O Congresso da Academia Americana de Pediatria (AAP 2025), realizado entre os dias 27 e 30 de setembro de 2025, em Denver, Colorado/EUA, trouxe uma das abordagens mais atualizadas e sensíveis sobre o Transtorno do Espectro Autista (TEA), liderada pela Dra. Adiaha Spinks-Franklin.
Em um cenário onde a prevalência de TEA continua a crescer, hoje estimada em 1 a cada 31 crianças de 8 anos nos EUA, a aula reforçou o papel essencial do pediatra geral como agente de detecção precoce, encaminhamento ágil e promotor de um cuidado centrado na funcionalidade e na dignidade da criança autista.
A apresentação começou com dados epidemiológicos atualizados do CDC, revelando não apenas o aumento da prevalência de TEA, mas também disparidades importantes relacionadas à renda, raça e vulnerabilidade social. A Dra. Spinks-Franklin destacou que, embora mais crianças negras, indígenas, latinas e de áreas rurais estejam sendo diagnosticadas, ainda enfrentam barreiras significativas para acessar terapias e serviços adequados.
O diagnóstico do TEA segue os critérios do DSM-5-TR, que exigem déficits persistentes em comunicação social e padrões restritos e repetitivos de comportamento. A AAP recomenda que os pediatras realizem vigilância contínua do desenvolvimento e utilizem ferramentas padronizadas como o MCHAT-R/F aos 18 e 24 meses, além de outras como o questionário de comunicação social (SCQ) e o teste de triagem interativa rápida para autismo em crianças (RITA-T). A aula reforçou que sinais como ausência de resposta ao nome aos 12 meses, falta de apontar objetos aos 14 meses e ausência de brincadeiras simbólicas aos 18 meses devem ser considerados “red flags” e motivar encaminhamentos imediatos.
Outro ponto central foi a importância de intervenções precoces, que devem ser iniciadas mesmo antes da avaliação especializada. O pediatra deve encaminhar para serviços como fonoaudiologia, terapia ocupacional, fisioterapia e apoio em saúde mental, além de garantir acesso à educação especial e planos individualizados.
A linguagem utilizada pelos profissionais também foi abordada com profundidade. Muitos adolescentes e adultos autistas preferem a linguagem identitária (“criança autista”) em vez da linguagem pessoa-primeiro (“criança com autismo”), e o uso de termos como “curar autismo” ou “sofre de autismo” foi criticado por reforçar o capacitismo. A recomendação é perguntar diretamente à família e ao paciente qual linguagem preferem e evitar metas terapêuticas que visem “normalizar” comportamentos autistas, como forçar contato visual ou eliminar interesses restritos.
A aula também abordou comorbidades frequentes como TDAH, ansiedade e depressão,e o uso criterioso de psicofármacos, sempre com a abordagem “start low, go slow”. Por fim, discutiu-se o uso de leucovorina em pesquisas sobre deficiência cerebral de folato, com resultados promissores, mas ainda não suficientes para recomendação clínica ampla.
Conclusão e mensagem prática
A aula da Dra. Spinks-Franklin foi um chamado à ação para que pediatras gerais assumam um papel mais ativo, informado e empático no cuidado de crianças autistas. O TEA não é uma condição a ser “corrigida”, mas compreendida em sua diversidade. O foco deve ser ajudar a criança a funcionar com autonomia, desenvolver autoestima e construir uma identidade positiva, respeitando suas singularidades.
Mais do que aplicar protocolos, o pediatra deve ser um facilitador de acesso, um educador para as famílias e um defensor da inclusão. Isso exige não apenas conhecimento técnico, mas também sensibilidade cultural, escuta ativa e compromisso com a equidade.
Sugestões que podem transformar sua prática pediátrica:
- Encaminhe cedo e sem hesitação. Crianças com sinais de risco devem ser direcionadas para intervenção precoce imediatamente, não espere pela avaliação especializada. O tempo é um fator crítico para o desenvolvimento.
- Use ferramentas confiáveis e linguagem respeitosa. O MCHAT-R/F é essencial nos primeiros anos, e a forma como você fala sobre o autismo pode impactar profundamente a relação da família com o diagnóstico. Evite termos capacitistas e pergunte sobre preferências de linguagem.
- Olhe além do diagnóstico, investigue comorbidades, ofereça suporte emocional às famílias e promova metas terapêuticas que valorizem a funcionalidade e a autoestima da criança, não a “normalização”.
Confira os destaques do Congresso da American Academy of Pediatrics
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