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Endocrinologia22 junho 2025

ADA 2025: Efeito de CagriSema na melhora do controle glicêmico de diabéticos

O REDEFINE-2 foi um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo de fase 3a, com duração de 68 semanas. Confira o que foi apresentado.

A edição de 2025 do congresso da American Diabetes Association (ADA) destacou avanços impressionantes no manejo do diabetes tipo 2 (DM2) e da obesidade. Uma das apresentações mais aguardadas foi o estudo REDEFINE-2, que trouxe resultados contundentes sobre a combinação de duas moléculas potentes e com mecanismos complementares: a cagrilintida, um análogo da amilina de longa ação, e a semaglutida, agonista do receptor de GLP-1, administrada por via subcutânea uma vez por semana, a CagriSema. 

A razão deste estudo está enraizada no desafio de tratar o DM2 em pacientes com sobrepeso ou obesidade, uma realidade que afeta mais de 90% dos indivíduos com a doença, e vice versa, já que o tratamento da obesidade em pacientes com DM2 é muito mais complexo, com uma perda de peso cerca de 30% menor que em indivíduos sem DM. Perdas de peso mais substanciais, como acima de 10% do peso corporal, permanecem difíceis de alcançar com a maioria das intervenções disponíveis em pacientes com DM2, cuja fisiologia favorece o reganho de peso e o uso de medicações hiperglicemiantes (como sulfonilureias e tiazolidinedionas).  

A cagrilintida age por meio do receptor da amilina e de seus receptores relacionados, modulando centros hipotalâmicos ligados à saciedade e ingestão alimentar. Já a semaglutida, agora já uma “velha conhecida”, além de aumentar a secreção de insulina e reduzir o glucagon de forma glicose-dependente, também atua no sistema nervoso central promovendo saciedade e redução da ingestão calórica. Com base em dados de seus estudos de fase 2, altamente promissores, a premissa do REDEFINE-2 foi justamente avaliar se a combinação dessas vias fisiológicas poderia gerar efeitos superiores à monoterapia com qualquer um dos agentes. O estudo também explorou desfechos metabólicos mais amplos, como melhora do controle glicêmico, pressão arterial, marcadores de qualidade de vida e, em subgrupo, o impacto na variabilidade glicêmica por meio de monitorização contínua da glicose (CGM). Devido à importância do tema, além da apresentação em destaque no terceiro dia do congresso da ADA 2025, o artigo também foi publicado no NEJM. 

O ESTUDO 

O REDEFINE-2 foi um ensaio clínico randomizado, duplo-cego e controlado por placebo de fase 3a, com duração de 68 semanas. Conduzido em 12 países de três continentes, incluiu 1206 adultos com diabetes tipo 2, HbA1c entre 7% e 10%, e índice de massa corporal (IMC) ≥ 27 kg/m². Todos os pacientes haviam falhado previamente em tentativas dietéticas para perda de peso. 

A média de idade dos participantes foi de 56 anos, com ligeira maioria masculina (52,8%). A média de IMC era de 36,2 kg/m² e o peso corporal médio, 102,2 kg. A HbA1c média no início do estudo era de 8,0% e o tempo médio de diagnóstico de diabetes era de 8,5 anos. A amostra incluiu uma proporção relevante de indivíduos asiáticos (28,7%) e brancos (66%), com 85,9% em uso de metformina, 33,4% com iSGLT2 e 26,9% em uso de sulfonilureias. 

Os pacientes foram randomizados na proporção 3:1 para receber a combinação semanal de cagrilintida 2,4 mg + semaglutida 2,4 mg ou placebo, ambos associados a orientações de estilo de vida. A titulação foi progressiva, com aumento de dose a cada 4 semanas até alcançar a dose-alvo após 16 semanas. O acompanhamento prosseguiu por 68 semanas (52 semanas em dose-alvo e 7 de seguimento). 

O protocolo permitiu ajustes de dose diante de efeitos adversos, e as medicações antidiabéticas prévias puderam ser modificadas conforme julgamento do investigador. Um subgrupo nos EUA utilizou sensores de CGM para avaliação de variabilidade glicêmica. 

