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Oftalmologia30 julho 2024

O que você precisa saber sobre neoplasia escamosa da superfície ocular? 

A prevalência de neoplasia escamosa da superfície ocular demonstra variações globais devido a diferenças nos fatores de risco.
Por Juliana Rosa

A neoplasia escamosa da superfície ocular (OSSN) é uma entidade que compreende a neoplasia escamosa da conjuntiva e córnea, que inclui neoplasia intraepitelial conjuntival (NIC), displasia epitelial da córnea, carcinoma de células escamosas (CEC) e carcinoma mucoepidermoide. Essa neoplasia pode se confundir com patologias comuns da superfície da conjuntiva e da córnea, como a pinguécula, pterígio, granulomas conjuntivais e cistos. É importante conscientizar a população sobre proteção ocular adequada e diagnóstico precoce de lesões suspeitas.

Nos Estados Unidos, sua taxa de incidência tem sido documentada na faixa de 0,03 a 1,9 casos por 100.000 indivíduos por ano, afetando predominantemente homens caucasianos entre a sexta e sétima décadas de vida. Na África, foi observada uma incidência elevada em pacientes mais jovens, variando entre 3 e 3,4 casos por 100.000 indivíduos por ano.  

O que você precisa saber sobre neoplasia escamosa da superfície ocular? 

Causas da neoplasia escamosa da superfície ocular

A etiologia é multifatorial e abrange uma diversidade de elementos, sendo o estado imunológico do paciente possivelmente o fator mais crucial. Os fatores de risco mais associados ao surgimento incluem exposição à radiação ultravioleta B (UVB), infecção pelo papilomavírus humano (HPV), imunossupressão e xeroderma pigmentoso.

A radiação UVB atua danificando diretamente o DNA através da produção de dímeros de pirimidina, além de outras mutações específicas no gene supressor tumoral p53, permitindo que células com DNA danificado ultrapassem o ponto de controle do ciclo celular. O HPV é reconhecido como causador de danos intraepiteliais que culminam no desenvolvimento de neoplasias escamosas, e seus subtipos 16 e 18 estão especificamente associados à gênese de lesões neoplásicas na superfície ocular. A radiação UV também foi descrita como causadora de fotoimunossupressão local e sistêmica e sendo capaz de reativar vírus latentes, como o HPV4.

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Pacientes com algum grau de imunodeficiência, especialmente aqueles infectados pelo vírus da imunodeficiência humana (HIV), apresentam risco substancialmente aumentado, aproximadamente 10 vezes maior, para o desenvolvimento de OSSN e muitas vezes apresentam desfechos clínicos mais desfavoráveis ​​após o tratamento.  Outros elementos de risco incluem idade avançada, sexo masculino, características hipopigmentadas de cabelos e olhos, xeroftalmia, trauma na superfície ocular, tabagismo e exposição crônica a produtos petrolíferos. A deficiência de vitamina A interfere na integridade da superfície ocular, criando microabrasões através das quais o HPV pode invadir a membrana basal e as células epiteliais conjuntivais, iniciando um ciclo de alterações celulares locais. 

Classificação e apresentação

A classificação atual para OSSN abrange todas as lesões displásicas e carcinomatosas que afetam a superfície ocular. A OSSN benigna compreende condições como hiperplasia pseudoteliomatosa, disqueratose intraepitelial hereditária benigna e papilomas. OSSN pré-invasivas, também conhecidas como neoplasias intraepiteliais (NIC), são subdivididas em três categorias: NIC I (displasia leve restrita ao terço inferior do epitélio conjuntival), NIC II (displasia moderada que se estende até o terço médio) e NIC III (displasia grave afetando até o terço superior do epitélio conjuntival). A displasia que envolve todo o espessamento do epitélio é chamada de carcinoma in situ (CIS). Finalmente, os OSSNs invasivos têm a capacidade de atravessar a membrana basal epitelial, invadindo o estroma conjuntival e estruturas adjacentes, e incluem o CEC e o carcinoma mucoepidermóide, que são mais agressivos e recorrentes que o CEC. Muitos pacientes acometidos pela OSSN podem permanecer assintomáticos, e o diagnóstico é frequentemente suspeitado durante exames oftalmológicos de rotina. Porém, alguns podem relatar a presença de massa elevada na conjuntiva, acompanhada de sintomas como irritação ocular, prurido e hiperemia ocular. 

