AAP 2024: Constipação intestinal e os tratamentos não farmacológicos
Durante o encontro anual da Academia Americana de Pediatria (AAP 2024), foram discutidos os principais tópicos relacionados ao tratamento não medicamentoso da constipação intestinal, causa importante de consultas pediátricas. O Dr. Eric Chiou, reforçou que a maioria dos casos (95%) é funcional, sem condições subjacentes graves, mas alertou todos os pediatras a reconhecer os sinais de alerta que são cruciais para identificar causas orgânicas que podem exigir investigação adicional, são eles:
- Passagem de mecônio atrasada (>48 horas após o nascimento).
- Falta de crescimento ou ganho de peso inadequado.
- Fezes com sangue ou em forma de fita (podem sugerir problemas anatômicos).
- Distensão abdominal intensa.
- Resultados neurológicos anormais, como ausência do reflexo anal ou sinais que indiquem possível doença de Hirschsprung.
- Observação de anormalidades físicas como um sulco lombossacral ou um tufo de cabelo (que podem sinalizar defeitos na medula espinhal) ou um ânus deslocado para a frente.
No âmbito familiar, os impactos da constipação funcional são substanciais, afetando a dinâmica familiar, o estresse parental, a comunicação e a qualidade de vida dos pacientes e suas famílias. Muitos pais relatam se sentir culpados, enfatizando a necessidade de os clínicos fornecerem educação e apoio emocional aos cuidadores. A inter-relação entre constipação, bem-estar emocional e dinâmica familiar enfatiza a importância de uma abordagem holística no manejo dessa condição.
Quais são os tratamentos não farmacológicos atualmente disponíveis?
As diretrizes conjuntas das Sociedades Pediátricas Europeia e Norte-Americana (ESPGHAN e NASPGHAN) enfatizam que a primeira linha de tratamento seja não farmacológica. Isso inclui:
- Educação e desmistificação: Garantir que pais e filhos compreendam a condição ajuda a reduzir a ansiedade e os equívocos.
- Ajustes de estilo de vida: Incentivar a hidratação adequada, uma dieta rica em fibras e visitas ao banheiro programadas.
- Intervenções comportamentais: Ensinar a postura correta de defecação (por exemplo, joelhos acima do quadril com apoio para os pés) e aproveitar o reflexo gastrocólico natural do corpo após as refeições.
Fisioterapia do assoalho pélvico (FAP)
O estudo multicêntrico realizado na Holanda, mostrou que a FAP pode ser mais eficaz do que os cuidados padrão isolados para crianças com constipação funcional, particularmente naquelas com defecação dissinérgica. A FAP inclui exercícios que se concentram na postura, respiração abdominal e controle dos músculos do assoalho pélvico, o que pode melhorar a mecânica da defecação. Os resultados deste estudo mostraram uma alta taxa de sucesso para a FAP, com mais de 92% das crianças melhorando, em comparação com 63% no grupo de cuidados médicos padrão.
Dados sobre a terapia de Biofeedback
Embora a terapia de biofeedback, que utiliza dispositivos para aumentar a conscientização muscular, seja às vezes usada junto com a FAP, a evidência que suporta seu uso regular permanece insuficiente. No entanto, pode ser benéfico para populações específicas, como aquelas com defecação dissinérgica ou ansiedade.
No geral, embora a FAP do assoalho pélvico mostre promessas, pode não ser necessária para todos os pacientes, mas subgrupos específicos, como aqueles com defecação dissinérgica ou tônus muscular baixo, poderiam se beneficiar enormemente.
E a terapia comportamental?
Um ensaio clínico randomizado apresentado pelo Dr. Eric não encontrou diferença significativa nas taxas de sucesso do tratamento entre crianças que receberam terapia comportamental combinada com laxantes e aquelas que receberam apenas laxantes. Isso sugere que, embora a terapia comportamental possa ajudar a incentivar comportamentos apropriados de uso do banheiro, pode não melhorar significativamente os resultados gerais do tratamento quando usada juntamente com a terapia padrão com laxantes.
Vale a pena lembrar que, apesar disso, continua sendo importante o rastreamento de transtornos comportamentais ou potenciais alterações psicológicas, pois crianças com questões emocionais ou comportamentais podem se beneficiar de encaminhamentos para especialistas em saúde mental.
Existem novas evidências para o uso de fibras na constipação intestinal?
Veja quais são os tipos de fibra e seus efeitos
- Fibra solúvel: Forma uma consistência semelhante à do gel ao se misturar com água, o que pode melhorar a consistência das fezes, beneficiando tanto os sintomas de fezes duras quanto os de fezes soltas.
- Fibra insolúvel: Tem um efeito laxante ao aumentar o volume das fezes, estimulando a mucosa colônica e aumentando o peristaltismo.
Atenção para algumas fibras solúveis (prebióticos) que são fermentadas pela microbiota intestinal, produzindo ácidos graxos de cadeia curta que podem aumentar a motilidade colônica e melhorar a consistência das fezes, podem ser um potencial adjuvante.
Evidência clínica e aplicabilidade prática das fibras
- A evidência é mista, com alguns estudos mostrando benefícios e outros não demonstrando uma vantagem clara da fibra em relação ao placebo. O tipo e a dosagem assertiva de fibra para crianças permanecem incertos.
- As diretrizes da NASPGHAN atualmente não recomendam a suplementação de fibra para o tratamento da constipação funcional devido à evidência insuficiente.
- Estudos em adultos, no entanto, mostraram melhorias na frequência e consistência das fezes, particularmente com psyllium, em doses acima de 10 gramas por dia ao longo de um período de pelo menos quatro semanas. Porém, o Dr. Eric enfatizou que as crianças não são pequenos adultos e que precisamos ter cautela.
Mensagem prática
- Ainda devemos nos atentar para os sinais de alarme na constipação intestinal em busca de causas orgânicas que justifiquem essa manifestação;
- O tratamento medicamentoso é a primeira linha de tratamento, segundo a ESPGHAN e NASPGHAN;
- Novas evidências têm surgido em relação a fisioterapia pélvica;
- Não existem recomendações para o uso universal das fibras para manejo da constipação intestinal.
Confira a cobertura completa do AAP 2024!
Como você avalia este conteúdo?
Sua opinião ajudará outros médicos a encontrar conteúdos mais relevantes.