Leptospirose: diagnóstico laboratorial
A leptospirose é uma doença infecciosa zoonótica – ou seja, que naturalmente pode ser transmitida aos seres humanos por animais – de distribuição mundial, causada por bactérias patogênicas do gênero Leptospira (mais de 200 sorovares patogênicos, divididos em torno de 25 sorogrupos já foram descritos).
O contágio das pessoas se dá, principalmente, pela exposição – direta ou indireta – à urina de animais infectados (notadamente ratos urbanos) ou pela água, solo/lama e alimentos contaminados.
Por apresentar um amplo espectro de sinais e sintomas, que muitas vezes são compartilhados com diversas outras doenças infecciosas (ex.: dengue, hepatites, malária, febre maculosa), os exames laboratoriais podem ser determinantes para o diagnóstico da leptospirose, embora, em algumas situações, o critério clínico-epidemiológico (ex.: surtos, epidemias) deva ser utilizado.
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Testes laboratoriais
A escolha do teste diagnóstico mais apropriado para o diagnóstico da leptospirose depende, destacadamente, da fase evolutiva da doença (aguda versus tardia), momento da coleta e disponibilidade técnico-laboratorial da região.
Após um período de incubação de, aproximadamente, 5 a 14 dias, ocorre o início de uma ampla gama de manifestações clínicas inespecíficas, que podem variar desde quadros oligossintomáticos a formas graves e potencialmente fatais da doença.
Nos primeiros 7 dias de sintomas, na fase aguda (leptospirêmica) da doença, as espiroquetas são encontradas principalmente no sangue. Dessa forma, os métodos diagnósticos diretos que são capazes de detectar a bactéria na circulação, como a cultura/isolamento ou a reação em cadeia da polimerase (PCR), são considerados os de escolha nesse período.
- Reação em Cadeia da Polimerase (PCR): metodologia molecular de detecção/amplificação direta de fragmentos (genes) específicos do material genético (DNA) das leptospiras. Outros materiais biológicos, além do sangue, podem ser utilizados por essa técnica, como urina, líquor ou tecidos;
- Cultura/isolamento: técnica que utiliza meios semissólidos (principalmente o Ellinghausen-McCullough-Johnson-Harris/EMJH) para a cultura e posterior isolamento das leptospiras em espécimes clínicos (ex.: sangue, líquor, urina).
Apesar de possibilitar uma forte evidência da infecção e permitir estudos epidemiológicos a partir da identificação dos sorovares circulantes, a cultura é uma técnica demorada, pouco disponível e com altas taxas de resultados falso-negativos e, dessa maneira, não deve ser utilizada de rotina para o diagnóstico.
Já na fase tardia (imune) da leptospirose, que se caracteriza pelo início da produção de anticorpos específicos (soroconversão), que ocorre geralmente após o 5-7º dia (pico em torno do 14º dia) do início dos sintomas, os testes sorológicos (ex.: anticorpos IgM ou microaglutinação-MAT) são os de eleição.
- Anticorpos IgM: são os primeiros anticorpos circulantes, produzidos pelo sistema imunológico do organismo frente à infecção. Eles podem ser detectados, classicamente, pela técnica de ELISA (Enzyme-Linked Immunosorbent Assay), mas também podem ser avaliados em testes rápidos imunocromatográficos.
Esses testes rápidos, ainda que – em geral – possuam uma menor precisão diagnóstica, apresentam a vantagem de poderem ser utilizados fora dos grandes centros, em unidades de saúde periféricas, sem a necessidade de grande infraestrutura laboratorial ou do emprego de profissionais altamente especializados para sua realização e interpretação;
- Teste de Aglutinação Microscópica: do inglês Microscopic Aglutination Test (MAT), é um teste diagnóstico do tipo antígeno-anticorpo, que avalia uma possível aglutinação do soro quando esse é exposto a certos antígenos de leptospiras. Ele é considerado, pela OMS (Organização Mundial da Saúde) como o teste de referência “padrão-ouro” para a confirmação diagnóstica sorológica.
Ele possibilita, além de informações sobre os títulos de anticorpos (de preferência pareados em um intervalo de 14 dias entre cada coleta), o levantamento de dados sobre o sorotipo responsável pela infecção (dado utilizado para vigilância epidemiológica). Todavia, esse exame só está disponível em laboratórios de referência, dificultando a sua ampla utilização.
Mensagem final
O Laboratório Clínico possui uma grande relevância para a identificação e manejo da leptospirose, na medida em que pode auxiliar o raciocínio clínico-diagnóstico em todas as fases da doença. A cultura/isolamento ou a reação em cadeia da polimerase (PCR) no sangue devem ser utilizados na fase inicial da infecção (na primeira semana do início dos sintomas), enquanto a sorologia IgM ou a microaglutinação (MAT) devem ser reservados para uma fase um pouco mais avançada da doença, na segunda semana em diante.
Importante destacar que, diante de catástrofes naturais, é esperado um aumento súbito e exponencial da necessidade de exames diagnósticos, aliado à uma possível falta de kits diagnósticos e um maior tempo de resposta (TAT) para a liberação dos resultados, o que poderia retardar o diagnóstico e a instituição do tratamento adequado.
Nesse sentido, especialmente, mas não exclusivamente, durante a ocorrência de casos suspeitos de leptospirose nessas situações de desastres naturais (como o que ocorreu no primeiro semestre desse ano no estado do Rio Grande do Sul), o critério clínico-epidemiológico pode e deve ser utilizado prioritariamente para a tomada de decisão.
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