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Pediatria17 novembro 2024

CBMI 2024: Hemocomponentes em pacientes pediátricos oncológicos

Confira os principais destaques da palestra "Uso racional de hemocomponentes no paciente oncológico", durante o CBMI 2024.

O painel “Oncologia” no XXIX Congresso Brasileiro de Medicina Intensiva (CBMI) 2024 abordou um tema muito relevante para a prática diária dos pediatras intensivistas. A Dra. Dafne Bourguignon (São Paulo/SP) ministrou a palestra “Uso racional de hemocomponentes no paciente oncológico”. Pontos de destaque da aula estão sintetizados a seguir. 

 

Uso profilático x uso terapêutico 

A Dra. Dafne destacou as seguintes abordagens com relação à transfusão de hemocomponentes: 

  • Uso terapêutico: em vigência de sangramento. 
  • Uso profilático: muitas vezes, a transfusão é indicada com base somente em valores do hemograma, sem considerar as condições clínicas do paciente (um uso “emocional” de quem prescreve). É importante sempre lembrar do uso racional dos hemocomponentes (Patient Blood Management). 

 

Patient Blood Management – uso racional dos hemocomponentes 

A palestrante chamou a atenção para este tópico, que consiste em uma abordagem sistemática, baseada em evidências e focada no paciente, visando melhor manejo e resultados destes, através do uso seguro e racional dos hemocomponentes. As estratégias consistem em EVITAR as transfusões dispensáveis e REDUZIR a espoliação recorrente e excessiva, por meio de um envolvimento multidisciplinar. Cada instituição deve ter suas rotinas e processos bem estabelecidos. A Dra. Dafne também enfatizou que as crianças têm maior risco de sangramento quando comparadas aos adultos (conforme o ensaio clínico randomizado de Josephson e colaboradores, 2012) e mostrou os graus de sangramento segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS): 

  • Grau 1:  
  • Petéquias/púrpuras localizadas em até 2 localizações, ou esparsas/não confluentes; 
  • Sangramento orofaríngeo, epistaxe com duração 30 minutos; 
  • Grau 2:  
  • Melena, hematêmese, hemoptise, presença de sangue vivo nas fezes;  
  • Epistaxe volumosa ou sangramento orofaríngeo com duração > 30 minutos; 
  • Sangramento oral que cause um grande desconforto; 
  • Petéquias/púrpuras difusas; 
  • Hematomas múltiplos com >2 cm cada ou único com >10cm; 
  • Hematúria visível; 
  • Sangramento anormal em local de punção ou procedimento invasivo; 
  • Sangramento vaginal inesperado com saturação de mais que 2 absorventes/24 horas; 
  • Sangramento visível em fluidos de cavidades; 
  • Sangramento de retina sem déficit visual. 
  • Grau 3: 
  • Sangramento com necessidade de transfusão de concentrado de hemácias nas últimas 24 horas e sem instabilidade hemodinâmica; 
  • Sangramento importante em fluidos de cavidades; 
  • Sangramento cerebral visível em tomografia sem sinais e sintomas neurológicos 
  • Grau 4: 
  • Sangramento debilitante incluindo sangramento de retina com déficit visual; 
  • Sangramento cerebral não fatal com sinais e sintomas neurológicos; 
  • Sangramento associado com instabilidade hemodinâmica (hipotensão, queda > 30 mmHg na pressão sistólica ou diastólica); 
  • Sangramento fatal de qualquer origem. 

 

Estudos mostrados pela Dra. Dafne: 

  • Lacroix e colaboradores (2007): Transfusion strategies for patients in pediatric intensive care units 
  • Ensaio clínico randomizado controlado em que foram avaliadas duas estratégias de transfusão de hemácias: restritiva (Hb ≤ 7g/dL) x liberal (Hb ≤ 9,5g/dL); 
  • Esse estudo mostrou que uma abordagem restritiva, com um limiar de hemoglobina de 7 g/dL, pode reduzir as necessidades de transfusão de hemácias sem aumentar os desfechos adversos em crianças graves estáveis. 

 

  • Steiner e colaboradores (2018): Recommendations on RBC Transfusion Support in Children With Hematologic and Oncologic Diagnoses From the Pediatric Critical Care Transfusion and Anemia Expertise Initiative 
  • Consenso de especialistas; 
  • Uma concentração de hemoglobina de  7-8 g/dL é recomendada para pacientes pediátricos com doença oncológica ou submetidos a transplante de células-tronco hematopoiéticas. 

