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Pediatria29 setembro 2024

AAP 2024: Constipação intestinal e os tratamentos não farmacológicos

Os impactos da constipação são substanciais, afetando a dinâmica familiar, o estresse parental, a comunicação e a qualidade de vida dos pacientes.
Por Jôbert Neves

Durante o encontro anual da Academia Americana de Pediatria (AAP 2024), foram discutidos os principais tópicos relacionados ao tratamento não medicamentoso da constipação intestinal, causa importante de consultas pediátricas. O Dr. Eric Chiou, reforçou que a maioria dos casos (95%) é funcional, sem condições subjacentes graves, mas alertou todos os pediatras a reconhecer os sinais de alerta que são cruciais para identificar causas orgânicas que podem exigir investigação adicional, são eles:

  • Passagem de mecônio atrasada (>48 horas após o nascimento). 
  • Falta de crescimento ou ganho de peso inadequado. 
  • Fezes com sangue ou em forma de fita (podem sugerir problemas anatômicos). 
  • Distensão abdominal intensa. 
  • Resultados neurológicos anormais, como ausência do reflexo anal ou sinais que indiquem possível doença de Hirschsprung. 
  • Observação de anormalidades físicas como um sulco lombossacral ou um tufo de cabelo (que podem sinalizar defeitos na medula espinhal) ou um ânus deslocado para a frente.

No âmbito familiar, os impactos da constipação funcional são substanciais, afetando a dinâmica familiar, o estresse parental, a comunicação e a qualidade de vida dos pacientes e suas famílias. Muitos pais relatam se sentir culpados, enfatizando a necessidade de os clínicos fornecerem educação e apoio emocional aos cuidadores. A inter-relação entre constipação, bem-estar emocional e dinâmica familiar enfatiza a importância de uma abordagem holística no manejo dessa condição. 

Quais são os tratamentos não farmacológicos atualmente disponíveis?  

As diretrizes conjuntas das Sociedades Pediátricas Europeia e Norte-Americana (ESPGHAN e NASPGHAN) enfatizam que a primeira linha de tratamento seja não farmacológica. Isso inclui:  

  • Educação e desmistificação: Garantir que pais e filhos compreendam a condição ajuda a reduzir a ansiedade e os equívocos.
  • Ajustes de estilo de vida: Incentivar a hidratação adequada, uma dieta rica em fibras e visitas ao banheiro programadas. 
  • Intervenções comportamentais: Ensinar a postura correta de defecação (por exemplo, joelhos acima do quadril com apoio para os pés) e aproveitar o reflexo gastrocólico natural do corpo após as refeições.

Fisioterapia do assoalho pélvico (FAP) 

O estudo multicêntrico realizado na Holanda, mostrou que a FAP pode ser mais eficaz do que os cuidados padrão isolados para crianças com constipação funcional, particularmente naquelas com defecação dissinérgica. A FAP inclui exercícios que se concentram na postura, respiração abdominal e controle dos músculos do assoalho pélvico, o que pode melhorar a mecânica da defecação. Os resultados deste estudo mostraram uma alta taxa de sucesso para a FAP, com mais de 92% das crianças melhorando, em comparação com 63% no grupo de cuidados médicos padrão. 

Dados sobre a terapia de Biofeedback

Embora a terapia de biofeedback, que utiliza dispositivos para aumentar a conscientização muscular, seja às vezes usada junto com a FAP, a evidência que suporta seu uso regular permanece insuficiente. No entanto, pode ser benéfico para populações específicas, como aquelas com defecação dissinérgica ou ansiedade. 

No geral, embora a FAP do assoalho pélvico mostre promessas, pode não ser necessária para todos os pacientes, mas subgrupos específicos, como aqueles com defecação dissinérgica ou tônus muscular baixo, poderiam se beneficiar enormemente. 

E a terapia comportamental?

Um ensaio clínico randomizado apresentado pelo Dr. Eric não encontrou diferença significativa nas taxas de sucesso do tratamento entre crianças que receberam terapia comportamental combinada com laxantes e aquelas que receberam apenas laxantes. Isso sugere que, embora a terapia comportamental possa ajudar a incentivar comportamentos apropriados de uso do banheiro, pode não melhorar significativamente os resultados gerais do tratamento quando usada juntamente com a terapia padrão com laxantes.  

Vale a pena lembrar que, apesar disso, continua sendo importante o rastreamento de transtornos comportamentais ou  potenciais alterações psicológicas, pois crianças com questões emocionais ou comportamentais podem se beneficiar de encaminhamentos para especialistas em saúde mental.  

Existem novas evidências para o uso de fibras na constipação intestinal?

Veja quais são os tipos de fibra e seus efeitos 

  • Fibra solúvel: Forma uma consistência semelhante à do gel ao se misturar com água, o que pode melhorar a consistência das fezes, beneficiando tanto os sintomas de fezes duras quanto os de fezes soltas. 
  • Fibra insolúvel: Tem um efeito laxante ao aumentar o volume das fezes, estimulando a mucosa colônica e aumentando o peristaltismo. 

 Atenção para algumas fibras solúveis (prebióticos) que são fermentadas pela microbiota intestinal, produzindo ácidos graxos de cadeia curta que podem aumentar a motilidade colônica e melhorar a consistência das fezes, podem ser um potencial adjuvante.  

Evidência clínica e aplicabilidade prática das fibras

  • A evidência é mista, com alguns estudos mostrando benefícios e outros não demonstrando uma vantagem clara da fibra em relação ao placebo. O tipo e a dosagem assertiva de fibra para crianças permanecem incertos.
  • As diretrizes da NASPGHAN atualmente não recomendam a suplementação de fibra para o tratamento da constipação funcional devido à evidência insuficiente.
  • Estudos em adultos, no entanto, mostraram melhorias na frequência e consistência das fezes, particularmente com psyllium, em doses acima de 10 gramas por dia ao longo de um período de pelo menos quatro semanas. Porém, o Dr.  Eric enfatizou que as crianças não são pequenos adultos e que precisamos ter cautela.

Mensagem prática

  • Ainda devemos nos atentar para os sinais de alarme na constipação intestinal em busca de causas orgânicas que justifiquem essa manifestação;
  • O tratamento medicamentoso é a primeira linha de tratamento, segundo a ESPGHAN e NASPGHAN;
  • Novas evidências têm surgido em relação a fisioterapia pélvica;
  • Não existem recomendações para o uso universal das fibras para manejo da constipação intestinal.

Confira a cobertura completa do AAP 2024!

Autoria

Foto de Jôbert Neves

Jôbert Neves

Médico do Departamento de Pediatria e Puericultura da Irmandade da Santa Casa  de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), Pediatria e Gastroenterologia Pediátrica pela ISCMSP, Título de Especialista em Gastroenterologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).  Médico formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Coordenador Young LASPGHAN do grupo de trabalho de probióticos e microbiota da Sociedade Latino-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (LASPGHAN).

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