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A apresentação clínica típica da OSSN envolve a identificação de lesões elevadas e nodulares na região interpalpebral. Essas lesões podem variar em cor do branco acinzentado ao avermelhado, possuem margens irregulares e muitas vezes são acompanhadas de vasos sanguíneos visíveis. A OSSN benigna geralmente apresenta aspecto papilomatoso. Por outro lado, as neoplasias intraepiteliais (NIC) podem assumir aspecto macroscópico leucoplásico e/ou gelatinoso. Lesões com características leucoplásicas demonstram hiperqueratinização superficial, enquanto lesões gelatinosas tendem a ser avermelhadas e bem definidas, podendo ser nodulares ou difusas. Quando a OSSN afeta a córnea, resultante da disseminação de células epiteliais anormais do limbo, apresenta-se como uma lesão avascular, translúcida, opalescente, com aspecto de vidro fosco, geralmente com margens definidas. O CEC conjuntival compartilha semelhanças com a NIC; entretanto, a lesão conjuntival tende a ser mais elevada, tem formato de placa e apresenta menor mobilidade. Nesses casos, a identificação de vasos nutridores sugere ruptura e invasão da membrana basal epitelial. Finalmente, o carcinoma mucoepidermoide, uma variante mais agressiva e recorrente, mimetiza clinicamente o CEC e pode desenvolver-se em qualquer parte da superfície ocular. 

Diagnóstico e tratamento

O diagnóstico é feito através de dados clínicos, exame oftalmológico, características macroscópicas, exames complementares não invasivos e análise histopatológica. Embora seja considerado um procedimento invasivo, o padrão ouro para o diagnóstico de OSSN é a análise histopatológica após a realização de biópsia, única abordagem que permite detectar o nível de invasão tecidual da lesão. É evidente que o interesse em abordagens diagnósticas conservadoras cresceu significativamente, e métodos não invasivos, como o uso de corantes vitais, citologia, microscopia confocal e tomografia de coerência óptica do segmento anterior (OCT-SA), têm sido aplicados com notável precisão na caracterização dessas lesões. A aplicação de corantes vitais, como rosa bengala, azul de metileno e azul de toluidina, fornece suporte para o diagnóstico da OSSN de forma prática e eficiente.  

A Rosa Bengala tem a capacidade de destacar células epiteliais degeneradas, enquanto o azul de metileno é útil na identificação de lesões malignas, embora ambos careçam de especificidade direcionada exclusivamente para OSSN. O azul de toluidina, um corante acidófilo, tem a propriedade de manchar células com alta taxa mitótica e de se acumular entre elas, principalmente em tecidos com adesão celular limitada. Embora este teste revele alta sensibilidade (92% no diagnóstico de OSSN), sua especificidade é consideravelmente menor (31%). A citologia representa um método diagnóstico adicional para OSSN e pode ser esfoliativa ou por impressão. A citologia de impressão envolve a obtenção de células superficiais por meio de papel filtro feito de acetato de celulose, que é aplicado diretamente na lesão-alvo. Embora esta técnica ofereça benefícios notáveis, como sua natureza minimamente invasiva e uma correlação de resultados que chega a 80% de concordância com amostras de análise histopatológica, ela apresenta limitações, incluindo a captura superficial de células e a necessidade de um citologista experiente para analisar o resultado. 