 

  • Valentine e colaboradores (2018): Consensus Recommendations for RBC Transfusion Practice in Critically Ill Children From the Pediatric Critical Care Transfusion and Anemia Expertise Initiative 
  • Consenso de especialistas; 
  • Foi sugerida uma  concentração de hemoglobina de  7-8 g/dL para crianças graves com diagnóstico oncológico ou em risco de doença grave e hemodinamicamente estáveis. 

 

  • Mo e Delaney (2021): Transfusion in Pediatric Patients: Review of Evidence-Based Guidelines 
  • Revisão da literatura baseada em evidências; 
  • Plaquetas:  
  1. A maior parte das transfusões é feita PROFILATICAMENTE para pacientes para pacientes oncológicos e de TCTH; 
  1. Para procedimentos menores (biópsia de medula óssea, passagem de cateter venoso central, sem sangramento ou coagulopatia): 20 mil plaquetas (Association for the Advancement of Blood & Biotherapies [AABB] e American Society of Clinical Oncology [ASCO]); 
  1. Cirurgia não-neurológica, sem sangramento ou coagulopatia: 40-50 mil (AABB) ou 50 mil plaquetas (ASCO); 
  1. Coagulação intravascular disseminada [CIVD], neurocirurgia ou cirurgia oftalmológica: 75-100 mil plaquetas (British Guidelines); 
  1. Oxigenação por membrana extracorpórea (ECMO): 100 mil plaquetas (circuito com heparina).  
  • Plasma: Os limiares de transfusão são controversos 
  1. Não deve ser dado para correção de coagulopatia leve a moderada, se não houver sangramento ou realização de procedimento invasivo (coagulopatia severa = INR > 2,5 e/ou TTPa > 60”). 
  • Crioprecipitado: Os limiares de transfusão são controversos 
  1. Os níveis de fibrinogênio recomendados variam de 100 mg/dL (tradicionalmente indicado para hipofibrinogenemia congênita) até 150 a 200 mg/dL para deficiência adquirida secundária cirurgia cardiovascular ou trauma. 

 

  • Nellis e colaboradores (2022): Executive Summary of Recommendations and Expert Consensus for Plasma and Platelet Transfusion Practice in Critically Ill Children: From the Transfusion and Anemia EXpertise Initiative—Control/Avoidance of Bleeding (TAXI-CAB) 
  • Em pacientes neonatais ou pediátricos gravemente enfermos oncológicos ou submetidos a transplante de células-tronco hematopoiéticas (TCTH), não há evidências suficientes para fazer uma recomendação sobre indicações específicas ou estratégias de transfusão para direcionar a transfusão de plasma ou plaquetas; 
  • Em pacientes pediátricos gravemente enfermos oncológicos ou submetidos a TCTH, transfusões profiláticas de plaquetas podem ser consideradas para uma contagem de plaquetas < 10.000 mm³; 
  • Em pacientes pediátricos gravemente enfermos oncológicos ou submetidos a TCTH, transfusões terapêuticas de plaquetas podem ser consideradas para sangramento moderado ou grave;  
  • Em pacientes pediátricos gravemente enfermos oncológicos ou submetidos a TCTH, transfusões terapêuticas de plasma para coagulopatia menor (INR ≤ 1,5; aPTT ≤ 1,5) podem não ser benéficas, a menos que a cirurgia seja realizada em um estado crítico (órbita, cérebro, nervo facial, coluna vertebral, etc.). 

 

  • Carson e colaboradores (2023): Red Blood Cell Transfusion: 2023 AABB International Guidelines 
  • Recomendações para pacientes hospitalizados: 
  1. Adultos hemodinamicamente estáveis: estratégia restritiva (Hb 7); Hb 7,5 para cirurgia cardíaca Hb 7,5 e 8,0 para cirurgia ortopédica ou doença cardiovascular preexistente; 
  2. Adultos com doença onco hematológica: estratégia restritiva (Hb 7); 
  3. Crianças criticamente enfermas, sem hemoglobinopatia, cardiopatia cianótica ou hipoxemia severa: Hb 7; 
  4. Crianças hemodinamicamente estáveis, com cardiopatia congênita: Hb 7 (reparo biventricular); Hb 9 (ventrículo único) e Hb entre 7 e 9 (cardiopatia congênita não corrigida). 

 

Mensagens finais 

A Dra Dafne deixou as seguintes mensagens ao final de sua apresentação: 

  1. Plaqueta não é antibiótico, portanto, não deve ser prescrita de horário (a cada 8 ou 12 horas, por exemplo). Conforme folder da iniciativa “EducaSangue” mostrado na aula, “A transfusão de plaquetas deve ser baseada na contagem plaquetária do dia. Uma dose é geralmente suficiente”; 
  1. “Quem recebe a transfusão é o paciente e não o hemograma, de acordo com outro folder da iniciativa “EducaSangue”. 
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