Resultados

 A perda de peso foi significativamente superior com a combinação comparada ao placebo. A perda de peso corporal (estimativa principal: treatment-policy estimand) reportada ao final do estudo foi: 

– CagriSema: −13,7%
– Placebo: −3,4% (Diferença absoluta: −10,4% (p<0,001) 

A proporção de pacientes que atingiram perdas superiores a 5, 10, 15 e 20%, foram: 

– ≥5% de perda de peso: 83,6% vs. 30,8% 

– ≥10%: 65,6% vs. 10,3% 

– ≥15%: 43,8% vs. 2,4% 

– ≥20%: 22,9% vs. 0,5% 

Também houve uma redução de circunferência abdominal foi de 11,9 cm no grupo ativo vs. 3,6 cm no placebo. Uma diferença para os estudos da tirzepatida, por exemplo, não houve o reporte estratificado por doses menores. 

CONTROLE GLICÊMICO E OUTROS DESFECHOS METABÓLICOS 

O impacto no controle glicêmico também foi expressivo. A redução média da HbA1c foi de −1,8%mno grupo CagriSema vs. −0,4% com placebo. Além disso, 73,5% dos participantes atingiram HbA1c ≤ 6,5% (vs. 15,9% no placebo), com melhora paralela nos níveis de glicemia de jejum também. 

Um grande destaque foi o subgrupo com uso do CGM. O tempo em faixa-alvo (70–180 mg/dL) aumentou de 43,6% para 86,8%, enquanto no grupo placebo esse aumento foi de 41,3% para apenas 50,2%. O tempo em hipoglicemia (<70 mg/dL) foi <1% em ambos os grupos, demonstrando excelente segurança glicêmica mesmo com níveis de HbA1c muito baixos. 

A pressão arterial sistólica caiu em média 6,5 mmHg com CagriSema (vs. 2,4 mmHg com placebo), e houve melhora de marcadores inflamatórios (como PCR) e perfis lipídicos. Também se observou melhora clinicamente relevante na qualidade de vida e função física, sobretudo entre aqueles que já apresentavam limitação funcional na linha de base. 

SEGURANÇA 

Os eventos adversos foram mais frequentes no grupo CagriSema (90,2% vs. 85,4%), com predomínio de efeitos gastrointestinais leves a moderados, como náuseas (mais prevalentes na fase de titulação), vômitos e constipação. Apesar disso, a taxa de descontinuação por eventos adversos foi relativamente baixa: 8,4% vs. 3,0%. 

Foram relatados três casos de pancreatite e quatro mortes no grupo ativo (suicídio, câncer pancreático, morte súbita e outra causa não cardiovascular). A taxa de hipoglicemia grave (nível 3) foi de apenas 0,2%, exclusivamente em usuários de sulfonilureia. 

Conclusão e mensagem prática

O REDEFINE-2 é um estudo que redefine o potencial terapêutico para o paciente com diabetes tipo 2 e obesidade. A magnitude da perda de peso observada com a CagriSema foi notável, superando o que geralmente se observa com a semaglutida isoladamente nessa população. Vale lembrar que pessoas com DM2 tendem a perder menos peso que indivíduos sem diabetes, em função de múltiplas barreiras fisiológicas e farmacológicas. 

Em comparação com estudos prévios com a semaglutida isolada (ainda que não tenha sido realizada uma comparação direta, head to head, neste estudo), a CagriSema se mostra superior para o tratamento da obesidade em pacientes com DM, atingindo níveis de perda de peso equiparáveis aos da tirzepatida 10 mg  (–12.8%) ou 15 mg (–14.7%) para esta população. 

Além da perda ponderal, a combinação promoveu controle glicêmico potente com baixa incidência de hipoglicemia, mesmo em pacientes que usavam sulfonilureias. Os dados de CGM corroboram a segurança e eficácia no dia a dia. 

Em um cenário onde agentes como tirzepatida já são considerados padrão ouro, o REDEFINE-2 mostra que há espaço para alternativas inovadoras e eficazes — inclusive com mecanismos diferentes. A CagriSema surge como mais uma opção de “primeira prateleira” para o tratamento de pacientes com DM2 e obesidade.

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Referências bibliográficas

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