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Pediatria15 abril 2024

A complexa relação entre hábitos alimentares, depressão e obesidade em pediatria

Confira a relação entre essas doenças, saciação e saciedade nesta revisão prática.

Obesidade e depressão são problemas de saúde significativos, ligados a hábitos alimentares. Estudos mostram que o humor influencia as escolhas alimentares, semelhante ao observado na dependência de substâncias, contribuindo para a obesidade. Existe uma correlação entre obesidade e depressão, sugerindo uma via biológica compartilhada. Por exemplo, o estresse afeta os comportamentos alimentares, levando ao consumo de alimentos recompensadores, que podem piorar os transtornos de humor e a obesidade. Por outro lado, alimentos ricos em gordura e calorias podem aliviar temporariamente a depressão, mas a longo prazo, podem levar à obesidade e a problemas de saúde mental. Portanto, compreender essas relações é crucial para desenvolver estratégias preventivas focadas em fatores dietéticos, emocionais e ambientais, reduzindo o risco de obesidade e transtornos de humor. Esse é o objetivo de um recente artigo publicado no Frontiers in Pediatrics, sintetizado a seguir.  

 

Depressão e obesidade em crianças e adolescentes 

A obesidade infantil é um desafio global de saúde pública com impacto significativo no bem-estar físico e mental das futuras gerações. A depressão, que afeta mais de 320 milhões de pessoas globalmente, é uma preocupação crescente, especialmente entre adolescentes, onde contribui significativamente para o ônus global de doenças. Estudos mostram uma correlação entre obesidade e depressão, sugerindo uma possível relação causal entre as duas condições. Pesquisas indicam que crianças obesas, especialmente meninas, têm maior probabilidade de sofrer de depressão. Além disso, a insatisfação corporal desempenha um papel crítico na ligação entre obesidade e saúde mental, predispondo indivíduos a resultados adversos de saúde mental, como a depressão. Portanto, é essencial abordar tanto a obesidade quanto a saúde mental em intervenções preventivas e terapêuticas para melhorar a qualidade de vida das crianças e adolescentes. 

 

Mecanismo patogênico de obesidade e desenvolvimento de depressão 

Muitos estudos destacam mecanismos patológicos comuns entre obesidade e depressão, como inflamação sistêmica crônica, disfunção do sistema de recompensa dopaminérgico, deficiência de vitamina D e alterações neuroendócrinas. A associação entre dieta e saúde mental e física é complexa, envolvendo múltiplas vias biológicas. O estresse e a ativação do eixo hipotálamo-pituitária-adrenal (HPA) podem levar ao consumo excessivo de alimentos e obesidade. A obesidade e os transtornos de humor compartilham fatores como circuitos de recompensa neuronal alterados e níveis elevados de inflamação. Estudos mostram que a obesidade é caracterizada por inflamação crônica de baixo grau e que indivíduos deprimidos apresentam níveis mais altos de marcadores inflamatórios. A regulação da composição corporal e a redução da inflamação crônica são estratégias importantes para melhorar os desfechos de saúde. A resistência à leptina na obesidade e a desregulação do eixo HPA são fatores de risco para depressão. A neuromodulação e a neuroplasticidade, funções da vitamina D, também estão envolvidas na etiopatogenia da depressão. Assim, é crucial entender a interação entre esses mecanismos para desenvolver intervenções eficazes no tratamento e prevenção de ambas as condições. 

 

Interação entre humor, estado emocional e comportamentos alimentares 

Para combater a obesidade, é crucial entender os mecanismos que regulam a homeostase energética e a ingestão alimentar. Estudos destacam a importância de dois mecanismos na regulação da ingestão alimentar: saciação, que inibe a motivação para comer durante uma refeição, e saciedade, que impede o retorno da fome após a alimentação. Esses processos são influenciados por fatores fisiológicos, sensoriais e ambientais. No entanto, a epidemia atual de obesidade indica que fatores ambientais e psicológicos, como a alimentação emocional, podem perturbar o controle do apetite e a ingestão energética, destacando a necessidade de compreender os mecanismos físicos envolvidos na regulação da ingestão energética. 

É importante lembrar que a ingestão alimentar é regulada por sinais periféricos e centrais que monitoram nutrientes e equilibram a ingestão energética. Estes sinais interagem entre si para regular a saciedade e o equilíbrio energético. No entanto, o excesso de peso ou uma dieta rica em gordura e calorias pode alterar a sensibilidade a esses sinais, reduzindo a capacidade de regular a saciedade e o equilíbrio energético, além de afetar a função cognitiva e a sensibilidade aos aspectos gratificantes dos alimentos. Isso pode contribuir para a persistência do ganho de peso e do status de sobrepeso. 

 

Principais peptídeos e neurotransmissores envolvidos na regulação da ingestão de energia: 

  • Sistema aferente:  leptina, grelina, peptídeo semelhante ao glucagon -1 (GLP-1), insulina; 
  • Sistema nervoso central (SNC): neuropeptídeo (NPY), proteína peptídica relacionada ao gene cutia (AgRP), hormônio concentrador de melanina (MCH), hormônio estimulador de alfa-melanócitos (a-MSH); 
  • Sistema eferente: irisina, serotonina/norepinefrina, hormônios da tireoide. 

 

Alimentação emocional 

A alimentação emocional é um comportamento em que as pessoas comem em resposta a emoções negativas, muitas vezes escolhendo alimentos prazerosos para aliviar o estresse ou a tristeza. Esse padrão pode levar à alimentação excessiva e ao desenvolvimento da obesidade, uma vez que alimentos atraentes podem estimular áreas do cérebro ligadas à recompensa, semelhantes à dependência de drogas. O equilíbrio entre o prazer derivado da comida e as necessidades energéticas do corpo é regulado por sistemas de sinalização no cérebro, mas esse equilíbrio pode ser perturbado em situações de estresse ou distúrbios como a obesidade e a depressão, levando a padrões alimentares alterados e potencialmente a transtornos de humor. 

