Associação entre asma e doença do refluxo gastroesofágico em crianças
Uma associação entre asma e a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) tem sido mostrada em crescentes evidências da literatura, com relatos de maior prevalência de DRGE em pacientes pediátricos asmáticos em comparação com aquelas sem a doença. Ademais, alguns estudos concluíram que o tratamento da DRGE pode melhorar as manifestações clínicas de asma infantil, indicando uma possível ligação entre as duas.
Pesquisadores da Arábia Saudita conduziram uma revisão sistemática da literatura publicada em julho de 2024 no periódico Cureus. O objetivo foi explorar a associação entre a asma e DRGE em crianças, incluindo os mecanismos potenciais subjacentes a essa relação, o impacto da DRGE nos desfechos da asma e as implicações para a prática clínica.
Metodologia
Uma busca abrangente em bases de dados eletrônicas (como PubMed, Scopus e Web of Science) foi conduzida utilizando palavras-chave relevantes relacionadas à asma infantil, DRGE e sua potencial associação. Também foram consultadas fontes adicionais, como listas de referências de artigos relevantes e literatura cinzenta.
Os estudos incluídos foram artigos de pesquisa original que investigam a associação entre asma infantil e DRGE em crianças. Os artigos deviam ser publicados em inglês, incluir participantes com menos de 18 anos e ter sido realizados após 2010. Foram excluídas pesquisas que não se concentraram em asma infantil ou DRGE, estudos com dados insuficientes, relatos de casos e artigos de revisão.
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Resultados
Foram incluídos 12 estudos na revisão: cinco estudos transversais, quatro coortes retrospectivas, duas coortes prospectivas e um caso-controle. Dois estudos foram conduzidos nos Estados Unidos, dois na Turquia, um na Arábia Saudita, um na China, um na Coreia, um na Índia, um na Itália, um na Romênia, um na Tailândia e um na Síria. O primeiro estudo foi conduzido em 2010 e o último, em 2024.
Houve um total de 176.678 pacientes, sendo que 51,8% deles (91.447) eram do sexo masculino. A prevalência de DRGE em crianças asmáticas foi bastante variável, entre 0,7% e 65,3%. A prevalência total encontrada foi de 3,6% (3.317).
Os pesquisadores notaram que os estudos incluídos na análise documentaram que a DRGE aumenta a chance de asma, enquanto a asma aumenta o risco de DRGE. Outros pontos importantes observados: a obesidade em pacientes asmáticos representa um fator de risco independente para a incidência de DRGE. Por fim, o controle da asma é significativamente impactado por comorbidades, como a DRGE e a obesidade.
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Conclusão
A revisão concluiu haver uma possível ligação entre crianças com asma encaminhadas para unidades de cuidados secundários e terciários e a presença de DRGE. Contudo, os pesquisadores apontam que a evidência para essa ligação é insuficiente em diversos contextos, e ressaltam a necessidade de pesquisa epidemiológica adicional para investigar a conexão entre as duas doenças, incluindo acompanhamento de longo prazo.
Comentário: asma e a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE)
Considero a revisão bem elaborada, com dados atuais, seguindo a padronização de metodologia PRISMA. Além disso, é muito útil na prática pediátrica, apesar dos resultados ainda pouco conclusivos. Ao pensar em asma e DRGE, duas situações precisam ser levadas em consideração, conforme também destacado pelos autores da revisão:
- Doenças crônicas do trato respiratório, como a asma, evoluem com aumento da pressão intra-abdominal, com consequente disfunção do esfíncter esofagiano inferior e manifestações clínicas de DRGE. Dessa forma, a asma representa uma manifestação extra-esofágica frequente da DRGE;
- As hipóteses do “refluxo” e do “reflexo” têm sido consideradas para explicar como a DRGE afeta a asma. Segundo a hipótese do “refluxo”, a aspiração do conteúdo gástrico pode cursar com inflamação nas vias aéreas ou fazer com que o ácido escorra para as vias aéreas inferiores, culminando em hiper-reatividade das vias aéreas. Por outro lado, conforme preconizado pela hipótese do “reflexo”, o refluxo provoca broncoconstrição e ativação vagal ao estimular receptores no esôfago distal.
Portanto, diante de um paciente com asma de difícil controle, o pediatra deve estar sempre atento para a possibilidade de diagnóstico diferencial de DRGE. A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) recomenda que, nos quadros de asma e outras manifestações relacionadas à DRGE, os inibidores de bomba de prótons (IBP) não devem ser usados empiricamente, porém seu uso deve estar condicionado aos casos em que se comprova a ação ácida como determinante ou colaboradora dos sintomas em questão por endoscopia, pHmetria esofágica ou impedâncio-pHmetria. Já em pacientes com manifestações clínicas de asma persistente grave, especialmente com exacerbações noturnas e sintomas digestivos (como azia, queimação retroesternal e dor epigástrica) podem ser submetidos a um tratamento empírico com IBP por três meses. Por fim, se a asma se apresenta de difícil controle ou instável, a pHmetria esofágica deve ser considerada antes de iniciar o tratamento para DRGE. Aliás, a observação de recuperação da função respiratória e de diminuição dos sintomas digestivos fortalecem a suspeita de associação entre essas duas condições na asma grave.
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