A catarata permanece como uma das principais causas de deficiência visual em todo o mundo. A cirurgia de catarata pode impactar a superfície ocular, levando a lesões nas terminações nervosas da córnea, redução da densidade de células caliciformes e alteração da dinâmica do filme lacrimal, que frequentemente resultam em sintomas de olho seco pós-operatório, como fotofobia, sensação de areia, ardência e visão turva. Esse desconforto pode comprometer a recuperação e afetar a satisfação do paciente, mesmo diante de um resultado cirúrgico anatomicamente perfeito.
No contexto da doença do olho seco pós-catarata, o tratamento costuma incluir lágrimas artificiais e agentes anti-inflamatórios. Entre as formulações disponíveis, o álcool polivinílico (PVA) é um dos polímeros mais utilizados devido à sua capacidade de manter a superfície ocular lubrificada, formando uma película hidrofílica que reduz a evaporação da lágrima.
Apesar de seu uso disseminado, há poucas evidências sobre como o PVA influencia mediadores inflamatórios da superfície ocular, especialmente citocinas como CCL1, IL-13 e IL-10, que desempenham papéis fundamentais no equilíbrio entre inflamação e reparo tecidual.
Com o objetivo de aprofundar esse entendimento, Wu e Hao em 2025 publicaram o estudo “Clinical effectiveness of polyvinyl alcohol in post-cataract dry eye and their effects on CCL1, IL-13 and IL-10 tear levels” na Pakistan Journal of Pharmaceutical Sciences. O trabalho avaliou, de forma prospectiva e randomizada, a eficácia clínica e os efeitos biológicos do PVA em pacientes com olho seco após cirurgia de catarata, correlacionando a melhora sintomática e funcional com alterações nos níveis de citocinas lacrimais.
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Métodos
Estudo duplo-cego, no qual foram incluídos 100 pacientes com olho seco após cirurgia de catarata, atendidos no Hospital Central Jiaozhou de Qingdao entre janeiro de 2021 e janeiro de 2023. Os participantes foram distribuídos aleatoriamente em dois grupos: um grupo controle, que recebeu o tratamento pós-operatório padrão com colírios de tobramicina-dexametasona, e um grupo experimental, que recebeu o mesmo protocolo acrescido do uso de colírio de PVA por dois meses.
Os desfechos avaliados incluíram tempo de ruptura do filme lacrimal (BUT), teste de Schirmer, coloração com fluoresceína e pontuação OSDI, além da mensuração de citocinas lacrimais (CCL1, IL-13 e IL-10) como marcadores inflamatórios.
Resultados
Os grupos eram comparáveis no início do estudo, sem diferenças significativas em idade, gênero ou gravidade do olho seco. Após o tratamento, o grupo que utilizou colírio de PVA apresentou uma eficácia clínica global significativamente maior (96%) em comparação ao grupo controle (88%).
Além da melhora nos sintomas e parâmetros do olho seco, o grupo tratado com PVA também mostrou maiores reduções nos níveis de citocinas inflamatórias (CCL1 e IL-13) e aumento de IL-10, uma citocina anti-inflamatória. Nenhum evento adverso grave foi registrado.
Discussão
A doença do olho seco no pós-operatório de catarata continua sendo um desafio clínico frequentemente subestimado. Apesar dos avanços cirúrgicos e da redução do tempo de facoemulsificação, a perturbação da homeostase da superfície ocular permanece inevitável.
A secção dos nervos corneanos durante as incisões limbares e a inflamação desencadeada pela cirurgia iniciam uma cascata de alterações que incluem redução da sensibilidade corneana, diminuição do reflexo lacrimal, perda de células caliciformes e desestruturação do filme lacrimal.
Esse conjunto de eventos justifica a alta incidência relatada de doença do olho seco após cirurgia de catarata, frequentemente atingindo seu pico em torno de um mês do pós-operatório.
O estudo analisado destaca o papel do PVA como um agente eficaz na estabilização do filme lacrimal e na modulação da resposta inflamatória da superfície ocular. O PVA, por sua natureza hidrofílica e viscosidade intermediária, simula a função das mucinas e cria uma película protetora sobre o epitélio corneano, prolongando o tempo de permanência da lágrima e reduzindo a evaporação.
Diferentemente de formulações contendo carbômeros ou lipídios, o PVA apresenta excelente tolerabilidade e mínima interferência visual, fatores relevantes no contexto pós-operatório.
A ausência de efeitos adversos relatados ao longo de dois meses de uso reforça o perfil de segurança e biocompatibilidade do PVA.
Limitações
- Tamanho amostral reduzido.
- Ausência de estratificação por subtipo de doença do olho seco.
- O acompanhamento de apenas dois meses não permite avaliar potenciais efeitos tardios nem a durabilidade dos benefícios observados.
Mensagem Prática
As evidências apresentadas consolidam o PVA como uma opção segura, acessível e eficaz para o manejo do olho seco induzido por cirurgia de catarata. Sua ação combinada, lubrificante, protetora e potencialmente imunomoduladora, contribui para restaurar a homeostase da superfície ocular e melhorar o conforto pós-operatório.
Dada sua boa tolerabilidade, biocompatibilidade e relação custo-benefício, o PVA se destaca como adjuvante valioso nos protocolos de recuperação da superfície ocular após facoemulsificação.
Autoria

Alléxya Affonso
Graduada em Medicina pela Faculdade de Medicina Souza Marques (RJ) ⦁ Título de especialista pelo Conselho Brasileiro de Oftalmologia (CBO) ⦁ PhD em Oftalmologia e Ciências Visuais pelo programa de Doutorado da UNIFESP/EPM ⦁ Membro Titular da Sociedade Brasileira de Retina e Vítreo (SBRV) ⦁ Especialista em Retina Clínica, Uveítes e Oncologia Ocular pela UNIFESP/EPM.
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