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Psiquiatria24 junho 2025

BRAIN 2025: Cognição em transtornos de humor 

Veja os principais pontos da palestra sobre a cognição nos Transtorno Bipolar e Transtorno Depressivo Maior realizada durante a BRAIN 2025
Por Tayne Miranda

No quarto dia do Congress on Brain, Behavior and Emotions – BRAIN 2025, ocorreu uma palestra sobre a Cognição em Transtornos de Humor (focando no Transtorno Bipolar e Transtorno Depressivo Maior) com O Dr. Allan Young, Presidente de Transtornos do Humor e Diretor do Centro de Transtornos Afetivos no Departamento de Medicina Psicológica do Instituto de Psiquiatria, Psicologia e Neurociências no King’s College London.  

A cognição humana depende do funcionamento de circuitos cerebrais complexos. Perturbações nesse sistema (desde a transcrição gênica até a comunicação e sincronização de redes neuronais) podem levar a disfunções cognitivas, como atenção, aprendizagem e memória e velocidade de processamento. Várias doenças mentais cursam com alterações cognitivas devido a desregulações em algum ponto desse sistema. 

Sintomas cognitivos são comuns em pacientes com transtorno depressivo maior (TDM) e transtorno bipolar (TB), persistindo para além dos episódios agudos da doença (os déficits cognitivos podem constituir um aspecto do TDM que é independente e dissociável da sintomatologia depressiva). Rastrear e avaliar os potenciais déficits e declínio cognitivos ao longo do tempo são elementos importantes do manejo clínico dos transtornos do humor.  

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Avaliação 

Dr. Allan fez as seguintes recomendações para avaliação de queixas cognitivas (há baixa correlação entre os sintomas autorrelatados e os déficits medidos objetivamente). Inicialmente é necessário aguardar a remissão dos sintomas do humor, dado sua influência na cognição. Após a remissão, avaliar a cognição com triagens objetivas e subjetivas (como sugestões de ferramentas para avaliação objetiva, o professor indicou a SCIP e COBRA — disponíveis no site da ISBD e para pacientes mais velhos, utilizar o MoCA ou outras ferramentas sensíveis à demência nos casos em que há suspeita de demência). Caso não haja alterações, comunicar ao paciente (a comunicação pode ser suficiente para aliviar as preocupações de pacientes e familiares). No caso de alterações, deve-se perguntar se o comprometimento é secundário à doença, ou seja, secundários a medicação, comorbidades ou estilo de vida não saudável ou devido a doenças orgânicas cerebrais ou demência. Caso o comprometimento seja secundário ao quadro psiquiátrico, fornecer informações e recomendações para pacientes e familiares incentivar estratégias de compensação, suporte e ajustes de expectativas. Nessas situações sua recomendação é monitorar a cognição a cada 5 anos ou quando houver uma razão para antecipar uma avaliação. Caso os sintomas cognitivos não estejam relacionados ao transtorno de humor, avaliar causas secundárias e encaminhar ao neurologista se necessário.  

BRAIN 2025: Cognição em transtornos de humor 

Sintomas Cognitivos no Transtorno Depressivo Maior 

Os déficits cognitivos no transtorno depressivo maior (TDM) são clinicamente relevantes e se manifestam principalmente na memória de trabalho, na atenção e na velocidade de processamento psicomotor. Cerca de 20% a 30% dos indivíduos também apresentam prejuízo nas funções executivas. Esses déficits constituem um dos principais fatores mediadores da disfunção psicossocial associada ao transtorno. Todos os aspectos da vida do paciente são alterados pelos sintomas cognitivos, particularmente seu trabalho. São exemplos do impacto em diversos âmbitos:  

Vida profissional / escolar 

  • Perder / esquecer prazos 
  • Dificuldade para responder perguntas simples 
  • Dificuldade para completar tarefas simples 
  • Perda da capacidade de se concentrar em conversas e reuniões 
  • Frequentemente não compreendem o que está sendo dito 
  • Medo de ter um desempenho ruim 
  • Perdem a confiança em sua capacidade 
  • Perdem a capacidade de comunicar com clareza seus pensamentos e ideias

