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Pediatria26 setembro 2025

Manifestações neurológicas na Febre Familiar do Mediterrâneo em crianças

Revisão sistemática mostra cefaleia e convulsões como principais manifestações neurológicas em crianças com FFM.

A Febre Familiar do Mediterrâneo (FFM) é uma doença autoinflamatória rara caracterizada por episódios recorrentes de inflamação que duram de 1 a 3 dias e se manifestam, em geral, como febre, dor abdominal, dor torácica e/ou artrite decorrente de serosite estéril. 

Embora sintomas neurológicos, como a cefaleia, sejam frequentemente relatados, ainda há poucos estudos sistemáticos sobre o tema, o que motivou pesquisadores europeus a investigá-lo de forma mais aprofundada. 

Veja também: Febre oropouche: Como estamos no Brasil?

febre familiar do mediterrâneo

Metodologia 

Foi realizada uma revisão sistemática da literatura publicada em bases como PubMed, Web of Science e Cochrane, incluindo artigos até 1º de março de 2025. Os autores utilizaram termos relacionados à doença e termos gerais e específicos referentes a manifestações neurológicas, como cefaleia, convulsões, doenças desmielinizantes, além de alterações do sistema sensorial, entre outros. 

Resultados e Discussão 

Foram incluídos 64 estudos, envolvendo 4.753 crianças com FFM. A maior parte correspondia a relatos e séries de casos, além de estudos observacionais. Nove estudos caso-controle também foram considerados, e alguns incluíram mais de 600 pacientes. No total, foram identificadas 1.610 crianças e adolescentes com manifestações neurológicas (33,9%). 

O sintoma neurológico mais frequentemente relatado foi a cefaleia (24,3%), com fenótipos variados: desde enxaqueca com e sem aura até cefaleia tensional e causas secundárias, como pseudotumor cerebri e vasculite cerebral. Em alguns estudos, a cefaleia ocorria exclusivamente durante as crises da FFM. A frequência dessa queixa parece ser maior do que na população geral. Curiosamente, a maioria dos trabalhos identificou cefaleia mais frequentemente em pacientes com diagnóstico clínico de FFM do que naqueles com genótipo confirmado. De toda forma, a heterogeneidade dos estudos e o caráter observacional da maioria limita a definição de uma relação causal direta entre FFM e cefaleia. Ainda assim, alguns autores sugerem considerar o diagnóstico de enxaqueca em crianças e adolescentes com FFM que apresentem episódios recorrentes de cefaleia. 

Epilepsia e crises convulsivas febris foram relatadas em 6,7% dos pacientes. Um achado interessante foi que as convulsões geralmente ocorriam durante as crises da FFM e raramente eram acompanhadas de alterações eletroencefalográficas. Em alguns estudos, mais de um episódio convulsivo foi descrito dentro da mesma crise autoinflamatória. Apenas uma criança submetida à ressonância magnética de crânio apresentou alteração significativa (síndrome da encefalopatia posterior reversível). Também nesse campo, os dados foram escassos e baseados, em sua maioria, em estudos observacionais, o que dificulta a interpretação dos achados. 

Foram identificadas apenas oito crianças com diagnóstico concomitante de doenças desmielinizantes. Destas, cinco apresentavam esclerose múltipla, todas homozigotas para a variante M694V. Os autores levantam a hipótese de que crises inflamatórias mais frequentes, ou mesmo inflamação crônica/subclínica, possam atuar como gatilho para a resposta imune que leva ao início de doenças desmielinizantes. Além disso, foram descritos dois pré-escolares com neurite óptica, também portadores da variante M694V. 

Outras manifestações incluíram alterações oculares/retinianas, como três casos de vasculite retiniana. Em relação ao sistema vestibulococlear, nove pacientes apresentaram alterações auditivas relacionadas à disfunção coclear. Perda auditiva sensorioneural foi relatada em alguns estudos, embora sem número exato informado. Vertigem foi descrita em 38 crianças, sendo identificada causa subjacente em quatro casos (vasculite cerebral ou acidente vascular cerebral). Mais uma vez, a presença de viés observacional dificulta a definição de relações causais. 

Entre outras manifestações neurológicas destacaram-se: distúrbios sensoriais em 26 pacientes, fraqueza muscular em 16 e distúrbios do movimento em sete crianças e adolescentes. 

Considerando que um dos mecanismos-chave da FFM é a ativação descontrolada do inflamassoma da pirina, com liberação de mediadores pró-inflamatórios como a IL-1β, e que esta citocina tem papel conhecido em processos de neuroinflamação relacionados a outras doenças, ressalta-se o possível envolvimento da IL-1β nas manifestações neurológicas da FFM. 

Conclusões 

Crianças e adolescentes com FFM podem apresentar um espectro heterogêneo de manifestações neurológicas, sendo as mais comuns a cefaleia e as convulsões febris. No entanto, devido à escassez de evidências mais robustas e ao viés observacional da maioria dos estudos, não é possível, no momento, estabelecer uma relação causal entre essas manifestações e a doença. 

Autoria

Foto de Bárbara Carvalho Santos dos Reis

Bárbara Carvalho Santos dos Reis

Mestre e Doutoranda em Saúde Materno-Infantil (IFF/FIOCRUZ) • Residência médica em Pediatria pelo Hospital Universitário Pedro Ernesto (UERJ) • Residência médica em Alergia e Imunologia Pediátrica no Instituto Fernandes Figueira (IFF/FIOCRUZ) • Mestre em Saúde Materno-Infantil (IFF/FIOCRUZ) • Graduação em Medicina pela Universidade Estácio de Sá (UNESA) • Membro da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP) e da Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (ASBAI) • Membro da Rede Nacional de Genômica para Erros Inatos dos Imunidade (RENOMIEII) da FIOCRUZ • Preceptora da residência médica de Alergia e Imunologia Infantil do Instituto Fernandes Figueira (IFF/FIOCRUZ) • Instagram: @barbarareis.pediatra

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