A insônia pediátrica é uma queixa comum, mas frequentemente subestimada na prática clínica. Ela não se limita à dificuldade de dormir: envolve impactos significativos no comportamento, humor, aprendizado e até na dinâmica familiar. A aula da Dra. Binal Kancherla no AAP 2025 trouxe uma abordagem clara, prática e baseada em evidências para ajudar pediatras a reconhecer, classificar e tratar a insônia em crianças e adolescentes, com foco especial em intervenções comportamentais e educação parental.
A insônia em crianças é definida como dificuldade repetida em iniciar, manter ou consolidar o sono, mesmo com tempo e ambiente adequados, resultando em prejuízo funcional diurno. Os subtipos incluem insônia comportamental, psicofisiológica, paradoxal, secundária a transtornos mentais, médicos ou uso de substâncias.
A forma comportamental é a mais prevalente, especialmente em menores de cinco anos, sendo esta a mais abordada durante a plenária, e que se divide em dois tipos:
- Associação de início do sono: a criança depende de condições específicas (como carro, colo, música) para dormir. Sem elas, o sono é atrasado ou interrompido.
- Limites inadequados: a criança resiste ao horário de dormir ou não retorna à cama após despertares noturnos, geralmente por falta de firmeza nas regras parentais.
O diagnóstico é clínico, baseado em uma história detalhada do sono e dos efeitos diurnos. Exames como polissonografia são reservados para suspeitas de distúrbios respiratórios ou movimentos periódicos dos membros.
O tratamento deve começar pela educação dos pais e intervenções comportamentais, como:
- Rotinas positivas: criar um ritual de sono agradável e consistente.
- Restrição do sono: ajustar o horário de dormir ao momento em que a criança realmente sente sono, avançando gradualmente.
Essas técnicas são eficazes e seguras, com resposta em poucos dias a semanas. Estudos mostram que não há diferença significativa entre elas em termos de eficácia, mas a extinção não modificada tende a ter resposta mais rápida.
Higiene do sono é essencial: evitar telas antes de dormir, manter ambiente escuro e silencioso, regular horários e eliminar associações inadequadas.
O uso de medicações é reservado para casos refratários ou com comorbidades neurológicas. Melatonina, gabapentina, trazodona e clonidina são opções, mas nenhuma é aprovada formalmente para insônia em crianças. Sempre devem ser usadas em conjunto com intervenções comportamentais e por tempo limitado.
Conclusão e mensagem prática
A insônia pediátrica é multifatorial e exige uma abordagem estruturada, empática e educativa. O pediatra tem papel central na triagem, orientação e manejo inicial. A maioria dos casos pode ser resolvida com intervenções comportamentais bem conduzidas, sem necessidade de encaminhamento ou uso de medicamentos.
- Pergunte sobre o sono em todas as idades: horários, rotina, despertares, impacto diurno.
- Eduque os pais desde o início: sobre expectativas realistas, rotina e autonomia da criança para dormir.
- Intervenha com técnicas comportamentais antes de considerar medicamentos.
- Evite medicalizar o sono: a maioria dos casos responde bem a mudanças ambientais e comportamentais.
- Encaminhe ao especialista apenas quando houver suspeita de distúrbios primários do sono ou falha das abordagens iniciais.
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Autoria

Jôbert Neves
Médico do Departamento de Pediatria e Puericultura da Irmandade da Santa Casa de Misericórdia de São Paulo (ISCMSP), Pediatria e Gastroenterologia Pediátrica pela ISCMSP, Título de Especialista em Gastroenterologia Pediátrica pela Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP). Médico formado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES). Coordenador Young LASPGHAN do grupo de trabalho de probióticos e microbiota da Sociedade Latino-Americana de Gastroenterologia, Hepatologia e Nutrição Pediátrica (LASPGHAN).
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