Como identificar a demência na Atenção Primária?
A demência representa um desafio crescente para a saúde pública global, impactando significativamente a qualidade de vida das pessoas afetadas e impondo uma carga considerável aos sistemas de saúde. No Brasil, estima-se que cerca de 80% das pessoas com demência desconhecem o diagnóstico, o que dificulta o acesso a intervenções terapêuticas adequadas. Assim, reconhecendo a importância da identificação precoce da demência, o Ministério da Saúde lançou recentemente o documento “Identificação da Demência na Atenção Primária“. Este guia prático, destinado a médicos que atuam na atenção primária à saúde (APS), propõe um passo a passo de 3 etapas para apoiar no diagnóstico oportuno da demência. Em primeiro lugar, recomenda-se identificar a população-alvo, seguido de uma avaliação cognitiva inicial para aqueles com indicação e de uma avaliação médica mais aprofundada nos casos de alterações nessa avaliação.
Identificação da população alvo
Apesar de não haver evidências que comprovem benefícios de se realizar testes cognitivos de rastreio de demência em toda a população idosa, a presença de sinais ou sintomas suspeitos já indica a investigação. As alterações de memória são as mais frequentes nesses casos. Também são comuns o aparecimento de trocas de palavras, desatenções, comportamentos inadequados, entre outros. Essas alterações podem ser percebidas tanto pelo paciente, quanto pelos familiares ou cuidadores e até mesmo pelos profissionais de saúde que o acompanham. Caso a funcionalidade (atividades da vida diária) do paciente esteja sendo afetada, já se recomenda uma avaliação médica mais detalhada. O fluxograma do documento resume como indicação de rastreio os casos de:
- Busca espontânea por atendimento médico devido a alterações (memória, atenção, linguagem, comportamento ou declínio funcional) em pessoas idosas, em comparação a um padrão anterior de desempenho;
- Resposta “sim” para pelo menos uma das perguntas: “algum familiar ou amigo falou que você está ficando esquecido(a)?”; “os esquecimentos estão piorando nos últimos meses?”; “os esquecimentos estão impedindo a realização de alguma atividade do cotidiano?”.
Avaliação Cognitiva Inicial
Podendo ser aplicadas por qualquer profissional de saúde, o documento recomenda a aplicação de duas escalas: a 10-CS (10 Point Cognitive Screener), direcionada ao paciente; e o QMC8 (Questionário de Mudanças Cognitivas), direcionada ao acompanhante. Caso qualquer uma das duas apresente rastreio positivo para demência, já se indica a avaliação médica. A 10-CS avalia orientação, aprendizado, fluência verbal e evocação, com ajuste para escolaridade e é considerada positiva caso tenha pontuação ≤ 7. Já o QMC8 investiga se houve mudanças cognitivas (sim/não) nos últimos anos através de perguntas ao acompanhante, sendo considerado positivo com pontuação ≥ 4.
Em caso de testes negativos, recomenda-se, ainda assim, manter acompanhamento próximo do paciente, com uma nova avaliação em pelo menos 6 meses.
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Avaliação Médica
Por fim, nos casos de testes de rastreio positivo, recomenda-se uma avaliação médica mais aprofundada na APS. Na anamnese, que deve ser detalhada, o documento recomenda a aplicação da Bateria Breve de Rastreio Cognitivo, um instrumento que tem o objetivo de apoiar na avaliação dos diferentes domínios cognitivos que podem estar afetados (incluindo nomeação, aprendizado, fluência verbal, função executiva, reconhecimento e memória incidental, imediata e tardia). Além disso, é essencial investigar possíveis diagnósticos diferenciais, como transtornos de humor, uso de medicamentos (como benzodiazepínicos e anticolinérgicos), uso de outras substâncias, doenças infecciosas, doenças autoimunes e delirium. Deve-se também avaliar a solicitação de exames complementares para descartar delirium e causas reversíveis (como hemograma, creatinina, eletrólitos, TSH, B12, albumina, enzimas hepáticas, sorologias para sífilis e HIV e, se disponível, neuroimagem).
Deve-se considerar o encaminhamento para serviços especializados especialmente em casos de declínio cognitivo progressivo associado a testes alterados na Bateria Breve de Rastreio Cognitivo e a prejuízos na realização das atividades da vida diária.
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