 

Hábitos alimentares e o risco de depressão 

Infelizmente, a qualidade da dieta infantil tem diminuído, afetando negativamente a saúde física e mental das crianças. Estudos mostram uma ligação entre dietas ocidentalizadas, ricas em alimentos processados, e um aumento nos transtornos mentais, enquanto dietas saudáveis estão associadas ao bem-estar mental. Dessa forma, melhorar os hábitos alimentares pode contribuir para a saúde mental, especialmente em adolescentes, pois a inflamação dietética, associada a padrões alimentares pouco saudáveis, está relacionada a um maior risco de depressão. Nutrientes anti-inflamatórios, como os presentes na dieta mediterrânea, podem ser benéficos para a saúde mental. 

 

Alimentos e nutrientes associados a maior ou menor risco de desenvolver depressão: 

Risco aumentado 

Baixo risco 

Consumo elevado de:  

  • Alimentos processados; 
  • Bebidas açucaradas; 
  • Comida para viagem e fast food; 
  • Lanches salgados; 
  • Carboidratos refinados; 
  • Gordura e gordura trans; 
  • Álcool; 
  • Via dos elementos triptofano/quinurenina; 
  • Dieta rica em calorias; 
  • Dieta hipercalórica rica em carboidratos. 

Adequado consumo de: 

  • Polifenóis; 
  • Ácido eicosapentaenóico (EPA); 
  • Ácido docosahexaenoico (DHA); 
  • Vitaminas do complexo B; 
  • Vitaminas C, D e E; 
  • Cisteína; 
  • Selênio; 
  • Triptofano; 
  • Zinco; 
  • Cafeína. 

 

Ingestão reduzida de carboidratos. 

Maior consumo de frutas e legumes. 

Maior consumo de peixe e nozes 

Fonte: Adaptado de Calcaterra et al., 2024. 

 

Microbioma intestinal 

Pesquisas mostram que dietas ricas em gordura ou calorias podem alterar o microbioma intestinal e influenciar comportamentos relacionados à depressão e ansiedade. Sendo assim, alimentos saudáveis, fibras fermentáveis e probióticos podem ter efeitos positivos na saúde mental. A comunicação entre o intestino e o cérebro envolve vias imunológicas, endócrinas e neuronais, e a microbiota intestinal desempenha um papel crucial nessa interação, afetando a inflamação, o metabolismo do triptofano e a produção de neurotransmissores como a serotonina e o GABA. Por fim, o nervo vago e o eixo hipotálamo-pituitária-adrenal, que estão relacionados à regulação do estresse, também são influenciados pela microbiota, com implicações para a saúde mental. 

 

Benefício das intervenções dietéticas sobre a obesidade e a depressão 

A dieta é uma importante intervenção no tratamento da obesidade e evidências sugerem seu potencial como tratamento adjuvante para depressão e transtornos de humor. A Psiquiatria Nutricional explora o uso de intervenções dietéticas, como a dieta Mediterrânea e a dieta cetogênica, para melhorar a saúde mental. No entanto, embora haja resultados promissores em adultos, ainda são necessários mais estudos para confirmar os benefícios dessas abordagens dietéticas em crianças e adolescentes com transtornos de humor. 

 

Suplementos nutricionais testados no tratamento de depressão/transtornos de humor 

Mecanismo de ação 

Nutriente 

Fonte 

Efeitos 

 

 

 

 

 

Ações anti-inflamatórias e antioxidantes 

N-acetilcisteína 

Derivado do aminoácido cisteína 

Não foram identificadas melhorias específicas nos sintomas ao adicionar N-acetilcisteína a tratamentos antidepressivos 

Ácidos graxos poliinsaturados ômega-3 (EPA e DHA) 

Peixe e óleo de peixe 

Efeitos benéficos na adição de PUFAs n-3 à terapia antidepressiva, mas ainda há evidências inadequadas para o uso de PUFAs n-3 como monoterapia para depressão/transtornos de humor 

Zinco 

Frutos do mar, feijão, nozes, carne vermelha, grãos integrais e laticínios 

Apenas evidências empíricas apoiam uma associação inversa entre a suplementação de zinco e sintomas depressivos 

Controle na metilação do DNA e síntese de neurotransmissores 

S-adenosilmetionina 

(SAMe) 

Sintetizado a partir do trifosfato de adenosina e do alfa-aminoácido metionina 

A terapia adjuvante com AMe correlacionou-se com o aumento da proporção de respondedores ou com a melhoria da velocidade de resposta aos antidepressivos 

Não está claro – Baixo status de folato associado à depressão e diminuição da eficácia do tratamento antidepressivo 

Vitamina B9/Folato 

Legumes (folhas verde-escuras, espinafre, etc.) e fígado 

A suplementação de folato parece melhorar a eficácia dos medicamentos antidepressivos tradicionais, mas são necessárias mais pesquisas 

Regulação da expressão gênica, promove ações antiinflamatórias e antioxidantes; modulação imunológica; produção de neurotransmissores 

Vitamina D 

Peixe (por exemplo, salmão, atum e cavala), gema de ovo, fígado e queijo A suplementação de vitamina D impactou favoravelmente as classificações de depressão na depressão maior com um tamanho de efeito moderado 

Legenda: PUFA – Poli Unsaturated Fatty Acid (ácido graxo polinsaturado). 

Fonte: Adaptado de Calcaterra et al., 2024. 

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Referências bibliográficas

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