Vida social 

  • Participar de conversas se torna um desafio, levando-os a se afastar de situações sociais 
  • Esquecem datas importantes, memórias e planos 

 Vida familiar / pessoal 

  • Incapacidade de lidar com tarefas domésticas do dia a dia 
  • Incapacidade de cumprir seu papel na família como cônjuge e/ou pai/mãe 
  • Ficam frustrados e irritados com facilidade, por vezes descontando nos outros

Sintomas Cognitivos no Transtorno Bipolar  

Pacientes com transtorno bipolar apresentam prejuízos cognitivos em atenção, memória e funções executivas. Os déficits cognitivos estão relacionados aos episódios da doença, mas persistem ao longo do tempo mesmo em pacientes eutímicos, com evidências preliminares de um declínio cognitivo acelerado em alguns pacientes à medida que o transtorno progride. A recuperação verbal tardia da informação é o melhor preditor cognitivo de um desfecho funcional ruim, sendo a avaliação do comprometimento cognitivo necessária durante o acompanhamento para planejar uma remediação cognitiva personalizada.  

Tratamento 

Uma questão fundamental é que os tratamentos atuais não abordam a disfunção cognitiva. Em um estudo com mais de mil pacientes randomizados para escitalopram, sertralina e venlafaxina, os pacientes permaneceram com déficits cognitivos em comparação aos controles saudáveis, mesmo após o tratamento e o grau de comprometimento se correlacionou com a cronicidade, mas não com a gravidade dos sintomas depressivos. Ainda são poucos os estudos que avaliam cognição como um desfecho e não utilizar as ferramentas corretas de medida pode levar à subestimação de um efeito terapêutico existente de um agente pró-cognitivo. Apesar dos estudos nessa área serem limitados, há algumas evidências positivas para abordagens farmacológicas e terapias de remediação.  

Entre as medicações com evidências promissoras como terapias farmacológicas pró-cognitivas para TDM e TB, temos:  

  • Vortioxetina 
  • Mifepristona 
  • Pramipexol 
  • Duloxetina 
  • Lurasidona 
  • Eritropoetina (EPO) 
  • Modafinil

No transtorno bipolar, cetamina também tem sido estudada e considerada uma terapia promissora, com estudo aberto evidenciando melhora no processamento e aprendizado verbal. 

Terapia de Remediação Cognitiva   

A Terapia de Remediação Cognitiva é definida pelo Cognitive Remediation Expert Working Group como uma Intervenção de treinamento comportamental que visa déficits cognitivos (atenção, memória, função executiva, cognição social ou metacognição), utilizando princípios científicos de aprendizagem, com o objetivo final de melhorar resultados funcionais. Seu objetivo é restaurar funções cognitivas básicas e transferir ganhos para atividades e funcionamento no dia a dia. No transtorno bipolar pode ter um foco restaurativo (recupera funções neuropsicológicas prejudicadas por meio de exercícios ou compensatório (criar estratégias para contornar o déficit), mas ainda com estudos preliminares, sendo um dos focos de pesquisa no King’s College London (KCL). O professor também trouxe um estudo mostrando que psicoeducação também tem um efeito positivo na cognição (mas muito inferior à remediação cognitiva).   

Mensagem Final 

Os déficits cognitivos são componentes centrais dos transtornos de humor, com impacto significativo no funcionamento psicossocial dos pacientes. É importante a avaliação subjetiva e objetiva desses sintomas em todo o seguimento clínico, dada a persistência dos sintomas cognitivos mesmo após a remissão do quadro de humor. As abordagens terapêuticas atuais não tratam adequadamente a disfunção cognitiva, com algumas medicações apresentando um possível potencial pró-cognitivo, mas que precisam de mais estudos. A Terapia de Remediação Cognitiva é uma estratégia promissora para manejo dos déficits, particularmente no transtorno bipolar.  

BRAIN 2025: Acompanhe a cobertura do Portal Afya

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