Rasuras, correções ou retificações na Declaração de óbito e demais documentos médico-legais
Documentos, como a declaração de óbito, são “expressões gráficas, públicas ou privadas, que têm o caráter representativo de um fato…”.
Documento é toda anotação escrita que tem a finalidade de reproduzir e representar uma manifestação do pensamento.
No campo médico-legal da prova, são “expressões gráficas, públicas ou privadas, que têm o caráter representativo de um fato a ser analisado em juízo.”
Os documentos que podem interessar à Justiça, são:
- Notificações;
- Atestados;
- Prontuários;
- Relatórios e pareceres.
Cada um desses documentos possuem uma normativa para sua transcrição que deve ser conhecida e seguida pelos profissionais de saúde.
A declaração de óbito (DO) é o documento-base do Sistema de Informações sobre Mortalidade do Ministério da Saúde (SIM/MS). O Código Civil (CC), Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002, estabelece que a personalidade civil do homem começa do nascimento com vida e que a existência da PESSOA NATURAL termina com a morte.
A legislação brasileira determina a obrigatoriedade do Registro Civil de nascimentos e óbitos.
Tanto a Declaração de Óbito (DO) quanto as Notificações Compulsórias possuem caráter quantitativo e qualitativo fundamental para politicas públicas e Vigilância de Saúde e agravos. Seu preenchimento tem, para o Ministério da Saúde, a finalidade de conhecimento, detecção e prevenção dos agravos em saúde individual e coletiva. Dados relativos a quantos morrem, quais são as características dessa população (idade e sexo, antecedente pessoal) e, principalmente, quais as causas determinantes desse óbito são fundamentais para determinar o perfil epidemiológico da população, visando elaborar programas e avaliar as prioridades de ações governamentais relativas à sua prevenção.
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No caso das mortes, é necessário que o MÉDICO, EXCLUSIVAMENTE, preencha a declaração de óbito (DO) para comprovação oficial do desaparecimento do indivíduo — e de seus direitos como pessoa — e esclarecendo se a causa do óbito foi natural ou violenta, para a posterior emissão da Certidão de Óbito, documento cartorial.
A Declaração de Óbito (DO)
Desde a reunião da Organização de Saúde da Liga das Nações em 1925, se discute a formulação de um documento universal para preenchimento da causa de morte.
Em 1927, Inglaterra, Pais de Gales e posteriormente o Canadá desenvolveram e aderiram a um documento unificado. Em 1939, os Estados Unidos também o aderiu.
Na Conferência internacional de revisão da Classificação Internacional de Doenças (CID 6) em 1948, a OMS propôs um Modelo Internacional de Atestado de Óbito, divida em 2 partes:
- Parte I – Causa da morte
- Parte II – Causas contribuintes ou contributórias.
Em 1950, quase todos os países, inclusive Brasil, aderiram a esse documento.
Em 1989, a CID 10 adicionou a linha D na parte I: envelhecimento da população.
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A atual versão brasileira foi revisada em 2011 sendo preenchida da seguinte forma: em primeiro lugar a causa imediata ou terminal da morte seguida das condições mórbidas antecedentes àquela (caso houvesse), ficando a causa primária em último lugar, de cima para baixo.
Se atentem a nomenclatura, pois são documentos distintos:
- Contestação de óbito;
- Declaração de óbito (Atestado): Documento médico;
- Certidão de óbito: cartorial.
O CÓDIGO DE ÉTICA MÉDICA, proposto pela Resolução CFM n° 2.217, de 27 de setembro de 2018, modificada pelas Resoluções CFM nº 2.222/2018 e 2.226/2019 define em seu Capítulo X as considerações acerca dos Documentos médicos:
- Art. 83. Atestar óbito quando não o tenha verificado pessoalmente, ou quando não tenha prestado assistência ao paciente, salvo, no último caso, se o fizer como plantonista, médico substituto ou em caso de necropsia e verificação médico-legal.
- Art. 84. Deixar de atestar óbito de paciente ao qual vinha prestando assistência, exceto quando houver indícios de morte violenta
- Art. 87. Deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente.
- 1º O prontuário deve conter os dados clínicos necessários para a boa condução do caso, sendo preenchido, em cada avaliação, em ordem cronológica com data, hora, assinatura e número de registro.
Foi emitido no dia 07 de dezembro de 2020 o AVISO CORREGEDORIA GERAL DE JUSTIÇA CGJ – nº 928 / 2020 GABINETE 3 DOS JUIZES AUXILIARES, onde ele propõe aos Senhores Titulares, Delegatários, responsáveis pelo Expediente e Interventores dos Serviços Extrajudiciais deste Estado com atribuição de Registro Civil de Pessoas Naturais que:
- Se abstenham de lavrar registros quando a Declaração de Óbito – D.O. apresentar ADULTERAÇÃO, admitida a ressalva de informações na forma regulamentada pelo Ministério da Saúde, desde que seja a ressalva assinada pelo mesmo profissional que firmou a D.O.
