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Pediatria16 setembro 2024

Artigo relata caso de síndrome de encefalopatia posterior reversível

O jornal americano Pediatrics trouxe, recentemente, um caso de síndrome de encefalopatia reversível posterior em um menino de 3 anos admitido em uma UTIP.

O jornal americano Pediatrics trouxe, recentemente, um relato de caso bastante intrigante. O’Brien e colaboradores (2024) do Stanford Children’s Health em Palo Alto, Califórnia, descreveram um caso de síndrome de encefalopatia reversível posterior (posterior reversible encephalopathy syndrome – PRES) em um menino de 3 anos admitido em Unidade de Terapia Intensiva Pediátrica (UTIP) devido a emergência hipertensiva, hipercalcemia, insuficiência respiratória hipercárbica e lesão renal aguda decorrentes de toxicidade por vitamina D (TVD). A PRES provavelmente ocorreu por hipertensão grave secundária à constrição do músculo liso induzida por hipercalcemia. 

O caso 

Criança com histórico de restrição de crescimento intrauterino (RCIU), nasceu pequeno para a idade gestacional (PIG) e estava apresentando histórico mais recente de atraso de crescimento de etiologia desconhecida, porém com marcos do desenvolvimento normais para a idade. É relevante informar que a vacinação do paciente estava em dia e ele já estava desfraldado.  

História da doença atual  

O paciente estava apresentando tosse iniciada algumas semanas antes da internação, porém sem alteração no nível de atividade. No dia da admissão no pronto-socorro, os pais relataram fadiga e sonolência excessivas durante o dia, entretanto, à noite, ele não acordou e apresentou um episódio de incontinência urinária. 

  1. Sinais vitais: Frequência cardíaca (FC): 192 batimentos por minuto (bpm) e pressão arterial (PA) 128×114 mmHg. 
  2. Exame físico: Escala de coma de Glasgow (ECG) = 6, reação pupilar lenta e apneia periódica. 
  3. Exames laboratoriais: leucócitos: 30.700/mcL; plaquetas: 756.000/mcL; gasometria venosa: pH 7,1 e PvCO2 85,4; cálcio total: 16,8 mg/dL; álcool, paracetamol e salicilatos séricos: negativos; urina: sem alterações referentes a uso de drogas; painel respiratório: positivo para Parainfluenza 3 
  4. Outros exames complementares: eletrocardiograma (ECG): taquicardia sinusal; radiografia de tórax:  espessamento peri-hilar consistente com bronquiolite, sem opacidade focal, edema pulmonar ou cardiomegalia.  
  5. O paciente foi transferido para a UTIP. 

Na UTIP… 

  1. Recebeu levetiracetam por possíveis convulsões subclínicas; 
  2. Evoluiu com emergência hipertensiva, apresentando PA sistólica > 200 mmHg. Recebeu infusão intravenosa (IV) de nitroprussiato; 
  3. Aventada a possibilidade de sepse (leucocitose e trombocitose). Iniciado ceftriaxona. Foi confirmado, posteriormente, que a criança não teve infecção; 
  4. Lesão renal aguda: aumento de creatinina de 0,8 mg/dL na admissão para 1,01 mg/d; 
  5. Tratamento para a hipercalcemia: calcitonina 4 U/kg por via subcutânea (SC) 12/12 h por e hiperidratação com fluidos cristaloides balanceados. A criança urinava bem e, portanto, foi adiada uma possível terapia diurética para aumentar a excreção de cálcio; 
  6. Tomografia computadorizada (TC) de crânio sem contraste: baixa atenuação em lobos parietais posteriores bilaterais paramedianos e lobo occipital esquerdo;  
  7. Parecer da neurologia pediátrica: exames adicionais foram recomendados para avaliação de alteração de consciência: proteína C-reativa (PCR) levemente aumentada; procalcitonina normal; eletroencefalograma (EEG): lentidão difusa de fundo sem convulsões consistente com encefalopatia; ressonância magnética de crânio sem contraste ou angiografia por ressonância magnética: imagens consistentes com hiperperfusão nos córtices frontoparietais bilaterais e giros cingulados, compatíveis com PRES. 