O tratamento visa eliminar a lesão, prevenir recorrências e preservar a visão quando possível. Portanto, a detecção precoce e tumores menores terão um prognóstico melhor. Embora a excisão cirúrgica ainda seja o padrão ouro de tratamento, abordagens médicas conservadoras têm sido mais comumente utilizadas nos últimos anos. A enucleação ou exenteração é reservada para casos com invasão intraocular ou periocular, respectivamente. As terapias não cirúrgicas incluem quimioterapia tópica [mitomicina C (MMC) e 5-fluorouracil (5-FU)], injeção/imunoterapia tópica (interferon alfa-2b), medicação antiviral tópica (cidofovir), fator de crescimento endotelial antivascular (anti-VEGF) ou terapia fotodinâmica (PDT). A terapia tópica apresenta algumas vantagens que incluem o tratamento de toda a superfície ocular (áreas de doença subclínica), bem como menor risco de cicatrizes conjuntivais. Além disso, essas terapias podem ser utilizadas como adjuvantes tanto no pré-operatório (quimiorredução) quanto no pós-operatório (para complementar o tratamento quando as margens são positivas para tumor).  

A mitomicina C (MMC) é um agente alquilante com propriedades antineoplásicas. É tóxico para células em proliferação e não proliferativas, induzindo a apoptose e inibindo a migração de fibroblastos. Ambos os regimes de 1 gota de MMC 0,02% três vezes ao dia durante dois cursos de 1 semana e 1 gota de MMC 0,04% quatro vezes ao dia durante dois cursos de 1 semana demonstraram ser eficazes. Alguns efeitos colaterais incluem olho seco, estenose punctal, defeitos epiteliais persistentes e reações alérgicas. Portanto, a MMC é frequentemente reservada para casos mais recalcitrantes que falharam na terapia anterior com agentes alternativos. 

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Sabe-se que o 5-fluorouracil (5-FU) é um análogo da pirimidina que bloqueia a timidina sintase, que inibe a formação de DNA. Atua na fase S do ciclo celular e foi administrado topicamente como uma formulação de 5-FU a 1%, quatro vezes ao dia, durante quatro semanas ou durante 1 semana, seguida de uma suspensão do medicamento de 3 semanas. A terapia primária mostrou eficácia de 85–100% e taxa de recorrência variando de 1,1 a 43%. Os efeitos colaterais do 5-FU tópico são, principalmente, dor e vermelhidão no lado da instilação; no entanto, esses efeitos colaterais são menores que os da MMC.  

O 5-FU é utilizado em conjunto com corticosteroides tópicos e lágrimas artificiais sem conservantes para reduzir os sintomas. O interferon-alfa 2b (IFN-α2b) é o agente imunoterapêutico utilizado no tratamento da OSSN. O IFN-α2b pode ser utilizado como agente primário para lesões pequenas, como agente neoadjuvante para tumores difusos com o objetivo de auxiliar na ressecção cirúrgica e como terapia adjuvante quando as margens após a ressecção foram positivas para presença de tumores. Pode ser prescrito de duas maneiras:  

Topicamente em gotas ou localmente em injeções subconjuntivais perilesionais. A dosagem de IFN-α2b tópico é de 1 milhão UI/mL, uma gota quatro vezes ao dia, sem interrupção, até mais um ou dois meses após a resolução clínica da lesão. A taxa de recorrência da OSSN após o tratamento é variável, e a margem de excisão no momento da cirurgia é citada como o fator mais importante na previsão de recorrência. Em geral, o prognóstico da NIC com margens cirúrgicas livres é favorável, associado a baixas taxas de recorrência local.  

Porém, quando as margens de excisão são inadequadas, principalmente em lesões grandes (maiores que 2 mm), em pacientes idosos, ou quando ocorre envolvimento de tecidos profundos ou da córnea, a tendência de recorrência aumenta, chegando a até um terço dos casos. É importante ressaltar que o carcinoma invasivo e o carcinoma mucoepidermoide, variantes mais agressivas da OSSN, apresentam prognósticos menos favoráveis ​​e maiores taxas de recorrência local, mesmo quando submetidos a tratamento cirúrgico com margens livres.  

Além disso, devido à possibilidade de recorrências tardias que podem ocorrer mesmo após anos de tratamento, recomenda-se que os pacientes façam acompanhamento regular e permanente, com consultas anuais, a fim de monitorar possíveis recorrências da doença.  

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Referências bibliográficas

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