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Medicina Laboratorial14 outubro 2024

Aspectos clínico-laboratoriais da Cistatina C

A Cistatina C é um marcador endógeno utilizado para a avaliação da função renal. Neste post, conheça sua definição, indicações, vantagens e limitações.

Diferentes biomarcadores dosados no sangue podem ser utilizados para a avaliação da estimativa da taxa de filtração glomerular (eTFG), medida considerada como o melhor indicador da função renal.  

Por serem livremente filtradas a nível glomerular e apresentarem metabolização exclusivamente renal, os níveis séricos de certas substâncias exógenas (ex.: inulina), radioisótopos (ex.: Cr51-EDTA, Tc99m-DTPA, I125-iotalamato) ou até mesmo meios de contraste radiológico (ex.: iohexol) são estritamente dependentes da TFG e, dessa maneira, são apontadas como o “padrão-ouro” para essa medição.   

Todavia, essas substâncias são muito caras, as técnicas para sua determinação exigem equipamentos específicos, são extremamente laboriosas e pouco disponíveis, além da possibilidade de efeitos colaterais devido a sua administração intravenosa, inviabilizando assim a utilização desses marcadores exógenos na rotina clínica.    

Diante da necessidade de melhorar a acurácia da creatinina, substância endógena mais tradicional e largamente utilizada para a avaliação da função renal, novos biomarcadores endógenos foram estudados e, dentre eles, a Cistatina C sérica vem ganhando cada vez mais importância e aplicabilidade nos últimos anos.  

 

Cistatina C  

A Cistatina C, também conhecida como Cescitina, é uma proteína de baixo peso molecular (cerca de 13,3 kDa) e carga positiva – características essas que facilitam a sua livre filtração -, não glicosilada, codificada pelo gene CST3 (localizado no braço curto do cromossomo 20), pertencente à superfamília dos inibidores das cisteíno proteases (enzimas proteolíticas que atuam, por exemplo, na homeostase proteica, apoptose e inflamação), moderando a atividade catalítica dessas enzimas.  

Ela é produzida a uma taxa praticamente constante, pela grande maioria das células nucleadas do organismo, sendo livremente filtrada nos glomérulos. Uma vez filtrada, é quase completamente reabsorvida e catabolizada a nível dos túbulos renais proximais, não apresentando secreção renal e/ou extrarrenal.   

Por conseguinte, suas concentrações séricas são dependentes quase que exclusivamente da taxa de filtração glomerular (TFG) e, assim como a creatinina, seus níveis no sangue são inversamente proporcionais a TFG (ou seja, quanto mais elevada, menor a função renal e vice-versa).   

Seus níveis séricos – ao contrário da creatinina –  são pouco influenciados por variáveis extrarrenais como, por exemplo, peso, massa muscular, dieta, gênero, idade ou raça. Assim como a creatinina, cujas metodologias são potencialmente rastreáveis pelo método de espectrometria de massas e diluição isotópica (ID-MS), os imunoensaios para a determinação da cistatina C (ex.: imunoturbidimetria, nefelometria) também se tornaram rastreáveis através do material de referência ERM-DA471/IFCC, facilitando a sua harmonização laboratorial inter-ensaios.   

Nesse sentido, em grande parte das situações, o uso da cistatina C (principalmente quando utilizada em associação com a creatinina na fórmula 2021 CKD-EPI creatinina+cistatina C) pode ser mais acurado do que o emprego da creatinina isoladamente para a eTFG.  

 Veja mais: Insuficiência renal no per operatório: identificação, prevenção e tratamento – Portal Afya

 

Principais indicações 

  • Avaliação e monitoramento da função renal em pacientes com doença renal crônica (DRC), estimando a taxa de filtração glomerular (eTFG) isoladamente ou em conjunto com a creatinina, por meio de equações matemáticas (ex.: 2012 CKD-EPI com cistatina C, 2021 CKD-EPI com creatinina + cistatina C); 
  • Detecção precoce do declínio da função renal;  
  • Teste confirmatório em indivíduos cujo resultado da creatinina pode não ser confiável, como no caso de pacientes desnutridos/doenças consumptivas, obesos, amputados, para/tetraplégicos, idosos ou que fazem uso de medicamentos que inibam a sua secreção tubular (ex.: trimetoprima, antirretrovirais, cimetidina, fenofibrato);  
  • Em situações nas quais a função renal pode apresentar variações bruscas (ex.: hospitalização); 
  • Reclassificação dos estágios de DRC, predizendo com mais acurácia a evolução para doença terminal; 
  • Avaliar a eTFG no contexto do transplante renal; 
  • Marcador independente de estratificação de risco cardiovascular. 

 

Limitações   

Assim como outros biomarcadores endógenos da função renal, a cistatina C também apresenta algumas restrições. Ela ainda é um exame, quando comparado à creatinina, mais caro (até 10 vezes) e menos disponível comercialmente, além de não estar incluso na tabela SIGTAP (Sistema de Gerenciamento da Tabela de Procedimentos, Medicamentos e OPM do SUS), e no rol de procedimentos da ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar), desobrigando assim a sua cobertura aos usuários dos planos de saúde privados.    

Em algumas situações, as concentrações séricas de cistatina C podem estar elevadas, sem, contudo, se correlacionar com a TFG, como em portadores de tumores malignos, mieloma múltiplo, cirrose hepática, inflamação sistêmica, hipertireoidismo (no hipotireoidismo seus níveis decaem), adiposidade ou uso de corticoesteroides em altas doses. Devido à imaturidade da função renal, suas concentrações no sangue apresentam-se mais elevadas em neonatos, dificultando a interpretação dos resultados em crianças menores de 1 ano.   

Por ser primordialmente catabolizada pelas células epiteliais dos túbulos proximais, a cistatina C não é encontrada em concentrações significativas na urina final excretada e, portanto, a função renal não pode ser avaliada pela sua depuração urinária. 

 

Mensagem final   

O Laboratório Clínico contribui, de modo determinante, para o manejo dos pacientes com doença renal, na medida em que os exames laboratoriais disponíveis podem auxiliar na investigação, diagnóstico, seguimento e prognóstico desses indivíduos.   

A introdução da cistatina C veio a colaborar para uma melhor acurácia na avaliação da função renal, notadamente em algumas situações especiais como, por exemplo, nos extremos de peso, amputados e idosos. Sua quantificação é mais sensível do que a da creatinina para a avaliação da função de filtração glomerular renal e, quando possível, deve ser utilizada em conjunto com a creatinina para a eTFG pela fórmula CKD-EPI 2021.   

Dessa maneira, a cistatina C é considerada um ótimo biomarcador da função renal e, se observadas suas vantagens e limitações, pode agregar muito valor no contexto das doenças renais. 

 

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