Diagnósticos diferenciais para hipertensão e hipercalcemia 

  • Exames laboratoriais inconsistentes com hipertireoidismo, hiperparatireoidismo ou síndrome paraneoplásica; 
  • Fosfatase alcalina (FA) baixa – inconsistente com doenças de reabsorção óssea; 
  • Ecocardiograma: dilatação leve da raiz aórtica e função biventricular normal baixa – hipertensão crônica, apesar de um tamanho ventricular esquerdo normal; 
  • Ultrassonografia renal com Doppler: hiperecogenicidade parenquimatosa sugestiva de doença renal e nefrocalcinose medular bilateral (hipercalciúria crônica). 

Leia também: Albumina associada a lactulose ajuda a melhorar a encefalopatia hepática?

Toxicidade pela vitamina D 

  • Concentração sérica de 25-hidroxivitamina D > 200 ng/mL; 
  • Em anamnese detalhada, os pais relataram que, erroneamente, estavam suplementando o paciente com ¼ de um conta-gotas cheio, isto é, 0,15 mL/dia de vitamina D concentrada (5000 UI/0,057 mL) ao invés de 3 gotas recomendadas (0,057 mL), contabilizando 13.150 Ui/dia; 
  • No ambulatório, antes da internação, o ganho de peso era lento, mas consistente. No entanto, 5 meses antes da admissão, apresentou uma perda de peso registrada de 0,73 kg e caiu abaixo do percentil 0,01 em menos de 3 meses. Havia também 2 PA documentadas, uma acima do percentil 99 para a idade 3 meses antes da admissão. 

Tratamento da PRES  

  • Normalizar o controle da PA; 
  • Abordar fatores de risco modificáveis. 

Tratamento da TVD 

  • Controlar as manifestações clínicas.  

Observações quanto ao caso relatado 

  • Como a FA sugeria baixa reabsorção óssea, a terapia com calcitonina foi descontinuada no segundo dia de internação; 
  • O paciente recebeu hiper hidratação e medicamentos anti-hipertensivos, pois a vitamina D é lipossolúvel e requer tempo para ser excretada; 
  • A hipertensão era crônica, portanto, a meta era reduzir a PA em não mais do que 10% por dia para atingir uma PA sistólica menor que 105 mm Hg ou o 95º percentil para a idade; 
  • Até o segundo dia de internação: o paciente ficou sedado, em ventilação mecânica invasiva e em uso de nitroprussiato; 
  • Terceiro dia de internação: transferência para a Enfermaria geral. 
  • Quarto dia de internação: iniciou amlodipina; 
  • Décimo nono dia de internação: recebeu um adesivo de clonidina para controle da PA. 

Conclusão 

De acordo com os pesquisadores, este caso parece ser o primeiro exemplo de PRES pediátrica associado à TVD. O excesso de suplementação de vitamina D pode ocorrer devido a um mal-entendido das orientações do médico ou à falta de informações completas sobre a dosagem. No caso em questão, a mãe da criança teria consultado o pediatra sobre a suplementação de vitamina D, porém não houve uma discussão detalhada sobre a dosagem, levando os pais a acreditarem que aumentar a quantidade de vitamina D seria adequada e seguro. Portanto, este relato contribui para ressaltar os potenciais riscos de suplementos nutricionais considerados inofensivos, sublinhando a importância de uma orientação clara por parte dos profissionais de saúde e de um levantamento cuidadoso dos medicamentos utilizados. 

Comentário 

Em minha prática, sigo o princípio de que questionamentos são sempre bem-vindos e nunca excessivos. Assim, mesmo quando se trata de suplementos, é fundamental que a forma como as prescrições são seguidas pelos pais seja cuidadosamente revisada e demonstrada desde a primeira recomendação. Essa abordagem pode prevenir tratamentos adicionais desnecessários e, como observado no caso mencionado, evitar doses excessivas que podem resultar em toxicidade devido a falhas de comunicação. Reconhecemos que erros podem ocorrer, e é nosso dever estar constantemente vigilantes para evitá-los e corrigi-los sempre que forem identificadas discrepâncias. 

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Referências bibliográficas

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