- Na impossibilidade de cumprimento do que foi previsto no item 1, deve o portador da Declaração de Óbito ser orientado a retornar à unidade hospitalar ou médico legal que a expediu, para obtenção de uma nova D.O. preenchida corretamente;
- Caso haja fundada suspeita de fraude, deve o oficial suscitar dúvida e extrair cópia dos documentos, submetendo-os ao Juiz de Direito competente para adoção das medidas que entender necessárias.
Portanto, foi proposto aos funcionários cartorários do Rio de Janeiro que não lavre a certidão de óbito caso a DO apresente qualquer adulteração, e ainda na suspeita de fraude, que seja extraído cópia da documentação para posterior denúncia.
Por se tratar de um documento com tamanho poder legal (esse e todos os demais documentos de interesse à Justiça citados no inicio do artigo), qualquer rasura, correção ou retificação coloca em dúvida a credibilidade das informações contidas nele, se realmente a modificação foi feita no mesmo instante da redação ou num momento posterior, se foi realizada pela mesma pessoa que preencheu tal documento, entre outros. Se trata de uma proteção para toda a cadeia de notificação, desde o médico, o delegado cartorário e para a sociedade, evitando assim possíveis fraudes processuais securitárias, cível, criminal, entre outras.
A DO é um documento oficial do País e, portanto, não admite rasuras. O médico deve preenchê-lo levando em conta “ à veracidade, à fidedignidade e à completitude das informações”.
Caso ocorra erro no seu preenchimento, inutilizar as três folhas, realizar a devolução para a o Hospital ou Secretária de Saúde do Município (todas as folhas são numeradas e registradas) e redigir nova DO, evitando transtornos para o profissional por provável nova redação e para a família, para poder inumar seu parente falecido.
Situações expressas em que o cartório pode rejeitar a DO:
- corpo destinado à cremação com DO assinada por apenas um médico (necessário duas assinaturas médicas pois impossibilita a realização da exumação póstuma caso solicitado por autoridade);
- atestado com anotação de que o óbito foi decorrente de causa mal definida nos municípios onde existir SVO (ver Lei Estadual nº 5.452 de 1986, que reorganiza o Serviço de Verificação de Óbito no Estado de São Paulo);
- óbito decorrente de causa externa, nos municípios onde existir posto do IML, com DO não oriunda dessa Instituição.
Anexo 1:
LEI Nº 6.015, DE 31 DE DEZEMBRO DE 1973.
Dispõe sobre os registros públicos, e dá outras providências.
Art. 1º Os serviços concernentes aos Registros Públicos, estabelecidos pela legislação civil para autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos, ficam sujeitos ao regime estabelecido nesta Lei.
- 1º Os Registros referidos neste artigo são os seguintes:
I – o registro civil de pessoas naturais;
II – o registro civil de pessoas jurídicas;
III – o registro de títulos e documentos;
IV – o registro de imóveis.
Art. 29. Serão registrados no registro civil de pessoas naturais:
I – os nascimentos;
II – os casamentos
III – os óbitos;
IV – as emancipações;
V – as interdições;
VI – as sentenças declaratórias de ausência;
VII – as opções de nacionalidade;
VIII – as sentenças que deferirem a legitimação adotiva.
Art. 77. Nenhum sepultamento será feito sem certidão do oficial de registro do lugar do falecimento ou do lugar de residência do de cujus, quando o falecimento ocorrer em local diverso do seu domicílio, extraída após a lavratura do assento de óbito, em vista do atestado de médico, se houver no lugar, ou em caso contrário, de duas pessoas qualificadas que tiverem presenciado ou verificado a morte.
RESOLUÇÃO CFM nº 1.779/2005 (Publicada no D.O.U., 05 dez 2005, Seção I, p. 121) Regulamenta a responsabilidade médica no fornecimento da Declaração de Óbito. Revoga a Resolução CFM n. 1601/2000.
Referências bibliográficas:
- Publicação Oficial do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro. Caderno I, página 63. 2020. Disponível em: https://infographya.com/files/aviso_928.pdf. (Acesso em: 18 dez.2020).
- Conselho Federal de Medicina. Código de Ética Médica. Brasília, DF: CFM. Disponível em: https://portal.cfm.org.br/images/PDF/cem2019.pdf. (Acesso em: 18 dez.2020).
- Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. Disseminar o corona vírus é crime. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/campanhas-e-produtos/direito-facil/edicao-semanal/disseminar-o-corona-virus-e-crime. (Acesso em: 18 dez.2020).
- Laurenti R, de Mello Jorge MHP. O Atestado de Óbito. CREMESP – Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo; 2015. Disponível em: https://www.cremesp.org.br/pdfs/atestado_de_obito.pdf. (Acesso em: 18 dez.2020).
- Ministério da Saúde (BR). A declaração de óbito: documento necessário e importante. Brasília, DF: Ministério da Saúde, Conselho Federal de Medicina, Centro Brasileiro de Classificação de Doenças, 2006. 40 p. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/declaracao_de_obito_final.pdf. (Acesso em: 18 dez.2020).
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