda da covid-19: a SIM-P e a covid longa.  

A SIM-P é uma condição hiperinflamatória grave e tardia que ocorre em crianças e adolescentes de duas a seis semanas após a infecção pelo Sars-CoV-2. Já a covid longa compreende uma série de sintomas, como dor de garganta, febre persistente, distúrbios do sono, fadiga, confusão mental e fraqueza muscular, entre outros, que podem ocorrer em crianças de diferentes idades.  A SIM-P já é um quadro bem estabelecido com propostas terapêuticas claras, mas com relação à covid longa, ainda não existe uma definição clara nem orientações para o seu tratamento.  

A palestrante relembrou que a SIM-P parece ser um quadro semelhante à doença de Kawasaki, com a doença de Kawasaki acometendo crianças mais jovens que na SIM-P. Os pacientes com SIM-P se apresentam com quadro de febre persistente, associada a um ou mais dos seguintes sintomas: dor abdominal, diarreia, vômitos, exantema, eritema conjuntival e tontura. Deve-se realizar avaliação de exames laboratoriais, eletrocardiograma, ecocardiograma, além de outros exames necessários. O diagnóstico diferencial é feito com a doença de Kawasaki, como já referido, além de miocardites virais, infecções virais agudas (como influenza e enterovírus) e doenças causadas por riquétsias. Felizmente, esse quadro está sendo cada vez mais raro, não se sabe se pelo efeito da proteção das vacinas ou se pela alteração das variantes do vírus.  

O tratamento da SIM-P é realizado com dose de imunoglobulina humana (IVIG) na dose de 2 g/kg associado a metilprednisolona na dose de 1-2 mg/kg/dia. Se houver refratariedade, ou seja, se não houver melhora do quadro em 24 horas, as opções de tratamento são uso do anakira, infliximabe ou corticoides em doses elevadas. Nesses pacientes, também deve-se iniciar terapia antitrombótica com aspirina na dose de 5 mg/kg/dia. Usar terapia anticoagulante em pacientes com grandes aneurismas de coronárias ou disfunção grave de ventrículo esquerdo.  

Mensagens para casa 

  • Possivelmente, a infecção está se tornando mais sazonal, com picos na estação do inverno.  
  • As hospitalizações por covid são mais comuns no grupo de 0 a 5 anos de idade. Para essa população, a presença de comorbidades não aumenta o risco de hospitalização.  
  • Já nos maiores de cinco anos, as crianças com comorbidades apresentam doença mais grave, com maior risco de hospitalização.  
  • A variante Ômicron, que é a predominante no período atual, traz inúmeros desafios, uma vez que não sabemos como será o comportamento da doença a partir dessa variante.  
  • O tratamento prioritário continua a ser suporte clínico. Medicamentos antivirais não parecem mudar muito o curso da doença em pacientes ambulatoriais. Pacientes graves hospitalizados, que necessitam de uso de oxigênio, parecem se beneficiar do uso do Paxlovid, da dexametasona ou do remdesivir.  
  • Não há evidências para se indicar ou contraindicar a tromboprofilaxia na covid-19 pediátrica, até o momento.  
  • A proteção vacinal para ser mais curta para a variante Ômicron. Apesar disso, continuam sendo indicadas, pois apresentam indícios de prevenção com relação a hospitalizações e gravidades, além de possível prevenção de sequelas pós-covid.  

As principais sequelas pós-covid são a SIM-P e a covid longa. A SIM-P já está bem estabelecida, possui tratamento específico e está ocorrendo muito raramente com a variante ômicron. Com relação à covid longa na pediatria, ainda há muito o que se estudar, pois carece de definição e orientações para tratamento. 

Confira todos os destaques do AAP 2023 aqui!

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